quinta-feira, 3 de julho de 2025

LUZILÂNDIA - ONDE A LUZ SE FAZ MORADA - PROSA DE ALBERTO ARAÚJO

Há lugares que não apenas nascem no mapa, nascem dentro da gente. Luzilândia é um desses. Não é só cidade: é travessia de tempo, é raiz que fala, é reza que canta. 

Ali, o rio não corre: ele sussurra. O Velho Monge, com suas águas mansas e sabidas, carrega histórias que nem o tempo ousa apagar. Às suas margens, pescadores se erguem ao amanhecer como sentinelas do silêncio, homens que dialogam com os peixes, com as marés, com Deus. 

No coração da cidade, o nome de Santa Luzia brilha feito farol. Padroeira e vigia, sua luz abençoa cada passo dado nas ruas de barro, nas calçadas quentes, nos olhos devotos que a procuram em cada festa, em cada gesto. 

Luzilândia é feita de gente. De gente que benze e borda o mundo com fé. Carmem, benzedeira de mãos sagradas, passava seus galhos de arruda com palavras que mais pareciam versos. Riscava cruzes invisíveis na testa dos aflitos, e ninguém duvidava da cura. 

E havia também as rendeiras, tecendo o tempo com suas agulhas de paciência. E as bordadeiras, costurando as lendas nos panos, nos lençóis, nas colchas que cobriam o sono das gerações. 

Os lavradores, com a pele curtida de sol, sabiam que o chão vermelho é altar. Plantavam feijão, esperança, e sempre havia mais colheita no olhar do que na roça. 

No quintal da minha infância, havia uma mangueira imensa que guardava os segredos da minha mãe. Era ali, sob sua sombra, que ela rezava o terço com os pés descalços e a alma elevada. O cheiro do cajueiro misturava-se às suas orações, e tudo parecia estar em paz. 

Lembro-me do Padre Jonas! E como se esquecer de Padre Jonas Pinto?

Homem de fé e ternura, que fez do povo sua missão. Sua voz firme, porém doce, ainda ecoa-nos que aprenderam com ele a beleza da compaixão. No peito da Praça Santa Luzia, o monumento que o homenageia não é apenas pedra: é memória viva, é gratidão esculpida no coração de uma cidade inteira. 

E nas noites em que a lua se deita sobre o rio, as lendas voltam a caminhar: a Iara canta na curva das águas; Zabelê dança entre as sombras dos cajueiros; Cabeça de Cuia assombra os descuidados; e a Escrava Luminosa, silenciosa e bela, vela pelos vivos e pelos encantados. 

Raimundo Nonato escreveu em versos aquilo que já sabíamos no peito: Luzilândia é mais do que um nome, é berço, é bênção, é brasão do nosso afeto.

Sim, essa terra é a Rainha do Piauí. E eu, filho da luz que nela habita, levo comigo a certeza: onde houver lembrança, haverá um pedaço de Luzilândia pulsando. 

Porque quem nasce nesse solo não carrega só um lugar, carrega um mundo dentro do peito.

© Alberto Araújo 



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