Em 08 de outubro de 1998, a literatura em língua portuguesa alcançou um marco histórico: José Saramago, romancista português nascido em Azinhaga, no Ribatejo, tornou-se o primeiro autor de expressão lusófona a receber o Prêmio Nobel de Literatura. A decisão da Academia Sueca não apenas consagrou a trajetória de um escritor que já vinha sendo amplamente reconhecido pela crítica e pelos leitores, mas também projetou a literatura portuguesa para um patamar de visibilidade internacional sem precedentes.
A justificativa da Academia destacou a forma singular com que Saramago, em suas obras, conseguia “tornar compreensível uma realidade fugidia, com parábolas sustentadas pela imaginação, compaixão e ironia”. Essa definição resume bem a essência de sua escrita: uma prosa densa, marcada por longos períodos, diálogos entrelaçados e uma pontuação pouco convencional, que desafia o leitor a mergulhar em um fluxo narrativo contínuo. Mais do que um estilo, trata-se de uma visão de mundo, em que a literatura se torna instrumento de reflexão filosófica, política e social.
Antes do Nobel, Saramago já havia conquistado o Prêmio Camões, em 1995, o mais importante galardão da literatura em língua portuguesa. Obras como Memorial do Convento (1982), O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991) e Ensaio sobre a Cegueira (1995) consolidaram sua reputação como um dos grandes escritores contemporâneos. Cada um desses livros, à sua maneira, questiona verdades estabelecidas, revisita a história ou expõe as fragilidades da condição humana.
Memorial do Convento, por exemplo, mistura a construção do Convento de Mafra com a história de personagens fictícios, como Baltasar e Blimunda, criando uma narrativa em que o real e o fantástico se entrelaçam.
O Nobel de 1998, portanto, foi mais do que um reconhecimento individual: representou a consagração de uma literatura que, até então, raramente alcançava projeção global. Para os países de língua portuguesa, especialmente Portugal e Brasil, o prêmio foi motivo de orgulho coletivo, pois simbolizou a entrada definitiva do idioma no cânone literário mundial.
No discurso de Estocolmo, ao receber o prêmio, Saramago evocou memórias de sua infância humilde, marcada pela vida no campo e pela simplicidade de sua família. Recordou o avô Jerónimo, que, ao pressentir a morte, despediu-se das árvores do quintal, abraçando-as uma a uma. Essa imagem, carregada de ternura e humanidade, sintetiza a sensibilidade que atravessa sua obra: a consciência de que a literatura nasce da experiência concreta, da memória e da ligação profunda com a vida comum.
A repercussão do Nobel foi imediata. As obras de Saramago passaram a ser traduzidas em dezenas de idiomas, alcançando leitores em todo o mundo. Sua figura, já respeitada, transformou-se em referência incontornável da literatura contemporânea. Ao mesmo tempo, o prêmio abriu caminho para que outros escritores de língua portuguesa fossem mais lidos e estudados fora de seus países de origem.
José Saramago faleceu em 2010, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, onde viveu seus últimos anos. Mas seu legado permanece vivo, tanto pela força de seus livros quanto pela relevância de suas ideias. Ao unir imaginação literária, crítica social e uma escrita inconfundível, ele mostrou que a literatura pode ser, ao mesmo tempo, arte e consciência, beleza e questionamento.
Assim, o Nobel de 1998 não foi apenas um prêmio concedido a um escritor, mas um marco cultural que reafirmou a capacidade da literatura de língua portuguesa de dialogar com o mundo. Saramago entrou para a história não apenas como o primeiro lusófono a conquistar o Nobel, mas como um autor que soube transformar palavras em instrumentos de reflexão sobre a condição humana, a justiça, a memória e a esperança.
© Alberto Araújo
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