XADREZ - CRÔNICA DE RAQUEL NAVEIRA
Convidei meu adversário para uma partida de xadrez. Diante
de nós, o tabuleiro de figuras geométricas, branco e preto, sombra e luz, dia e
noite. Universo manifestado em madeira. Posiciono minhas peças. Ele também.
Precisarei de sorte. Sinto uma vertigem. Ele relembra as regras do jogo.
Balanço a cabeça concordando, procurando transparecer confiança e
espontaneidade. Em breve farei proezas, penso, vou desconcertá-lo com meus
encantamentos. Colocarei toda a força de minha alma, de minha libido, de minhas
entranhas. Dialogarei com a magia e o invisível. Nesse tabuleiro encontram-se
as oposições, a situação de conflito, a manobra da inteligência e do cálculo.
Em cada ponto deposito um pouco dos meus recursos, dos meus limites e sonhos.
Minha dama branca inicia a batalha ocupando a casa branca. Um bispo negro
se move em minha direção. Cada peça repercute sobre a outra, traz consequências
que nos sobressaltam e maravilham.
O xadrez põe em ação a exaltação e o rigor. É jogo que desenvolve
qualidades como aceitação, estratégia, domínio da alternância, controle sobre
os territórios e sobre si mesmo. Diz a lenda que um brâmane criou o jogo a
pedido de um rajá indiano. Como recompensa, o sacerdote recebeu uma
quantidade de grãos de trigo na primeira casa, dobrando progressivamente a cada
casa conquistada. Conseguiu assim fartura e dignidade para seu povo. O jogo era
popular entre os califas como Harun al-Rashid, que patrocinavam os melhores
jogadores de sua corte para longas maratonas. O fato é que após a conquista da
Pérsia pelos árabes, eles assimilaram o jogo e o difundiram no ocidente,
levando-o à África e à Europa.
Não posso me desconcentrar. Tenho que lutar contra o medo e as
minhas dúvidas. Restaram-me ainda as torres de marfim e alguns peões. Trago à
tona minha imaginação. Emociono-me com a perda de um cavalo tombado na neve.
Foi um duro golpe. Vou além. O adversário é astuto, mas não me derrubou.
Penetrou no meu campo, no meu psiquismo, mas será expulso. O cenário é de
combate. Lembrei-me dos versos do poeta romântico Gonçalves Dias: “... a vida/
É luta renhida:/ Viver é lutar./ A vida é combate,/ Que os fracos abate,/Que os
fortes, os bravos/ Só pode exaltar.” Serei forte? Talvez não. Mas quando sou
fraca, aí é que sou forte. Clamarei por um instante pelas potências cósmicas,
as mãos em gancho, buscando uma nova peça nesse conjunto. Um novo risco, uma
nova oportunidade, uma nova expressão. Uma saída. Uma solução urgente e matemática.
Estudei muito antes de convidar o adversário para esse jogo.
Observei como ele agia, sua sagacidade e subterfúgios. Preparei-me, afinal,
todos os que competem nos jogos se submetem a um treinamento puxado para obter
a coroa de louros que logo murcham e se desvanecem. Vencendo esse jogo
enxadrezado, terei uma coroa eterna, supremacia sobre o mundo, que morreu para
mim.
A partida parece interminável. Meu adversário não tem pressa. A
qualquer momento direi a ele: “_ Combati o bom combate, completei a corrida
pelo tabuleiro. A minha dama forçou caminho contra o rei solitário.” Num último
lance, gritarei vitoriosa: “_ Xeque-mate.”.
ORIGINAL NO BLOG DO ALEX FRAGA
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