Fotógrafo fez escola com seus jogos de luz e sombra ao registrar nomes como Villa-Lobos.
Vizinho
do fotógrafo alemão, Heitor Villa-Lobos era frequentador assíduo de seu estúdio
na Rua Araújo Porto Alegre, no Centro do Rio - Stefan Rosenbauer /Divulgação
Dele,
chegou-se a dizer que seria um Rembrandt moderno, pelo trabalho com luz e
sombra. Ele era um dos mais prestigiados fotógrafos alemães. Também combateu na
Primeira Guerra e ganhou medalha de esgrima nos Jogos Olímpicos de Berlim. Mas
o livro que será lançado nesta quinta, junto a uma exposição, 49 anos após a
morte de Stefan Rosenbauer, vai homenagear o mestre que fez escola no Brasil e
retratou algumas das mais importantes personalidades da cena nacional, entre os
anos 1940 e 1950.
Os
olhos sempre tiveram importância central nos retratos de Rosenbauer. Através
deles, acreditava o alemão, era possível sondar a essência da pessoa
fotografada. Assim ele fez com Fernanda Montenegro, Henriette Morineau, Getúlio
Vargas, Villa-Lobos e uma lista de artistas, políticos e escritores que posaram
para as suas lentes no ateliê da Rua Araújo Porto Alegre, no Centro do Rio.
No
início da carreira, porém, os olhos de Rosenbauer estavam voltados para os
céus. Naquele agosto de 1936, na cerimônia de abertura dos Jogos em Berlim, ele
viu os aviões de guerra cruzarem o estádio, espalhando pelos ares o ronco da
fúria nazista. Imediatamente, começou a planejar a fuga. Membro da equipe de
esgrima, ele sairia da Olimpíada com uma medalha de bronze, conquistada no
florete, e uma certeza: apesar do prestígio obtido no esporte e no estúdio
fotográfico em Frankfurt, nada garantiria a segurança de Leonie Jakob, sua
mulher, filha de mãe judia.
Três
anos depois, graças a um documento forjado, a Alemanha perderia o espadachim e
um dos mais talentosos mestres do portrait, arte de definir a natureza da
pessoa pela foto da face. Melhor para o Brasil, destino do casal. Rosenbauer,
com três meses no Rio, abriria o estúdio da Araújo Porto Alegre, de onde daria
impulso à fotografia no país com novas técnicas de iluminação que
influenciariam uma geração de profissionais da arte.
Nascido
em Biberach an der Riss, em 1896, Rosenbauer passou três anos da juventude
estudando com o tio, fotógrafo na cidade de Ulm. Aprovado com honra no exame
profissional, logo ganharia o primeiro prêmio, concedido pelo Rei da Baviera.
Mas a carreira sofreria o primeiro revés a seguir. O talento fotográfico
custou-lhe a convocação, aos 18 anos, para servir às tropas alemãs, como
observador aéreo, na Primeira Guerra.
Fernanda
Montenegro, que passou pela companhia Os Artistas Unidos, foi uma das estrelas
do grupo registradas pelas lentes do alemão: "Ele eternizou os nossos
rostos" - Stefan Rosenbauer / Divulgação
A
derrota alemã não o abateu. Retomada a carreira de fotógrafo, Rosenbauer
ganharia, em 1921, o título de Mestre da Arte Fotográfica da Câmara de Comércio
Regional de Würtenberg e Neuburg, o que o permitiria lecionar. Dividia o tempo
com duas paixões, a foto e a esgrima, até casar-se com Leonie Jakob, em 1924. O
casal mudou-se para Frankfurt, principal centro de esgrima do país, onde o
mestre montou o primeiro ateliê e criou um estilo de fotografar pessoas, no
qual recorria ao portrait clássico sem apelar para imagens glamourosas.
Maria
Pompeu, também integrante da companhia Os Artistas Unidos, liderada pela
francesa Henriette Morineau, foi diversas vezes retratada por Rosenbauer -
Stefan Rosenbauer / Divulgação
Os
recursos trazidos da Alemanha — entre US$ 1 mil e US$ 2 mil, presume Thomas —
foram suficientes para a montagem do estúdio no Centro do Rio. A barreira da
língua não impediu Rosenbauer de convencer o Copacabana Palace a fazer uma
exposição. E o evento abriu-lhe as portas da cidade. Logo, apareceram os
primeiros clientes. Um deles, o crítico de teatro Van Jafa, faria ponte
fundamental para a carreira do alemão no Brasil. Jafa foi o responsável pela
apresentação do fotógrafo à companhia Artistas Unidos, comandada pela francesa
Henriette Morineau.
A
ascensão do nazismo acendeu luzes vermelhas no estúdio de Frankfurt. O
prestígio acumulado na fotografia na primeira metade dos anos 1930, somado à
conquista de uma medalha no campeonato de esgrima em Varsóvia, garantindo-lhe a
vaga na delegação olímpica, não diminuiu a angústia. A certeza de que não havia
futuro para a sua arte na Alemanha veio na cerimônia de abertura dos Jogos de
Berlim.
—
Meu pai contava que, de tantos aviões de guerra, os céus da capital foram
praticamente ofuscados. Para ele, se Hitler não tomou o cuidado de escondê-los,
é porque a guerra estava muito próxima. Era hora de fugir — narra Thomas
Rosenbauer, único filho do casal, nascido no Brasil, em 1948.
Embora
a empresa Leica, fabricante de máquinas fotográficas pertencente à família
Leitz, produzisse equipamentos para o Exército, e seu patriarca, Ernest, fosse
do partido do Führer, Thomas garante que os proprietários ajudaram judeus a
fugir do país. Os Rosenbauer estavam entre eles. Desesperado desde a “noite dos
cristais”, nome dado aos atos de violência ocorridos na noite de 9 de novembro
de 1938 em diversos locais da Alemanha e da Áustria, com a destruição de
sinagogas, lojas e casas e agressões contra as pessoas identificadas como
judias, o fotógrafo convenceu Ernest Leitz a ajudá-lo:
—
Em janeiro de 1939, Leitz redigiu um documento informando que o meu pai fora
contratado para treinar vendedores e representantes da futura loja que a Leica
abriria no Brasil. Era tudo falso, mas o governo engoliu. Imediatamente, meus
pais embarcaram no Cap Arcona, transatlântico alemão, com passagem só de ida
para o Rio.
—
Meu pai percebeu que os brasileiros gostavam de se mostrar. Mas ele resistiu ao
estilo glamouroso. Preferia captar a essência. Tinha uma técnica toda especial
de eliminar as sombras. As máquinas eram encaixadas num elevador. Ele tinha um
cuidado de focar nos olhos — destaca Thomas.
Para
a capa do livro, “Teatro no Brasil — Os Artistas Unidos fotografados por Stefan
Rosenbauer”, Thomas e sua mulher, Arne, escolheram uma foto de Henriette, quase
uma musa do fotógrafo. Na imagem, o que se vê basicamente são os olhos da
atriz, cercados de sombras só interrompidas para delinear as mechas mais altas
do cabelo.
A
companhia liderada por Madame Morineau fora fundada, em 1946, pelo bancário
Carlos Brant e pelo médico Hélio Rodrigues, que haviam feito um curso de teatro
com a francesa. Durante 13 anos, até a morte de Brant, que extinguiu o grupo,
os Artistas Unidos encenaram um repertório que misturou peças do teatro de
boulevard, textos brasileiros e obras importantes da dramaturgia universal.
Pela
companhia passaram artistas como Beatriz Segall, Maria Clara Machado e Fernanda
Montenegro, todos captados pelas lentes do estúdio do Castelo. No final dos
espetáculos, sempre no Teatro Copacabana, o público costumava parar no foyer
para admirar os portraits, assinados por Rosenbauer. Para Thomas, esse acervo,
conservado graças ao interesse de Paschoal Carlos Magno, que o recolheu após o
fim da companhia, “é provavelmente o único dessa época e se tornou um documento
histórico do teatro nacional”.
—
No Rio, Rosenbauer foi o fotógrafo mais importante e credenciado entre o fim
dos anos 40 e todos os anos 50. As fotos são de extraordinária qualidade. Ele,
como artista, nunca se fechou “na arte fotográfica”, longe de tudo e de todos
os acontecimentos sociais e artísticos do dia a dia. Tinha seu estúdio, a sua
arte, seus admiradores, seguidores, clientes. Ele eternizou e qualificou os
nossos rostos e os nossos instantes felizes para sempre — recorda-se Fernanda
Montenegro.
por
Chico Otavio
03/05/2016
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