domingo, 17 de janeiro de 2016

UM FILME DO CONTO OLHOS VENDADOS DO ESCRITOR E GERONTÓLOGO NORBERTO SERÓDIO BOECHAT. CONFIRA.

 
 
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Imagem Cabra-cega, 1756, do artista plástico
Jean-Honoré Fragonard (França, 1732-1806),
pintura óleo sobre tela,  116 x 91 cm,
no Museu de Arte de Toledo, Ohio-EUA.

 
OLHOS VENDADOS
 
                                              
Norberto Seródio Boechat  


 

Uma vez mais, ela estava em frente ao Museu Cluny.  Inalterado. Incólume. Ignorava o tempo após mais de 40 anos quando, sozinha, saindo da Sorbonne, o visitara. Encantara-se então com a sala redonda, de mármore tão branco e polido. As paredes circulares e, nelas, as seis tapeçarias da Dama e o Unicórnio levaram-na ao êxtase.  De calça Lee e blusa de malha juvenil, ela deitara-se no chão, para contemplar. Turistas à volta. Horas ali até que o guarda gentilmente a convidou a levantar-se. Retornando ao Brasil, contara a cena à família e aos alunos.

Desta vez, voltara. Não só. Dois netos, transcendidos em amor, acompanhavam-na. Já à porta do museu, vendaram-lhe os olhos. Penetrara no corredor da ala procurada, sempre por eles conduzida. Píncaro da surpresa que prepararam.

A Dama e o Unicórnio - Museu Cluny - Paris - França.
 
Na súbita escuridão, igual a um mergulho, abriu-se um desfile. De si mesma. Incontido turbilhão de lembranças quase a afogou no carrossel da existência. Em pé, ali, deixou de existir, de se guiar, de comandar. Os fenômenos se faziam sem que pudesse contê-los.
Tantos anos se  passaram... Inúmeros... Abusados, inexoráveis. Arrancaram pedaços da vida. Semelhantes a parágrafos marcados pela tinta que, ao secar, deixaram para trás estradas poeirentas, cascos batendo nos paralelepípedos e brisa bafejando varandas de casarões.  Tais pensamentos vieram-lhe à mente  na velha edificação que há muito visitara.
 
Vendada, foi conduzida a passos lentos por braços delicados. Dos dois lados. A pressão das mãos jovens lancinava seu corpo com indescritível emoção. Quase flutuou no trajeto que lhe pareceu tão amorosamente longo. E a vida continuou revolvendo. Visões e sons vieram nítidos, jorros límpidos, trazendo todos os cursos de emoções. Era bem  mais jovem.
 
A Dama e o Unicórnio - Museu Cluny - Paris - França.
 
Agora, oitenta anos fizera em Paris. Naquele instante, no sangue correu forte a vibração do aplauso, o som do reconhecimento após palestras e conferências,  tantas dadas sobre a Antiguidade Clássica e Idade Média, temas da sua predileção existentes naquele museu.  A sala de aula era uma continuação. Frescor e afago de alunos admirados, ouvindo histórias da Dama e o Unicórnio das tapeçarias do museu Cluny, quando sua era então Paris.  Sua era a liberdade.  Sem amarras. Cantava árias em esquinas iguais.
 
A Dama e o Unicórnio - Museu Cluny - Paris - França.
 
Dentro do Cluny, com os olhos sempre vendados,  outras cenas na dança surrealista do passado se misturaram na mente: 
“Sentei-me. Meus pés se acomodaram. No banco ao meu lado, companheiros de temporária nau... O barco subiu o Sena. Água chumbo se misturava com prédios cinzentos. Paris era cinzenta, mas um cinza marca de história e civilização, de velhice bela.

Pequenos solavancos do motor, de repente, me acordaram para outra vida: alguém me esperava? Ansiavam-me? Deixei um vácuo para trás? Pronto, de novo essa sensação na alma igual a um pacotinho de inexplicável sentimento de culpa, inexplicável mesmo. O destino quer me punir nesta hora mágica? Quer me cobrar pela felicidade...”

“Fiquei pensando naquele barco lento. Desejei que não chegasse a qualquer lugar, Quis seguir nas veias da cidade. Pronto, tudo passou, sem culpa: Paris é um anestésico.”
 
Sala atual onde estão expostas as tapeçarias,
a Dama e o Unicórnio - Museu Cluny - Paris - França.
 

Implacável, cercado de séculos, o Sena a inebriava. Esqueceu outras dimensões.
Pôs-se a caminhar sobre o tapete de folhas pardas nos Champs Élysées. Veio-lhe à memória a imagem da menininha andando com  passos incertos na grande cama dos pais. E outras cenas de Paris, na dança da emoção:

 
“A Notre Dame não resplandecia, mas em seu fusco magnífico santificava-me. Suas ogivas e rosáceas eram rendas. Senti-me existindo, real, materializada no templo. Sentei-me. Os vitrais me inundaram.  Levantei-me e caminhei até ao altar principal.

Dali, analisei a nave central, complementada pelas laterais, tal qual meus netos, segurando-me como duas colunas. Inebrio-me nesse instante em sendo nave principal. Súbito percebo o quanto devo exalar em responsabilidade em relação a eles. Sou a fada, também o fatum, do destino”
 
A Dama e o Unicórnio - Museu Cluny - Paris - França.
 
"Parece que estou chegando. Caminhei lenta. Os garotos vibravam. Sons de muita gente no interior. O que sentirei?  Que sensação terei ao me tirarem a venda? Lembrei-me de quando voltara a uma casa de minha infância que parecia enorme, mas se mostrou pequena ao meu olhar adulto. O crescer a diminuíra."
 
Assim, por momentos, angustiou-se ao entrar no esperado salão. Viu-se, por instantes, nitidamente dividida: de um lado, a comunhão com Paris, com a história e arte e tudo mais que alimentava sua alma. Do outro, a realidade à qual teria que voltar, os mundos das concessões, a divisão do ego, às vezes, no silêncio. Mas voltou ao prédio secular.  Paris era um vício, um ópio.
 
Catedral de Notre Dame - Paris - França.
 
Abriram-se as vendas. O museu mantinha-se grande. No entanto, tal qual o retorno à casa infantil, a casa, antiga terma romana, não parecia tão soberba, apesar de a mesma. Contudo, não mais havia o grande salão circular. Tampouco o branco mármore tão polido, no qual ela se deitara.
 
A Dama e o Unicórnio - Museu Cluny - Paris - França.
 

Nas paredes, modificaram-se as tapeçarias. Tudo em linhas retas. Sem o frescor dos belos tons de outrora. Após subir e descer tantas escadas, atravessar corredores, apenas uma sala quadrada meio comum, sem  charme. Onde o salão redondo, seu mítico mandala?  Mudara mesmo o ambiente ou mudara ela, como no poema de Natal machadiano?

Turistas em torno a olhavam. Competia com as obras de arte, pois chamava a atenção dos que a viam, deitada e fotografada no banco central do salão. Os netos em  excitado reboliço, delicadamente ali  a puseram para que absorvesse as várias telas por inteiro, desde o chão ao teto. Ah! As várias poses da La Dame à La Licorne. Mais où sont les neiges d'antan? – ela pensou, lembrando François  Villon.
 
A Dama e o Unicórnio - Museu Cluny - Paris - França.

Mas a seu lado, a continuidade da vida, seu sangue reproduzido e perpetuado. Brilho de amor  nos olhos dos meninos que vibravam curiosos com suas reações. Risos, flashes, glória de estar ali viva, respirando, acarinhada e conduzida pelos dois.

Magnífico voo desde uma ilha em erosão no Rio Paraíba, lá na sua Barra de menina,  passando por certo bar, o Bar Lili  até  o carinho dos netos num museu da febricitante  Paris de agora.

Avenida Champs Élysées - Paris - França.
Torre Eiffel - Paris - França.
Museu do Louvre - Paris - França.
 
Catedral de Notre Dame e o Rio Sena - Paris - França.

 

 
TEXTO: OLHOS VENDADOS
AUTOR: Norberto Serôdio Boechat
 
 
Norberto Seródio Boechat além de escritor e homenageado, é também médico geriatra e gerontólogo.  Com vários livros editados, todos seus escritos têm conteúdos de emocionantes lições de vida, memórias autobiográficas. São várias experiências profissionais vivenciadas em mais de 30 anos no exercício da clínica.

Seus textos também transfiguram histórias reais.  Intelectual renomado em nossa cidade, todos seus livros têm visões claras e compreensivas.

Para conhecer melhor seu trabalho literário, adquira as obras do renomado escritor nas melhores livrarias da cidade.  Veja a relação abaixo de alguns de seus livros:

Me dê a mão (crônicas sobre envelhecimento, idosos e asilos);
Memórias Natalinas(O espírito do Natal em oitos contos);
Estradas (romance);
Lembranças de Escritas (contos) (Editora Parthenon).



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Sobre o conjunto da tapeçaria:
A Dama e o Unicórnio
Museu Cluny - Paris - França.
 
Sala antiga onde eram expostas as tapeçarias,
a Dama e o Unicórnio - Museu Cluny - Paris - França.
 
 
La Dame à La Licorne – A obra “famosa”, aquela que a maioria dos visitantes quer ver: o conjunto de tapeçarias (A Dama e o Unicórnio). Fica no primeiro andar do Museu de Cluny em Paris - França.

Museu de Cluny - Paris - França.
 
Considerada uma das maiores obras de arte do período medieval tecida em lã e seda, são seis tapeçarias fixadas na parede de uma das salas do Museu que fica próximo da antiga Universidade de Sorbonne. Representam os cinco sentidos que são tato, paladar, olfato, audição e a visão. A sexta tapeçaria, em que se pode ler as palavras "Meu único desejo" (iniciais emolduradas A e I) em uma tenda azul, é mais difícil de interpretar.

Cada um dos seis tapetes mostra uma senhora nobre e um unicórnio, e alguns incluem um macaco ou um leão na cena. As flâmulas, bem como os brasões de armas do Unicórnio e do Leão nos tapetes carregam as armas do nobre que os patrocinou, Jean Le Viste, poderoso na corte de Carlos VII de França. São feitos no estilo mille-fleurs.
 
Fabricadas na região de Flandres (que compreendia na época: norte da França, Bélgica e parte da Holanda). Inspirado por uma lenda alemã, as tapeçarias chamadas de  "The Lady and the Unicorn" (A Dama e o Unicórnio) foram tecidas entre os períodos 1484 e 1500 e foram descobertas no Château de Boussac, em 1841, por Prosper Mérimée – escritor que, na época, era inspetor dos monumentos históricos.

Elas foram compradas pelo museu em 1882.  Não sabemos quem fez os desenhos nem quem fabricou as tapeçarias. Porém, o brasão da família Le Viste nos deixa saber quem as encomendou. A decoração luxuosa, a presença de vários animais, entre eles um papagaio, e a vestimenta dos personagens fazem destas tapeçarias uma obra excepcional.

 
 
 
 
COMENTÁRIOS
 
 
Caro Alberto,

O homem é um ser em sua magnitude pluri. No entanto, há algo no divisionismo individual, acredito, único.

Está ligado à grandeza, à percepção, à transcendência. Esse algo e você coroam-se. Na beleza sublime, na glória dos predestinados.
 
Muito obrigado.
Norberto
 
 

Norberto Seródio Boechat
Escritor e gerontólogo.
 
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Prezado Alberto :
 
Parabéns pela brilhante  ideia de organizar o Focus Portal de Cultura que há cinco anos vem projetando Niterói como um efervescente e múltiplo celeiro cultural.
Tal registro vem exercendo a função de divulgar  eventos assim como a de documentá-los para a História da Cultura Brasileira.
A inclusão de personagens tais como a criança  o Gabriel Gava, o jovem Pedro Henrique, os conceituados médicos  a Dra. Odilza Vital e o Dr. Norberto Seródio Boechat e o consagrado Machado de Assis religa seu Portal a todas as faixas etárias, incentivando-as a produzir  cultura e a colocá-la como parte da sua existência.
De maneira criativa, inteligente, variada você apresenta  as várias linguagens da Arte, prendendo o interesse do leitor na leitura de todo o conteúdo  apresentado.
Parabéns e continue "portalando".
Fraterno abraço de
Olívia Barradas.
 
 
 
 
 
 

 
Olívia Barradas é
escritora e Artista Plástica
Lecionou Teoria literária, Literatura comparada e Semiórtica na UFRJ e Literatura Brasileira na Sorbonne, Paris.
 
 
 
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Alberto,
Muito bonito o conto e  emocionante a montagem!
Me deu vontade de rever La dame à la Licorne!
Abraços,
Eliana















Eliana Bueno-Ribeiro - Pós doutorado em Literatura Comparada, editora de Passages de Paris, Revista da Associação dos Pesquisadores e Estudantes Brasileiros em Paris (APEBFR).
 


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     Esta não é a primeira vez que leio Norberto Seródio Boechat, porque  ora remonto a seus primorosos livros de contos-crônicas Memórias natalinas e Lembranças de escritas. Já viajei pelos caminhos encantados de sua sensível crônica “A eterna ausente”, constante da Focus Portal Cultural, de Alberto Araújo, espírito incansável e seu idealizador, que ora acaba de  focar a crônica-conto-filme Olhos vendados. É uma pequena obra-prima baseada no que Norberto viu,  franqueando e vedando os olhos da imaginação e da realidade entre Paris-Rio de Janeiro-Niterói e curvando-se em reflexões sobre o Museu Cluny e a Idade Média.  

     O mais curioso é que quando isso acontece há sempre renovada emoção e reiterado prazer na leitura porque: Norberto toca com sutileza os sentimentos de cada um de nós, sem ser piegas; deixa a simplicidade e a concisão fluírem com naturalidade sem permitir quaisquer excessos na adjetivação, nos espaços e nos pensamentos. Em suma, porque ele resume, ou melhor, encarna,  tranquilamente,  o aforismo criado pelo excelente poeta e polígrafo pernambucano Mauro Mota: “O difícil é escrever fácil”.

Helena Ferreira
                                                                              










Professora de Língua e Literatura da UFRJ. Poetisa, ensaísta e tradutora com trabalhos em várias partes do mundo. Seu próximo livro Poemas antes do sono, a lançar-se em abril... Membro do PEN Clube do Brasil.










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