A obra “Onde você estiver – Recordações de Nélida Piñon é o último volume da série de cinco livros, que a escritora, professora Dalma Nascimento escreveu sobre toda a produção literocultural, nos mais diferentes níveis em volume extensos: Nélida Piñon nos labirintos da memória; Nélida Piñon entre contos e crônicas; Aventuras narrativas de Nélida Piñon; Conversas com Nélida da renomada escritora Nélida Piñon. A obra contém 192 páginas e tem o selo da H. P. Comunicação Associados que tem como editor, o competente e talentoso Paulo França no Rio de Janeiro. Dedicada, integralmente, à escritora, professora Dra. Eliana Bueno Ribeiro, intelectual, com quem compartilha as obras da grande autora Nélida Piñon, há mais de 50 anos.
QUERIDOS FOCULISTAS, QUEM MELHOR PARA FALAR SOBRE A OBRA, SIM, A PRÓPRIA AUTORA. Eis, a justificação.
Texto escrito nas orelhas da obra por Dalma Nascimento.
O que ainda comentar sobre sua extensa produção que tanto gerou reboliço quando iniciou a carreira literária nos anos 1960? Naquela época, certos críticos e teóricos não perceberam que, na ficção da jovem estreante, algo novo ali se gestava, bem diverso do consignado. Era a energia, da palavra poética, desvelando-se, em nudez seminal, que Nélida trazia à luz e defendia.
Com a força tenaz de uma Antígona dos remotos tempos, ela desafia o poder dos Creontes literários da crítica da época. Já que em Nélida, vida e obra estão essencialmente enlaçadas, resolvi, então, falar de seus livros, porém com apenas mínimas pinceladas. Impossível aprofundar cada um, porque sobre todos eles já compus extensos textos. Isso porque meu fascínio pela obra de Nélida Piñon vem de longa data. De pronto, houve entre mim e sua escrita, a instantânea amistosa empatia interlocutiva que logo se transformou em fecunda cumplicidade.
E, nesse intercâmbio textual, bem cedo percebi que as letras literárias de Piñon traduziam sentimentos da nossa humana condição. Isso logo se percebe quer quando seu andarilho coração navegava nas caudalosas águas dos romances, quer nas ondas mais tranquilas dos contos ou ainda no remanso das crônicas.
Discorrer sobre Nélida Piñon, sedutora mulher no escrever e no falar, é um desafio diante dos múltiplos horizontes para os quais sua vasta narrativa aponta e se dirige. O que escolher para expressar minha antiga admiração pela narrativa e pelo ser existencial dessa celebrada ficcionista, cuja obra já escrevi quatro livros sobre toda a sua produção, nos mais diferentes níveis em volume extensos: Nélida Piñon nos labirintos da memória; Nélida Piñon entre contos e crônicas; Aventuras narrativas de Nélida Piñon; Conversas com Nélida e o quinto “Onde você estiver – Recordações de Nélida Piñon.
Quais as palavras para, mesmo de leve, mencionar o universo dessa escritora falecida com 27 livros publicados. Vários deles, traduzidos em mais de 30 países, inclusive para o chinês, além dos prêmios de dois Jabutis no Brasil e muitos e muitos outros internacionais, dentre eles o disputadíssimo Príncipe de Astúrias de Letras, em 2005, entregue pelo príncipe da Espanha?
O que mais dizer sobre essa extraordinária mulher que assumiu a presidência da Academia Brasileira de Letras com segurança e labor? A primeira presidente mulher. E isso ocorreu num expressivo momento não só para aquela entidade secular, mas também para os destinos da Nova Mulher, que surgia, esplendorosa — em FORÇA DE AURORA — para os Movimentos do Mundo.
Onde você estiver
Querida Nélida, que lição você nos oferece nesta reverente cena. Contrita e irmanada ao grande e antigo tronco dessa árvore centenária da Galícia no Bosque de as Palabras, em 2014, você eternizou, também nessa foto, a união dos humanos com o reino vegetal. Partilhou de um tema de tanta atualidade, analisado, agora, por cientistas de diferentes países.
Ao abraçar, com afeto, a árvore, misturou a seiva de sua humana escrita à dos vegetais em perfeita conjunção fraterna. Em suas páginas literárias já se encontram, desde os seus primeiros livros, as ligações de seus personagens aos vegetais, pedras e animais.
Você, na década de 60, ainda bem novinha, produziu duas obras inovadoras: Guia-mapa de Gabriel Arcanjo, 1961 e Madeira feita cruz, 1963. Em ambas se percebem não somente suas desconstruções literária dos cânones narracionais, como também a enfática presença dos reinos da Natureza em fraterna união.
Desde garota, o ambiente campestre a fascinou. Tendo vivido o início de sua vida no febricitante Rio de Janeiro, aos doze anos seu avô Daniel levou-a à terra ancestral do clã galego. E você, em liberdade, conheceu o silêncio montanhês. Partilhou da vida agreste dos trabalhadores do campo. Observou o gado no pasto, as ovelhas e cabritos subindo o monte Pá de Múa, seu “Everest particular”. Alimentou as vacas galegas da avó Isolina, conforme relatou nas passagens de seu livro Coração andarilho e em outros ensaios. Tornando-se camponesa, escavou os mistérios da terra, “cercada de carvalho e toxo. Naquelas terras, viu de perto a vegetação rasteira salpicada de verde e amarelo. Conheceu casas da pedra e visitou ruínas de castros romanos. Ouviu a voz do vento e o uivar dos lobos. O galego com paladar montanhês, que se fundiu um dia com o português, e o castelhano, altivo e descampando” e aprendeu simultaneamente duas línguas. Sentiu a prodigalidade das emoções, em que os animais tinham nome e coparticipavam da vida campestre familiar, plenas de identidade interativa com o humano. Você mergulhou de modo tão intenso no imo local que se tornou cicerone até dos pais em excursão às maravilhas locais. Da terra doméstica “identificava hábitos, origens, nomes de árvores”, conforme relembra: “ao anoitecer o fio da água de algum manancial para as veigas da avó e beneficiar suas terras”. Você foi uma das pioneiras a usar as lembranças de uma Galícia encantada em cenas de seus livros, tornando ligações humanas.
Em 28
de setembro de 2014, a convite de Beatriz Piñero, relembro que você esteve no
Bosque de lãs Palabras, no Pazo Quintteiro da Cruz, localizado no Ayuntamiento
Ribadumia, Galícia, Espanha. Após o seu falecimento, o lugar vem recebendo
muitas homenagens. Palavras de Nélida na foto acima e autografadas por ela. No
mesmo dia de sua celebração, ela, acompanhada de amigos, plantou uma árvore. Compartilho
com os leitores que observem a naturalidade com que você contempla a árvore e a
alegria demonstrada ao receber tal reconhecimento. Porém, não apenas na
Galícia, você foi valorizada por sua constante ligação com a vegetação e, por
isso, recebeu tais honras.
Também, bem antes, em Israel, no ano de 1989, você plantou uma simbólica árvore no Bosque da Paz, em Jerusalém. Demonstrou, assim, grande apreço, desde sempre, pelo cultivo da natureza. Em razão disso, foi agraciada com um certificado, em hebraico, emitido por aquela cidade.
Bem a par de todos os meandros da terra, “identificava hábitos, origens, nomes de árvores”, Nélida em Israel, em 1989, conforme relembra: “Quem melhor conhecia as trilhas secretas e os arredores de Borela a ponto de desviar, ao anoitecer, o fio da água nascido de algum manancial para as veigas da avó e beneficiar suas terras”. O hábito de plantar árvores tornou-a uma emissária ecológica. Sempre por onde passasse, ia semeando seu amor pelos vegetais numa tentativa de demonstrar a importância da árvore, cada vez mais desprestigiada, nos dias atuais, pelo capitalismo selvagem ao dizimar florestas.
Ei-la portanto a fazer sua parte para um mundo melhor. Você também mencionava pedras. Muitas, em seus livros. Em gesto amoroso, referia-se à casa de pedras da avó Isolina, que tinha uns 300 anos, ou ainda falava da questão da importância da pedra na região galega. Certificado a Nélida Piñon, Rio de Janeiro, Brasil, que plantou uma árvore com as próprias mãos em Jerusalém.
Assim, com este livro, eu viso a demonstrar o quanto a sua narrativa é riquíssima, também em tais aspectos. Esta obra é o começo de um trabalho maior, abrangendo desde Guia-mapa de Gabriel Arcanjo, 1961 e Madeira feita cruz, 1963, até Um dia chegarei a Sagres e, em certas obras intermediárias, os elementos da natureza comandarão a cena literária, sobretudo em A casa da paixão, aqui já demonstrando a ligação da personagem Marta com os fenômenos cósmicos.
Querida Nélida, este é meu quinto livro analítico sobre toda a sua obra, quando comecei escrevendo Nélida Piñon nos labirintos da memória, Nélida Piñon entre contos e crônicas, Aventuras narrativas de Nélida Piñon, Conversas com Nélida e, agora, Onde você estiver. Este presente de aniversário, além de tematizar questões ligadas à Fitoliteratura, literatura das plantas e à Zooliteratura, literatura dos animais, traz também outros ensaios temáticos e configura um caleidoscópico e recordações textuais.
Será meu presente a você pelo seu aniversário, além de agradecer a dedicatória em seu livro póstumo Os rostos que tenho: “À Dalma Nascimento, que dedicou sua vida à procura do enigma que bendiz e amaldiçoa a obra arte. A mestra que enveredou pelas linhas secretas”. Em seu registro, meu nome figura ao lado da amada cachorrinha Pilara Piñon. Com tal ligação explícita, você mais uma vez demonstrou que humanos e animais estão no mesmo nível, conforme atesta a Zooliteratura e a Fitoliteratura. Ademais, testemunho seu antigo amor aos animais — e Gravetinho foi exemplo disso — que você, Nélida, foi uma antecipadora do tema, demonstrando a inter-relação, entre animais, vegetais, minerais e o humano.
Feliz
aniversário, querida amiga! Onde você estiver... saiba que a plantinha que
semeou e os galhos que abraçou continuam a crescer igual ao legado que você deixou,
expandindo cultura a todos os seus leitores e às novas gerações.
POSTAGEM
DO FOCUS PORTAL CULTURAL
ALBERTO
ARAÚJO - EDITOR