Sou um homem de muitas lembranças. Caminho entre os dias como quem leva um rio dentro do peito. As águas do Parnaíba me atravessam com suas canções antigas e seu silêncio de prece. Não sou apenas feito de carne e osso, sou feito de margem, barro quente e saudade. Trago em mim a essência do saber que não se aprende em livros, mas no olhar da mãe, no esforço do pai, no chão rachado que ensina a resistir.
Minha unha carrega a terra piauiense como medalha, como raiz. Tenho a força de quem veio do fundo da alma nordestina, onde o saber é ferramenta, o tempo é lavoura e a palavra é colheita. Aprendi que pensar é também plantar, e que a memória, quando bem cuidada, floresce em forma de gesto, de poesia, de silêncio que fala.
Sou um homem que não esquece. Porque lembrar é continuar vivendo o que vale a pena. Dentro de mim, o Velho Monge não dorme: ele navega, serpenteia, me guia. E onde quer que eu vá, ele me acompanha, como um anjo feito de água e fé. Meus passos têm cheiro de infância, e meu peito ainda guarda o eco das rezas ao entardecer.
Não sou passado. Sou presença feita de história. Sou cais, sou correnteza mansa, sou brasa que não se apaga. Quem me encontra talvez não veja logo o rio, mas quem ficar por perto o tempo suficiente vai ouvi-lo: murmurando minha origem, minha luta, minha paz.
Sou esse homem. O que carrega o rio. O que crê no saber como ponte, na lembrança como terra fértil. Sou palavra plantada. E sigo — feito rio — em direção ao mar que há em mim.
© Alberto Araújo
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