quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

RETRATOS DE STEFAN ROSENBAUER FEITOS NO BRASIL GANHAM EXPOSIÇÃO E LIVRO.

Fotógrafo fez escola com seus jogos de luz e sombra ao registrar nomes como Villa-Lobos.


Vizinho do fotógrafo alemão, Heitor Villa-Lobos era frequentador assíduo de seu estúdio na Rua Araújo Porto Alegre, no Centro do Rio - Stefan Rosenbauer /Divulgação
 
 
Dele, chegou-se a dizer que seria um Rembrandt moderno, pelo trabalho com luz e sombra. Ele era um dos mais prestigiados fotógrafos alemães. Também combateu na Primeira Guerra e ganhou medalha de esgrima nos Jogos Olímpicos de Berlim. Mas o livro que será lançado nesta quinta, junto a uma exposição, 49 anos após a morte de Stefan Rosenbauer, vai homenagear o mestre que fez escola no Brasil e retratou algumas das mais importantes personalidades da cena nacional, entre os anos 1940 e 1950.
Os olhos sempre tiveram importância central nos retratos de Rosenbauer. Através deles, acreditava o alemão, era possível sondar a essência da pessoa fotografada. Assim ele fez com Fernanda Montenegro, Henriette Morineau, Getúlio Vargas, Villa-Lobos e uma lista de artistas, políticos e escritores que posaram para as suas lentes no ateliê da Rua Araújo Porto Alegre, no Centro do Rio.
No início da carreira, porém, os olhos de Rosenbauer estavam voltados para os céus. Naquele agosto de 1936, na cerimônia de abertura dos Jogos em Berlim, ele viu os aviões de guerra cruzarem o estádio, espalhando pelos ares o ronco da fúria nazista. Imediatamente, começou a planejar a fuga. Membro da equipe de esgrima, ele sairia da Olimpíada com uma medalha de bronze, conquistada no florete, e uma certeza: apesar do prestígio obtido no esporte e no estúdio fotográfico em Frankfurt, nada garantiria a segurança de Leonie Jakob, sua mulher, filha de mãe judia.
Três anos depois, graças a um documento forjado, a Alemanha perderia o espadachim e um dos mais talentosos mestres do portrait, arte de definir a natureza da pessoa pela foto da face. Melhor para o Brasil, destino do casal. Rosenbauer, com três meses no Rio, abriria o estúdio da Araújo Porto Alegre, de onde daria impulso à fotografia no país com novas técnicas de iluminação que influenciariam uma geração de profissionais da arte.
Nascido em Biberach an der Riss, em 1896, Rosenbauer passou três anos da juventude estudando com o tio, fotógrafo na cidade de Ulm. Aprovado com honra no exame profissional, logo ganharia o primeiro prêmio, concedido pelo Rei da Baviera. Mas a carreira sofreria o primeiro revés a seguir. O talento fotográfico custou-lhe a convocação, aos 18 anos, para servir às tropas alemãs, como observador aéreo, na Primeira Guerra.
 

Fernanda Montenegro, que passou pela companhia Os Artistas Unidos, foi uma das estrelas do grupo registradas pelas lentes do alemão: "Ele eternizou os nossos rostos" - Stefan Rosenbauer / Divulgação
 
A derrota alemã não o abateu. Retomada a carreira de fotógrafo, Rosenbauer ganharia, em 1921, o título de Mestre da Arte Fotográfica da Câmara de Comércio Regional de Würtenberg e Neuburg, o que o permitiria lecionar. Dividia o tempo com duas paixões, a foto e a esgrima, até casar-se com Leonie Jakob, em 1924. O casal mudou-se para Frankfurt, principal centro de esgrima do país, onde o mestre montou o primeiro ateliê e criou um estilo de fotografar pessoas, no qual recorria ao portrait clássico sem apelar para imagens glamourosas.
 
 
Maria Pompeu, também integrante da companhia Os Artistas Unidos, liderada pela francesa Henriette Morineau, foi diversas vezes retratada por Rosenbauer - Stefan Rosenbauer / Divulgação
Os recursos trazidos da Alemanha — entre US$ 1 mil e US$ 2 mil, presume Thomas — foram suficientes para a montagem do estúdio no Centro do Rio. A barreira da língua não impediu Rosenbauer de convencer o Copacabana Palace a fazer uma exposição. E o evento abriu-lhe as portas da cidade. Logo, apareceram os primeiros clientes. Um deles, o crítico de teatro Van Jafa, faria ponte fundamental para a carreira do alemão no Brasil. Jafa foi o responsável pela apresentação do fotógrafo à companhia Artistas Unidos, comandada pela francesa Henriette Morineau.
A ascensão do nazismo acendeu luzes vermelhas no estúdio de Frankfurt. O prestígio acumulado na fotografia na primeira metade dos anos 1930, somado à conquista de uma medalha no campeonato de esgrima em Varsóvia, garantindo-lhe a vaga na delegação olímpica, não diminuiu a angústia. A certeza de que não havia futuro para a sua arte na Alemanha veio na cerimônia de abertura dos Jogos de Berlim.
— Meu pai contava que, de tantos aviões de guerra, os céus da capital foram praticamente ofuscados. Para ele, se Hitler não tomou o cuidado de escondê-los, é porque a guerra estava muito próxima. Era hora de fugir — narra Thomas Rosenbauer, único filho do casal, nascido no Brasil, em 1948.
Embora a empresa Leica, fabricante de máquinas fotográficas pertencente à família Leitz, produzisse equipamentos para o Exército, e seu patriarca, Ernest, fosse do partido do Führer, Thomas garante que os proprietários ajudaram judeus a fugir do país. Os Rosenbauer estavam entre eles. Desesperado desde a “noite dos cristais”, nome dado aos atos de violência ocorridos na noite de 9 de novembro de 1938 em diversos locais da Alemanha e da Áustria, com a destruição de sinagogas, lojas e casas e agressões contra as pessoas identificadas como judias, o fotógrafo convenceu Ernest Leitz a ajudá-lo:
— Em janeiro de 1939, Leitz redigiu um documento informando que o meu pai fora contratado para treinar vendedores e representantes da futura loja que a Leica abriria no Brasil. Era tudo falso, mas o governo engoliu. Imediatamente, meus pais embarcaram no Cap Arcona, transatlântico alemão, com passagem só de ida para o Rio.
— Meu pai percebeu que os brasileiros gostavam de se mostrar. Mas ele resistiu ao estilo glamouroso. Preferia captar a essência. Tinha uma técnica toda especial de eliminar as sombras. As máquinas eram encaixadas num elevador. Ele tinha um cuidado de focar nos olhos — destaca Thomas.
Para a capa do livro, “Teatro no Brasil — Os Artistas Unidos fotografados por Stefan Rosenbauer”, Thomas e sua mulher, Arne, escolheram uma foto de Henriette, quase uma musa do fotógrafo. Na imagem, o que se vê basicamente são os olhos da atriz, cercados de sombras só interrompidas para delinear as mechas mais altas do cabelo.
A companhia liderada por Madame Morineau fora fundada, em 1946, pelo bancário Carlos Brant e pelo médico Hélio Rodrigues, que haviam feito um curso de teatro com a francesa. Durante 13 anos, até a morte de Brant, que extinguiu o grupo, os Artistas Unidos encenaram um repertório que misturou peças do teatro de boulevard, textos brasileiros e obras importantes da dramaturgia universal.
Pela companhia passaram artistas como Beatriz Segall, Maria Clara Machado e Fernanda Montenegro, todos captados pelas lentes do estúdio do Castelo. No final dos espetáculos, sempre no Teatro Copacabana, o público costumava parar no foyer para admirar os portraits, assinados por Rosenbauer. Para Thomas, esse acervo, conservado graças ao interesse de Paschoal Carlos Magno, que o recolheu após o fim da companhia, “é provavelmente o único dessa época e se tornou um documento histórico do teatro nacional”.
— No Rio, Rosenbauer foi o fotógrafo mais importante e credenciado entre o fim dos anos 40 e todos os anos 50. As fotos são de extraordinária qualidade. Ele, como artista, nunca se fechou “na arte fotográfica”, longe de tudo e de todos os acontecimentos sociais e artísticos do dia a dia. Tinha seu estúdio, a sua arte, seus admiradores, seguidores, clientes. Ele eternizou e qualificou os nossos rostos e os nossos instantes felizes para sempre — recorda-se Fernanda Montenegro.
 
por Chico Otavio
03/05/2016

 

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