domingo, 19 de fevereiro de 2023

“JOSÉ SARAMAGO ENTRE A HISTÓRIA E A FICÇÃO: UMA SAGA DE PORTUGUESES” OBRA DA ESCRITORA TERESA CRISTINA CERDEIRA DA SILVA


José Saramago entre a história e a ficção: uma saga de portugueses, de Teresa Cristina Cerdeira é produto de urna tese de doutoramento orientada pela professora Cleonice Berardinelli e apresentada em 1987 na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Trata-se de uma estimulante investigação centrada na análise de três romances de José Saramago (Levantado do Chão, Memorial do Convento e O Ano da Morte de Ricardo Reis), reflete sobre o modo como essas ficções se interligam com a realidade histórica.

TRECHO DO LIVRO PARA VOCÊ TER A NOÇÃO DA OBRA

“NÓS VIVEMOS DENTRO DE UMA POSSIBILIDADE DE VER QUE É NOSSA” Quando publicou o primeiro romance José Saramago talvez estivesse tomado da mesma ansiedade dominante dos sentidos de todo aquele que desde muito cedo é movido pelo ímpeto do literário e almeja ver-se realizado através de um livro. Tinha vinte e quatro anos e devia contar mais com o espírito afoito da juventude, que o parcimonioso que só adquirimos na alvorada da maturidade; tanto que aceitou de prontidão substituir o título da “história de uma senhora viúva” por Terra do pecado, embora nunca tenha se acostumado a ele. Mais tarde, ele próprio recordaria o que possivelmente havia se passado nos bastidores para depois demovê-lo do nome original para a obra: a Editorial Minerva, que assumiria o interesse da publicação embora os originais tivessem sido entregues à Parceria António Maria Pereira, tinha A viúva como desinteressante à curiosidade imediata dos leitores.

É que apesar de escrever poemas e contos, gesto de toda a década de sua estreia como escritor e pelo menos as três seguintes, e embora alguns desses primeiros textos figurassem em revistas e jornais, outro agravante contribuía, segundo a editora, para o problema de um título inapropriado, porque sem atrativo comercial: o desconhecimento sobre o autor.

Nos anseios do jovem escritor devia passar também as flores do primeiro ou do reconhecimento imediato. Mas, o romance passou despercebido na cena cultural. Se não saber quem era o seu autor constituía um fator determinante para o silêncio, uma série de outros elementos terá contribuído para queimar a largada entusiasta ou o desafio assumido ainda adolescente à roda de amigos. É que Terra do pecado se mostra uma emulação das leituras realizadas pelo escritor nas horas noturnas na Biblioteca Municipal do Palácio das Galveias, desde quando descobre a poesia de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa em quem primeiro acreditou ser um poeta com existência jurídica comprovada; bebe, sobretudo, ESTUDOS SARAMAGUIANOS 18 do realismo de Eça de Queirós: na mesma linha da narrativa de O primo Basílio, por exemplo, aparece aí, uma criada cujas feições e gestos muito se assemelham à Juliana e o imbróglio do amor proibido, tal como o de Luísa e Basílio, acontece entre uma jovem e seu cunhado. Leu-se mais tarde, apressadamente, que esta obra se filiava à linha do que se praticava em Portugal na época: o neorrealismo. Não bastasse o problema de corte anacrônico, porque o romance de 1947 vê-se, não tinha nada de neorrealista, neste período, os nomes fundamentais desse movimento dominavam a cena portuguesa e, de outra parte, a literatura flertava com o idioleto surrealista. Este silêncio que se fez em torno da obra de estreia se repetirá durante longo tempo. José Saramago publicava – não mais romances porque entre o de estreia e Manual de pintura de caligrafia, que assinala uma retomada nesta forma literária, se passará mais de três décadas. O retorno, entretanto, era minguado. Outros problemas agravavam-lhe a ignorância contra sua obra. Era parte numa sociedade de círculos muito fechados e mantidos à base de certo status quo financeiro e intelectual, atributos dos quais era, à vista dos dominantes, um carente. Talvez por isso, quase tudo na biografia do escritor, por sua condição social, exceto a força de vontade para o literário, se passou tarde. O que nos leva ainda a conjeturar que Saramago dedicou à literatura sério interesse – desde sempre; sabia, portanto, que o tempo lhe garantiria a formação fundamental esperada de todo criador. Na altura da construção de seu nome para o Prêmio Nobel, apesar de haver vencido essas barreiras, em parte impostas do mercado, ainda rareava uma bibliografia que garantisse o respaldo acadêmico sobre sua obra; era comentado pela imprensa, lido e traduzido, mas não dominava certo receio das universidades em estudá-lo. Parte disso se devia também ao contexto: foi válido durante muito tempo entre os estudos literários a ideia de consolidação da obra como garantia para as abordagens acadêmicas, e, por sua vez, essa estabilidade só se alcançava depois da morte do escritor. Saramago, portanto, está entre os que contribuíram para a academia se desfazer Teresa Cristina Cerdeira 19 desta visão. Os tímidos estudos iniciais sobre as obras mais lidas, traduzidas e comentadas logo abriram lugar e mais pesquisadores se encontraram interessados no projeto literário e criativo do escritor. Depois da atribuição do galardão pela Academia Sueca, a condição da crítica especializada em torno de sua literatura era outra...



UM POUCO SOBRE A AUTORA

Teresa Cristina Cerdeira é PROFESSORA TITULAR DE LITERATURA PORTUGUESA da Faculdade de Letras da UFRJ e Pesquisadora 1B do CNPq. Possui graduação em Letras Português Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1972), mestrado em Letras (Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979), mestrado em Littérature Comparée - Université de Toulouse II - Le Mirail (1974) e doutorado em Letras (Letras Vernáculas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1987). Atua em Literatura Portuguesa , com ênfase nos séculos XX e XXI, sobretudo em temas relaçionados à intertextualidade, relações intersemióticas, autobiografia, literatura e história. É autora dos seguintes livros: JOSÉ SARAMAGO: ENTRE A HISTÓRIA E A FICÇÃO UMA SAGA DE PORTUGUESES (Dom Quixote, Lisboa, 1989), O AVESSO DO BORDADO (Caminho, Lisboa, 2000), e A TELA DA DAMA (Presença, Lisboa, 2013). A MÃO QUE ESCREVE (Rio de Janeiro. Casa da Palavra, 2014). Organizadora e autora do livro de ensaios coletivos sobre a obra de Helder Macedo - A EXPERIÊNCIA DAS FRONTEIRAS ( EdUU, 2002) e co-organizadora de dois livros de homenagem: CLEONICE CLARA EM SUA GERAÇÃO (Ed UFRJ,) e A PRIMAVERA TODA PARA TI (PRESENÇA, LISBOA, 2004). Foi Regente da CÁTEDRA JORGE DE SENA (2005-2011) e editora da Revista METAMORFOSES (números 7, 8, 9, 10.1. 10.2. 11.1, 11.2, 12.1, 12.2).

 


CLICAR NA IMAGEM ACIMA OU NO LINK ABAIXO PARA ASSISTIR A ENTREVISTA DA AUTORA TERESA CRISTINA CERDEIRA DA SILVA:

https://www.youtube.com/watch?v=R4EEM6i3FIc&t=1s






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