PEDRA
FILOSOFAL - POEMA DE ANTÔNIO GEDEÃO
Eles
não sabem que o sonho
é uma
constante da vida
tão
concreta e definida
como
outra coisa qualquer,
como
esta pedra cinzenta
em que
me sento e descanso,
como
este ribeiro manso
em
serenos sobressaltos,
como
estes pinheiros altos
que em
verde e oiro se agitam,
como
estas aves que gritam
em
bebedeiras de azul.
Eles
não sabem que o sonho
é
vinho, é espuma, é fermento,
bichinho
álacre e sedento,
de
focinho pontiagudo,
que
fossa através de tudo
num
perpétuo movimento.
Eles
não sabem que o sonho
é tela,
é cor, é pincel,
base,
fuste, capitel,
arco em
ogiva, vitral,
pináculo
de catedral,
contraponto,
sinfonia,
máscara
grega, magia,
que é
retorta de alquimista,
mapa do
mundo distante,
rosa-dos-ventos,
Infante,
caravela
quinhentista,
que é
Cabo da Boa Esperança,
ouro,
canela, marfim,
florete
de espadachim,
bastidor,
passo de dança,
Colombina
e Arlequim,
passarola
voadora,
pára-raios,
locomotiva,
barco
de proa festiva,
alto-forno,
geradora,
cisão
do átomo, radar,
ultra-som,
televisão,
desembarque
em foguetão
na
superfície lunar.
Eles
não sabem, nem sonham,
que o
sonho comanda a vida.
Que
sempre que um homem sonha
o mundo
pula e avança
como
bola colorida
entre
as mãos de uma criança.
UM
POUCO SOBRE O AUTOR
Poeta, professor e historiador da ciência portuguesa. António Gedeão, pseudónimo de Rómulo de Carvalho, professor de físico-química do ensino secundário no Liceu Pedro Nunes e Liceu Camões, investigador de História da ciência. Nasceu a 24 novembro 1906 (Lisboa, Portugal), Faleceu em 19 fevereiro 1997 (Lisboa).
Teve um papel importante na divulgação de temas científicos, colaborando em revistas da especialidade e organizando obras no campo da história das ciências e das instituições, como A Atividade Pedagógica da Academia das Ciências de Lisboa nos Séculos XVIII e XIX. Publicou ainda outros estudos, como História da Fundação do Colégio Real dos Nobres de Lisboa (1959), O Sentido Científico em Bocage (1965) e Relações entre Portugal e a Rússia no Século XVIII (1979). Revelou-se como poeta apenas em 1956, com a obra Movimento Perpétuo. A esta viriam juntar-se outras obras, como Teatro do Mundo (1958), Máquina de Fogo (1961), Poema para Galileu (1964), Linhas de Força (1967) e ainda Poemas Póstumos (1983) e Novos Poemas Póstumos (1990). Na sua poesia, reunida também em Poesias Completas (1964), as fontes de inspiração são heterogêneas e equilibradas de modo original pelo homem que, com um rigor científico, nos comunica o sofrimento alheio, ou a constatação da solidão humana, muitas vezes com surpreendente ironia. Alguns dos seus textos poéticos foram aproveitados para músicas de intervenção. Em 1963 publicou a peça de teatro RTX 78/24 (1963) e dez anos depois a sua primeira obra de ficção, A Poltrona e Outras Novelas (1973). Na data do seu nonagésimo aniversário, António Gedeão foi alvo de uma homenagem nacional, tendo sido condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Sant'iago de Espada.
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