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O livro "A CAMISA DO MARIDO" da escritora Nélida Piñon, será lançado dia 06 de novembro de 2014 (quinta-feira), às 19 horas, na Livraria da Travessa - Shopping Leblon, na Avenida Afrânio de Melo Franco, 290 - 2º Piso Leblon - Rio de Janeiro - RJ - Brasil.
Informações (21) 3138-9600
Leia abaixo a entrevista de Nélida Piñon, ela fala trechos do seu mais novo livro.
O escritor Luis Eduardo Matta, bate um papo com Nélida Piñon, uma das principais autoras do país e que em novembro lança o livro de contos "A camisa do marido".
Uma das mais
importantes vozes da literatura brasileira contemporânea, Nélida Piñon tem
muito o que contar. Na sua obra, os afetos, a imaginação e as memórias se
entrecruzam num mosaico narrativo singular, de envergadura mítica, épica. Ler
seus livros é embarcar em travessias embaladas por uma prosa elaborada e de
ritmo quase musical em que as palavras soam como instrumentos perfeitamente
harmonizados de uma orquestra a um só tempo múltipla e intimista que, não raro,
dá à sequência de páginas um caráter de sinfonia.
Reverenciada dentro e fora do
Brasil, tendo recebido diversos prêmios importantes, como o Juan Rulfo, em
1995, e o prestigioso Príncipe de Astúrias, em 2005, Nélida estreou na
literatura em 1961 com Guia mapa de Gabriel Arcanjo e, desde então, publicou
duas dezenas de livros, entre romances, memórias, coletâneas de contos, de
ensaios e de crônicas, além do infanto juvenil A roda do vento. Após lançar seus
Melhores contos, pela editora Global, seu novo livro está a caminho.
Trata-se
de A camisa do marido, uma reunião de contos inéditos em que a escritora e
imortal da Academia Brasileira de Letras se debruça sobre a complexidade das
relações e dos sentimentos em torno do complexo núcleo familiar. O livro será
lançado em 6 de novembro, durante uma sessão de autógrafos numa livraria do Rio
de Janeiro. A seguir, os principais momentos da conversa, feita no apartamento
da escritora.
ENTREVISTA:
Luiz Eduardo Matta
Nélida Piñon
Seu próximo
lançamento é o livro de contos "A camisa do marido". Você já fez belíssimas
incursões pelo formato, como em O calor das coisas, Tempo das frutas e aquele
que, pessoalmente, me marcou mais, Sala de armas, em especial o conto
“Colheita”, para mim uma pequena obra-prima, em que você tece uma metáfora da
condição da mulher e da relação do mundo com a voz feminina. O que podemos
esperar de A camisa do marido?
Estou quase
dizendo que esperem (risos). Meu editor, Carlos Andreazza, está fascinado com a
violência dos sentimentos, com a violência das relações humanas no livro. E
quem acabou de fazer uma apresentação pequena, mas brilhante, foi a Lya Luft. O
livro seria maior, mas cortei alguns contos de propósito. Eu quis me fixar no
núcleo familiar.
A família, afinal, é a sociedade. Eu falo do fracasso e dos
desacordos das relações, do depauperamento das realidades e, ao mesmo tempo, da
coragem de revelar sentimentos árduos, duros, primitivos... Há uma tonalidade
primitiva em muitos contos. Acho muito importante ser capaz de conjugar esse
lado primitivo dos sentimentos, que, de verdade, pautam as sociedades
cosmopolitas, que pensam que estão ausentes disto e não estão. Ninguém está
protegido. Nenhum véu, nenhum enigma nos protege da nossa própria brutalidade
afetiva.
Nélida, nos
conhecemos há anos e sempre tive curiosidade em lhe fazer uma pergunta: em que
momento exatamente surgiu o seu primeiro impulso de escrever?
Eu acho que
surgiu quando comecei a ler. Porque o livro tem uma dinâmica tão extraordinária
quando você, sobretudo, é pequena, que te alça a uma categoria de exceção.
Então eu me sentia uma pequena heroína, alguém capaz de singrar os mares. Eu me
imaginava o Sinbad, eu sempre me imaginei uma aventureira, porque eu queria
desfrutar das sensações que os aventureiros narravam nos livros. Tendo em
vista, então, essa situação de prazer que a leitura me propiciava e, sobretudo,
me animando a ser uma outra pessoa, a aderir ao corpo do outro e ser uma
aventureira, decidi que também deveria escrever para sentir as emoções do
autor. Porque eu supunha que o autor tinha vivido tudo o que ele contava. Tudo
começou aí: a minha ânsia em relação à literatura e o meu enamoramento pela
narrativa.
Uma história
muito interessante é a que cerca a publicação do seu primeiro livro, Guia mapa
de Gabriel Arcanjo. Conte um pouco a respeito.
Pela minha
formação intelectual e familiar, eu oscilava muito entre leituras libertárias e
até libertinas, por assim dizer, porque eu tinha acesso a qualquer tipo de
literatura. E, ao mesmo tempo, tinha uma boa formação teológica para a minha
idade, por ter estudado em colégio alemão de freiras beneditinas e também por
vir de uma família de cunho religioso. Eu era muito atraída pelo pecado no que
ele buscava tangenciar a realidade. Sentia que o pecado não era o pecado que
merecesse a condenação. Era o pecado que você o praticando se transformava em
uma via de liberdade. Então, eu criei uma personagem feminina atrevida — eu já
era uma feminista sem saber —, a Mariela. Ela se dá conta de que o pecado é um
transtorno para a liberdade do ser humano. Há um grande debate teológico e
poético entre essa voz feminina e um anjo, que de certo modo, é engolfado pela
voltagem poética e pelos debates teológicos da moça. Acho que nesse livro
exercito uma liberdade poética sem limites, porque eu estava à margem de todo o
sistema literário, não convivia com escritores. Então, fiz esse meu livro sem
pensar nas consequências. A estética não pautava as minhas decisões estéticas.
A estética estava onde devia estar no texto e na minha paixão de averiguar o
que era compor uma história, o que era imprimir a essa linguagem uma suposta
originalidade que o próprio texto exigia. A estética era uma exigência do texto
e não uma exigência da escritora.
De que forma o
fato de você ter nascido no Brasil, vinda de uma família que emigrara da
Galícia, afetou a sua produção literária?
Foi
extraordinário, porque eu convivia com duas realidades. As pessoas,
normalmente, convivem com os limites da sua casa. É difícil transbordar, passar
para outros estágios dentro da sua própria casa. Então, eu convivia com comidas
brasileiras e, ao mesmo tempo, comia polvo que chegava da Europa. Desde pequena
escutava falarem da Galícia como uma terra que fatalmente eu iria conhecer;
havia territórios fora do Brasil que eu teria obrigação de conhecer. Portanto,
arrastava na minha sensibilidade, na minha imaginação e no meu imaginário, não
só a Galícia, mas a Espanha, a Europa, e isso me levou muito cedo a entender os
gregos, que são a minha paixão, os romanos, os hebreus, eu cruzava sempre todos
os séculos e adorava saber como estavam os gregos no Século VIII a.C., como era
o Oriente Médio neste mesmo período... Isso fez com que eu não aceitasse mais
limites, me deu uma liberdade extraordinária. Um dos méritos do escritor,
afinal, é reivindicar a liberdade no texto e no pensamento. E me deu também o
sentimento de línguas porque vi como eu era antiga. Essa foi uma das maiores
conquistas de ser filha da imigração. Daí um raciocínio que faço muito: para
você ser moderna, você tem que ser arcaica, você tem que ter frequentado as
Argólidas gregas, por exemplo, você deve ter convivido com Agamenon. Por isso
que Homero é uma pessoa que eu amo.
(...)
Como você
enxerga a leitura no Brasil de hoje? Acredita que os brasileiros estão lendo
mais, como se tem afirmado?
Não vejo isso.
Talvez eu esteja equivocada, espero estar. O que vejo é um empobrecimento
intelectual no cotidiano, na compreensão dos fenômenos humanos, na dificuldade
de se exprimir. Há uma carência léxica muito grande. Mas sinto também, por
outro lado, que há uma curiosidade intensa. E que talvez nós estejamos numa
fase de formação que deveríamos ter tido muito antes. O Estado brasileiro foi
irresponsável e de certo modo, nos manteve nessa apatia intelectual. A educação
no Brasil é de extraordinária precariedade, portanto eu fico impressionada
quando dizem que aumentou o índice de leitura. Talvez tenha aumentado o índice
de curiosidade e as pessoas, devagar, estejam tentando ler aquilo que no início
elas não entendiam. Porque a leitura tem um drama. Ela é tão extraordinária,
ler é tão revolucionário, que modifica a sua cabeça, afeta o seu coração,
alarga os seus sentidos, o seu sexo... Seu sexo enriquece muito mais com o
erotismo da leitura. Talvez estejamos vivendo essa experiência única, estejamos
nos dando conta do que é que nos faltava: era a leitura.
Qual a sua
avaliação sobre o ensino de literatura nas escolas brasileiras? Um ponto
polêmico: Machado de Assis, nosso grande mestre das letras, costuma ser mal
recebido por alunos nas carteiras escolares, que encontram dificuldades em
mergulhar em sua obra. Como estudiosa e amante da literatura, o que você proporia
para que as nossas escolas efetivamente formassem leitores com genuíno gosto
pelos livros? Machado, com bons mediadores de leitura, seria uma alternativa?
Não. Eu não
sou favorável a que antecipem os feitos e os fatos. Machado é o grande gênio
brasileiro e tenho paixão por ele, mas ele exige uma sensibilidade intelectual
muito apurada. Nós não podemos arriscar em estabelecer incompatibilidades entre
os jovens leitores e Machado, senão eles vão odiá-lo pelo resto da vida, como
nós, quando jovens, odiávamos análise sintática. Acho que tudo tem sua hora.
Machado merece ser amado e não que se ponha sobre ele um estigma de autor
impossível.
Um trecho de
seu mais recente livro, Livro das horas, me impactou sobremaneira. Dele,
destaco a sequência: “Habituei-me a sofrer dos demais uma avaliação estética
que redunda em perdas, em desmoralização pessoal(...) Querem à força afugentar
o leitor que se aventure a me ler”. Como é a sua relação com a crítica
literária? Você enfrentou ou ainda enfrenta preconceitos na sua carreira?
Enfrentei
muitos. Mas quero que saibam que digo isso sem ressentimento, sem mágoa. Foi a
primeira vez (em Livro das horas) que mencionei isso em todas essas décadas.
Vocês hão de convir que fui muito discreta e muito reservada. Mas achei que era
o momento de dizer, até para ajudar os jovens, mostrar como é necessário dar
combate àqueles que tentam silenciar você. Porque o que sofri foi uma espécie
de condenação ao silêncio, ao mutismo, para eu não continuar a escrever. Em
compensação, tive estímulo de outras pessoas, que foram maravilhosas comigo.
Talvez eu gere um certo incômodo por ser mulher. Não querem aceitar uma mulher
que seja capaz de fazer uma obra séria, de labor intelectual sério e que tenha
competência literária. Ainda hoje é difícil para as mulheres serem
reconhecidas. Condenar uma obra ao hermetismo é a melhor forma de calar você
para sempre se você for fraca.
Você é uma
escritora bastante celebrada no exterior, com obras traduzidas para vários
idiomas, além dos muitos prêmios que recebeu, como o Juan Rulfo e o importante
Príncipe de Astúrias. A literatura brasileira ainda sofre para ser mais
conhecida além das nossas fronteiras?
Sem dúvida.
Nós temos, de vez em quando, pequenas euforias, autores nossos que pensam que
estamos conquistando algo, mas o fato é que ainda somos periféricos. Quem
conhece bem o mundo europeu, o mundo americano, conhece bem os grandes
tabloides, os grandes suplementos literários, vê que nós quase não aparecemos.
Não deixamos ainda uma marca profunda, extensa, transformadora no mundo.
A que você
atribui isso?
Primeiro, à
língua portuguesa, que é muito menos estudada e conhecida do que o espanhol,
por exemplo. O espanhol é uma língua que transita pelo mundo inteiro. Já há
muito o grande gramático Nebrija dizia que os espanhóis eram conquistadores
também na língua. Além disso, houve sempre um trânsito muito intenso entre o
mundo hispânico nas Américas e Madri. Madri tinha grande prestígio intelectual,
de modo que os escritores jovens tomavam o rumo da Europa. Em Madri eles
encontravam língua espanhola esperando por eles encarnada numa figura histórica
e eram acolhidos. Tanto que você vê que o movimento modernista de língua
espanhola nas Américas ocorreu muito mais cedo do que o brasileiro.
Livros de Nélida Piñon
Lançado em
2012, "Livro das horas" mistura memória,
autobiografia e ensaio. Nélida revive memórias afetivas que emergem a partir de
um vertiginoso turbilhão de lembranças e emoções. E a cada página lida fica
claro ao leitor que independente de sua
vivência ou da riqueza de suas lembranças, sua história de amor sempre foi uma
só: com a palavra.
Um dos livros
mais conhecidos de Nélida Piñon, "A república dos sonhos" foi lançado em 1984. No
romance, a autora busca em suas raízes galegas inspiração para criar uma saga
sobre os imigrantes que aportaram no Brasil na virada do século. A vida de
Madruga, camponês que deixa a Galícia para embarcar num navio para o Rio de
Janeiro, descreve uma trajetória de êxitos e fracassos que frequentemente põem
à prova os ideais do personagem.
Mais conhecida
por seus romances, Nélida também fez incursões bem sucedidas ao conto e à
crônica. "Em Até amanhã, outra vez" (1999), a escritora reúne crônicas publicadas
na grande imprensa. Os textos trazem reflexões e confidências de Nélida, que,
partindo de detalhes absolutamente banais, conduz o leitor por caminhos
inesperados. Os temas são os mais diversos: Bill Clinton, clones do futuro,
B.B. King, o mito Kennedy, Joãosinho Trinta, prazeres da mesa e cidades
européias, entre outros.
"Sala de armas" (1973) reúne 16 contos de Nélida Piñon numa narrativa que mescla a realidade e
o sonho. Nessa atmosfera onírica, os contos flertam com o realismo fantástico,
levando o leitor a passar por diversos aspectos da vida humana, de maneira ao
mesmo tempo grotesca e refinada.
"Vozes do
deserto" (2004) mostra o papel que uma mulher transgressora pode desempenhar em
uma sociedade patriarcal. Através de uma narrativa envolvente, Nélida acompanha
a história de Scherezede, a jovem mais brilhante da corte, que, para salvar as
jovens do reino das garras do poderoso Califa, decide casar-se com ele. Filha
do Vizir, que devia servidão ao poderoso monarca, ela não acredita que o poder
do Califa possa determinar o fim de sua imaginação.
Um pouco sobre Nélida Piñon.
Um pouco sobre Nélida Piñon.
Nélida Piñon,
jornalista, romancista, contista, professora, é carioca de Vila Isabel, Rio de
Janeiro, RJ. Nasceu em 3 de maio de 1937. Eleita em 27 de julho de 1989 para a
Cadeira n. 30, na sucessão de Aurélio Buarque de Holanda, foi recebida em 3 de
maio de 1990, pelo acadêmico Lêdo Ivo.
Foi a primeira
mulher, nos mais de 100 anos de existência da ABL, a integrar a Diretoria e
ocupar a presidência da Casa de Machado de Assis, no ano do seu I Centenário.
Sua produção
literária está traduzida para países como Alemanha, Itália, Espanha, União
Soviética, Estados Unidos, Cuba e Nicarágua. Contos seus encontram-se
publicados em centenas de revistas e fazem parte de antologias brasileiras e
estrangeiras.
Recebeu vários
prêmios literários: Prêmio Walmap, pelo romance Fundador (1970); Prêmio Mário
de Andrade, pelo romance A casa da paixão (1973); Prêmio da Associação Paulista
de Críticos de Arte e Prêmio Ficção Pen Clube pelo romance A República dos
sonhos (1985); Prêmio José Geraldo Vieira, da União Brasileira de Escritores de
São Paulo, pelo romance A doce canção de Caetana (1987); Prêmio Golfinho de
Ouro, pelo Conjunto de Obras, conferido pelo Governo do Estado do Rio de
Janeiro (1990); Prêmio Bienal Nestlé, pelo Conjunto de Obras (1991); Prêmio
Internacional de Literatura Juan Rulfo, o mais importante da América Latina e
do Caribe, concedido pela primeira vez a uma mulher e a um autor de língua
portuguesa (1995); Prêmio Menéndez Pelayo, concedido pela universidade
espanhola de mesmo nome, em 2003.
A escritora foi
agraciada com o Prêmio Príncipe de Astúrias das Letras de 2005, concedido pela
fundação de mesmo nome, da Espanha.
Obras:
Guia-mapa de
Gabriel Arcanjo, romance (1961)
Madeira feita
de cruz, romance (1963)
Tempo das
frutas, contos (1966)
Fundador,
romance (1969)
A casa da
paixão, romance (1977)
Sala de armas,
contos (1973)
Tebas do meu
coração, romance (1974)
A força do
destino, romance (1977)
O calor das
coisas, contos (1980)
A república
dos sonhos, romance (1984)
A doce canção
de Caetana, romance (1987)
O pão de cada
dia: fragmentos, contos (1994)
A roda do
vento, romance infanto-juvenil (1996)
Até amanhã,
outra vez, romance (1999)
Cortejo do
Divino e outros contos escolhidos, contos (2001)
O presumível
coração da América, discursos (2002)
Vozes do
deserto, romance (2004)
Coração
andarilho (2009)
O ritual da
arte, ensaio sobre a criação literária (inédito).
*****************
Entrevista com Nélida Piñon sobre "O Livro das horas"
https://www.youtube.com/watch?v=vbh8S3SYhC0
FONTE:
http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=751
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