Foi por intermédio de um vídeo que encontrei no Instagram da Revista Insight Inteligência que me vi novamente diante do Palácio Monroe. A crônica "O Fantasma de Pedra do Palácio Monroe" já existia em mim, como uma ferida cicatrizada que ainda pulsa. Mas hoje, ao ver as imagens geradas por inteligência artificial, decidi ampliá-la. Porque há fantasmas que merecem ser revisitados com mais vagar, mais afeto, mais palavras.
Logo cedo, ao deslizar distraidamente pela página Maravilhas do Rio, fui surpreendido por uma imagem que me fez suspender o tempo. Lá estava ele: o Palácio Monroe, fotografado em 1959, com sua imponência de cúpula erguida, colunas altivas e uma aura de grandiosidade que parecia querer dialogar com as montanhas e com o mar da Guanabara. Era como se o passado tivesse se insinuado por entre os pixels da tela, exigindo atenção, respeito, memória.
Não era apenas um prédio. Era um gesto. Uma ousadia em pedra e cimento, um símbolo de modernidade que o Rio um dia abraçou e, depois, deixou escapar pelos dedos. O Palácio Monroe não se limitava à sua arquitetura neoclássica. Ele era um manifesto silencioso, uma tentativa de dizer ao mundo que o Brasil também sabia erguer monumentos que falavam de beleza, de poder, de civilidade.
Olho a foto e imagino a vida ao redor: os carros discretos circulando, o frescor das árvores que ainda guardavam sombra generosa, os passantes que talvez não se detivessem diante dele, como quem não percebe a beleza que tem todos os dias diante dos olhos. O Palácio Monroe era assim: uma joia de presença tão forte que parecia eterna. E, no entanto, não resistiu ao descaso.
Demolido em 1976, sob justificativas que hoje soam frágeis, o palácio foi apagado do mapa, mas não da alma da cidade. O lugar onde se erguia agora abriga apenas o vazio e a pressa, como se o Rio tivesse decidido esquecer uma parte de si. E é nesse instante que entendo: algumas ausências são mais barulhentas que qualquer monumento.
O Palácio Monroe, ainda que demolido, permanece vivo, não na Cinelândia, não no asfalto, mas na lembrança daqueles que sabem olhar para trás sem medo da saudade. Ele vive nas fotografias amareladas, nos postais antigos, nas conversas entre arquitetos e historiadores, nas crônicas como esta. Vive, sobretudo, na dor silenciosa de quem viu a cidade perder um pedaço de sua alma.
A imagem gerada por inteligência artificial, que me levou de volta ao palácio, tem algo de mágico e inquietante. Ela não é apenas uma reconstrução visual. É uma evocação. Um chamado. Como se a tecnologia, paradoxalmente, nos ajudasse a resgatar o que a modernidade destruiu. E ali, diante daquela imagem, percebo que o Palácio Monroe não é apenas um fantasma de pedra. É um símbolo da luta entre o efêmero e o eterno, entre o progresso e a preservação.
O Rio perdeu o palácio, mas não perdeu a poesia de quem se comove com sua lembrança. E talvez seja essa poesia que nos salve. Que nos faça olhar para os prédios que ainda resistem com mais cuidado, com mais reverência. Que nos impeça de repetir o erro. Porque cada demolição injusta é uma amputação na memória coletiva. E a memória, sabemos, é o que nos dá identidade.
Hoje, ao ampliar esta crônica, não quero apenas lamentar. Quero celebrar. Celebrar a beleza que existiu, a coragem de quem a construiu, a sensibilidade de quem ainda se emociona. O Palácio Monroe pode ter sido demolido, mas permanece como um farol invisível, guiando os que acreditam que a cidade é feita também de suas cicatrizes.
© Alberto Araújo
Link da postagem original
Revista insight inteligencia
https://www.instagram.com/p/DSI_MzgAe0w/
A DEMOLIÇÃO DO
MONROE: UM SILÊNCIO QUE ECOA
O Palácio
Monroe não foi apenas um edifício. Foi um gesto arquitetônico, uma afirmação de
modernidade e civilidade em pedra e cimento, que o Rio de Janeiro ergueu com
orgulho e destruiu com pressa. Sua trajetória, da pedra fundamental em 1905 à
demolição em 1976, é um retrato fiel das contradições urbanas, políticas e culturais
do Brasil republicano.
Inaugurado
ainda inacabado para a 3ª Conferência Pan-Americana, o Monroe rapidamente se
tornou palco de eventos diplomáticos, científicos e legislativos. Recebeu a
Câmara dos Deputados, depois o Senado, e foi reformado para acomodar os novos
usos, perdendo parte de sua elegância original. Durante a Revolução de 1930,
virou quartel das tropas gaúchas, cenário de cavalos pastando em seus jardins.
Já nos anos 1950, o Senado cogitou abandoná-lo, e um concurso arquitetônico
chegou a prever sua substituição por uma pirâmide truncada. Mas Brasília
interrompeu esses planos.
Com a
transferência do Senado, o Monroe virou abrigo de serviços administrativos e da
Constituinte do Estado da Guanabara. Nos anos 1970, foi disputado por órgãos
sem sede, como o TSE, e por entidades como o Clube de Engenharia e o CREA, que
ofereceram restaurá-lo. As obras do metrô ameaçaram sua estrutura, mas
engenheiros projetaram curvas para preservá-lo. Mesmo assim, escadarias foram
demolidas e os leões de mármore removidos.
Em outubro de
1975, sem decreto publicado, o Palácio foi demolido por ordem de Geisel, num
gesto autoritário e simbólico. A decisão fazia parte de um plano maior: apagar
a antiga capitalidade do Rio e consolidar Brasília como centro de poder. O
Catete virou museu, o Tiradentes, assembleia, e o Monroe, ruína. Falcão
mobilizou a imprensa para criar clima favorável à demolição, enquanto a opinião
pública ignorava os planos geopolíticos por trás do ato.
O Palácio
Monroe era fruto de um projeto modernizador iniciado em 1904, com o pavilhão
brasileiro em Saint Louis. A arquitetura eclética buscava romper com o passado
colonial e afirmar valores universais. A Primeira República apostava no corpo
técnico de engenheiros e na transformação urbana, com prefeitos como Pereira
Passos, Souza Aguiar e Paulo de Frontin. O Monroe simbolizava essa fé no
progresso.
Mas esse
modelo não se conciliou com o nacionalismo do período Vargas, que valorizava o
colonial e o folclórico. A Nova Arquitetura de Costa, concretizada em Brasília,
buscava mitos fundadores. O ecletismo do Monroe ficou excluído. Sua demolição,
embora injusta, abriu espaço para o reconhecimento de outros edifícios
ecléticos, como os do Conjunto da Avenida Rio Branco.
O Palácio Monroe foi sacrificado em nome de uma modernidade que não soube dialogar com sua própria história. Sua ausência ecoa como um silêncio eloquente, lembrando que o progresso sem memória é apenas ruína disfarçada. E que, por trás de cada pedra derrubada, há sempre uma história que insiste em ser contada.
.png)

.png)
Nenhum comentário:
Postar um comentário