sexta-feira, 25 de agosto de 2023

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA – MANOEL DE BARROS



Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino

que carregava água na peneira.

 

A mãe disse que carregar água na peneira

era o mesmo que roubar um vento e

sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

 

A mãe disse que era o mesmo

que catar espinhos na água.

O mesmo que criar peixes no bolso.

 

O menino era ligado em despropósitos.

Quis montar os alicerces

de uma casa sobre orvalhos.

 

A mãe reparou que o menino

gostava mais do vazio, do que do cheio.

Falava que vazios são maiores e até infinitos.

 

Com o tempo aquele menino

que era cismado e esquisito,

porque gostava de carregar água na peneira.

 

Com o tempo descobriu que

escrever seria o mesmo

que carregar água na peneira.

 

No escrever o menino viu

que era capaz de ser noviça,

monge ou mendigo ao mesmo tempo.

 

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.

 

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor.

 

A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

 

Você vai encher os vazios

com as suas peraltagens,

e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!

 

 

Manoel Wenceslau Leite de Barros – Manoel de Barros – foi um dos grandes poetas brasileiros do século XX. Nascido na cidade de Cuiabá, no Mato Grosso, em 19 de novembro de 1916, mudou-se para Campo Grande ainda criança. Quando mais velho, foi para o Rio de Janeiro terminar os estudos e estudar Direito. Como poeta, foi representante do pós-Modernismo brasileiro, apesar de ter sido influenciado por Oswald de Andrade e o movimento antropofágico. Aos 97 anos, em 2014, Manoel faleceu na cidade de Campo Grande/MS, sendo consagrado um dos mais importantes poetas brasileiros do século XX.

 

Logo aos 21 anos, Manoel de Barros publicou o seu primeiro livro, “Poemas concebidos sem pecado” (1937), seguido por “Face imóvel” (1942). Essas e tantas outras obras lhe renderam prêmios importantes na literatura brasileira, como dois Prêmios Jabuti (1989 e 2002) e o Prêmio da Academia Brasileira de Letras (2012), concedido aos autores dos melhores livros de poesia.

 

Abaixo, um belo poema do escritor sobre a arte e seus despropósitos, publicado em 1999, no livro “Exercícios de ser criança”.


 

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