A infância como poesia viva
Celebrar o Dia da Criança, em 12 de outubro, é mais do que oferecer presentes ou organizar festas: é um convite à reflexão sobre o valor da infância como tempo fundador da existência. Poucos escritores brasileiros souberam traduzir esse instante com tanta delicadeza quanto Casimiro de Abreu. Sua obra, embora breve, permanece como um marco de ternura e lirismo. O poema Meus oito anos, publicado em 1859, tornou-se um verdadeiro hino à infância, não apenas pela beleza dos versos, mas pela capacidade de transformar memória em eternidade.
A poesia de Casimiro não é apenas nostalgia; é também filosofia. Ao evocar a pureza dos primeiros anos, o poeta nos lembra que a infância é o território onde se formam os sonhos, onde a imaginação é soberana e onde a vida parece um “hino de amor”. Essa visão ultrapassa os limites do romantismo literário e se aproxima de uma reflexão universal: a infância é o alicerce da sensibilidade humana, a fonte de onde brotam tanto a criatividade quanto a capacidade de contemplar o mundo com encantamento.
Vivemos em uma era marcada pela aceleração digital, pela ansiedade e pela constante busca por produtividade. Nesse cenário, a poesia de Casimiro soa quase como um manifesto contra a pressa. Seus versos nos convidam a revisitar um tempo em que o céu era bordado de estrelas, o mar beijava a areia e a vida se resumia a correr atrás de borboletas azuis.
Ao celebrarmos o Dia da Criança, não estamos apenas homenageando os pequenos de hoje, mas também resgatando a criança que fomos. A literatura nos oferece esse espelho: ao ler Meus oito anos, cada leitor reencontra sua própria memória afetiva, seja no quintal da avó, nas brincadeiras de rua, nas tardes sem relógio ou nos gestos de carinho que marcaram a formação da identidade.
Pode parecer paradoxal falar em “intelectualidade da infância”, mas é justamente isso que a poesia de Casimiro revela. A criança pensa o mundo de forma poética, cria metáforas espontâneas, interpreta a realidade com liberdade e imaginação. Esse olhar, que os adultos muitas vezes perdem, é uma forma de sabedoria.
Ao valorizar a infância, não estamos apenas celebrando a inocência, mas também reconhecendo a potência criadora que ela carrega. A criança é filósofa sem saber, é artista sem técnica, é poeta sem esforço. O Dia da Criança, portanto, não deve ser visto apenas como uma data lúdica, mas como um lembrete de que a sociedade precisa proteger, nutrir e aprender com esse olhar.
CASIMIRO
DE ABREU E A SAUDADE COMO ESTÉTICA
Casimiro de Abreu morreu jovem, aos 21 anos, mas deixou uma obra que atravessou séculos. Sua poesia é marcada pela saudade — não como peso, mas como força estética. A saudade, em sua escrita, não paralisa: ela ilumina. Ao recordar a infância, o poeta não apenas lamenta o que passou, mas transforma a memória em beleza compartilhada.
É por isso que, mais de 160 anos depois, seus versos ainda ecoam em salas de aula, em corações nostálgicos e em leitores que buscam, na literatura, um refúgio contra a dureza do tempo presente. A infância, em Casimiro, não é apenas lembrança pessoal: é patrimônio coletivo.
O DIA DA CRIANÇA COMO CELEBRAÇÃO DA POESIA
No Brasil, o 12 de outubro é também dia de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do país. Essa coincidência reforça a ideia de que a infância é sagrada, merecedora de cuidado e reverência. Ao unir a celebração religiosa com a celebração da criança, a data ganha uma dimensão simbólica ainda maior: é o dia de olhar para o futuro com esperança e para o passado com gratidão.
Assim, ao celebrarmos o Dia da Criança, podemos também celebrar a poesia. Porque a infância é, em si, uma forma de poesia vivida: feita de descobertas, de encantamentos, de perguntas sem respostas e de sonhos sem limites. Casimiro de Abreu soube eternizar esse instante, e sua obra nos lembra que, mesmo adultos, nunca deixamos de carregar dentro de nós aquela criança que um dia correu livre pelos campos.
INFÂNCIA COMO CATEGORIA ESTÉTICA E CULTURAL
A celebração do Dia da Criança abre espaço não apenas para homenagens lúdicas, mas também para reflexões mais profundas sobre o papel da infância na cultura e na literatura brasileira. A infância, longe de ser apenas uma fase biológica, constitui-se como uma categoria estética e simbólica, capaz de revelar valores, sensibilidades e visões de mundo. Nesse sentido, a poesia de Casimiro ocupa lugar central: em Meus oito anos, o poeta romântico transforma a memória pessoal em matéria literária, elevando a experiência infantil à condição de mito coletivo.
A literatura brasileira do século XIX, marcada pelo romantismo, buscava construir identidades nacionais e afetivas. Casimiro, ao evocar sua infância perdida, não descreve apenas lembranças individuais, mas cria um mito da infância: um tempo idealizado, puro, em que a natureza e a inocência se fundem. Essa idealização dialoga com o projeto romântico de valorização da subjetividade e da emoção, mas também com a necessidade de criar um espaço simbólico de pertencimento.
Essa dimensão coletiva é fundamental para compreender a força simbólica da infância. Ao mesmo tempo em que remete a experiências pessoais, ela constrói uma identidade cultural comum, marcada pela valorização da simplicidade, da natureza e dos afetos familiares.
O Dia da Criança não é apenas uma data no calendário: é um convite à contemplação. É a oportunidade de reconhecer que a infância é o berço da imaginação, da sensibilidade e da intelectualidade. Ao revisitarmos os versos de Casimiro de Abreu, somos lembrados de que a poesia não é apenas arte, mas também memória, filosofia e celebração da vida
Que neste 12 de outubro possamos, como sociedade, não apenas presentear as crianças, mas também aprender com elas, e com a poesia que as representa. Porque, no fundo, preservar a infância é preservar a própria humanidade.
Casimiro de Abreu (1839 – 1860), um dos nomes mais sensíveis do romantismo brasileiro, viveu apenas 21 anos, mas deixou uma obra marcada pela saudade, pelo lirismo e pela musicalidade. Em “Meus oito anos”, ele transforma memórias em poesia, tocando gerações com sua simplicidade e emoção. Mais de 160 anos depois, seus versos ainda ecoam em salas de aula, corações nostálgicos e leitores em busca de beleza.
LEIA ABAIXO “MEUS OITO ANOS” POESIA DE CASIMIRO DE ABREU
Oh!
que saudades que tenho
Da
aurora da minha vida,
Da
minha infância querida
Que
os anos não trazem mais!
Que
amor, que sonhos, que flores,
Naquelas
tardes fagueiras
À
sombra das bananeiras,
Debaixo
dos laranjais!
Como
são belos os dias
Do
despontar da existência!
—
Respira a alma inocência
Como
perfumes a flor;
O
mar é — lago sereno,
O
céu — um manto azulado,
O
mundo — um sonho dourado,
A
vida — um hino d’amor!
Que
aurora, que sol, que vida,
Que
noites de melodia
Naquela
doce alegria,
Naquele
ingênuo folgar!
O
céu bordado d’estrelas,
A
terra de aromas cheia
As
ondas beijando a areia
E
a lua beijando o mar!
Oh!
dias da minha infância!
Oh!
meu céu de primavera!
Que
doce a vida não era
Nessa
risonha manhã!
Em
vez das mágoas de agora,
Eu
tinha nessas delícias
De
minha mãe as carícias
E
beijos de minha irmã!
Livre
filho das montanhas,
Eu
ia bem satisfeito,
Da
camisa aberta o peito,
—
Pés descalços, braços nus —
Correndo
pelas campinas
A
roda das cachoeiras,
Atrás
das asas ligeiras
Das
borboletas azuis!
Naqueles
tempos ditosos
Ia
colher as pitangas,
Trepava
a atirar as mangas,
Brincava
à beira do mar;
Rezava
às Ave-Marias,
Achava
o céu sempre lindo.
Adormecia
sorrindo
E
despertava a cantar!
Oh!
que saudades que tenho
Da
aurora da minha vida,
Da
minha infância querida
Que
os anos não trazem mais!
—
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas
tardes fagueiras
A
sombra das bananeiras
Debaixo
dos laranjais!
©
Alberto Araújo
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