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Doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Professora da Faculdade de Educação da UFF. Atual presidente da Academia Niteroiense de Letras (ANL). Acadêmica titular da Academia Fluminense de Letras (AFL) e do Cenáculo Fluminense de História e Letras (CFHL).
Autora dos livros Borboletrando e Fatias do viver , ambos de poesia Organizadora e apresentadora de Casimiro de Abreu – o poeta das Primaveras .
Participação nas seguintes publicações: Revista Brasileira do Caribe, 2006 (com “Interfaces da cotidianidade no romance Léonora, l`histoire enfouie de la Guadeloupe Interfaces da cotidianidade no romance Léonora, l`histoire enfouie de la Guadeloupe”. In:PORTO, Bernadette Velloso (org.); Cadernos Penesb 7, 2006 (com “A Literatura Brasileira e o papel do autor/ personagem negros) . In: OLIVEIRA & SISS (org.); Conceitos de Literatura e Cultura, 2005 (com “Negritude, negrismo e literaturas de afrodescendentes). In: FIGUEIREDO, Eurídice (org.); Relações Raciais e Educa ção, 2003 (com “O negro na confluência da educação e da literatura”). In: OLIVEIRA (org.) e Estudos de Literatura Infanto Juvenil, 1983 (com “O desejo das profundezas marinhas”). In: BOTELHO.
O antropofagismo de Oswald de Andrade e a busca da identidade brasileira
O presente recorte ensaístico é fruto do trabalho de pesquisa (*) “Construções identitárias na América e no Caribe e suas interfaces com as vanguardas europeias”. Da leitura dos manifestos, dos ensaios e das principais obras que alicerçaram a estética modernista na literatura, na pintura e nas artes em geral, dando visibilidade às diversas manifestações do Modernismo nos referidos espaços, surgiu a oportunidade de rever o papel de escritores brasileiros, no período em pauta e destacar a atuação de Oswald de Andrade.
É evidente que outros autores poderiam ser incluídos no efervescente processo de criação de uma nova arte brasileira, no início do século XX, que ao mesmo tempo “ que bebe” das fontes europeias, tendo como palco dos acontecimentos a cidade de Paris, busca se autoafirmar, redescobrindo valores e mostrando outras faces com suas cores locais.
É consabido que a literatura fabricada nas Américas passa pelo crivo das relações interétnicas e culturais, debatendo-se entre o apelo às identificações culturais do outro, do colonizador, e o apelo atávico e telúrico, que redimensionam seu novo perfil histórico.
Daí a distinção dada ao autor do Manifesto da poesia pau-brasil e Manifesto antropofágico em nosso breve ensaio, pois observa-se que em Oswald não há a simples exaltação do novo pelo novo sem uma opção crítica. Ao absorver os postulados estéticos das vanguardas europeias na sua prática poética discursiva, ele também recusou ideologicamente o que não nos convinha absorver : “Deglutir e digerir. Absorver e criticar. Modernizar” (Cf. Manifestos Futuristas). Cumpre assinalar que o nacional e o cosmopolita perpassam todas as vanguardas, sendo um eixo de convergência e um elemento diferenciador.
Em Um homem sem profissão, Oswald de Andrade declara: “uma aragem de Modernismo vinda através da divulgação na Europa do Manifesto Futurista de Marinetti, chegara até mim”.(op. cit, p.85). E, segundo Mário da Silva Brito, Oswald de Andrade foi, oficialmente, o primeiro importador do futurismo no Brasil, quando regressou da Europa em 1912, após tomar conhecimento, em Paris, das inovações do Manifesto Futurista de Marinetti. Os ecos deste Manifesto e de outras manifestações de vanguarda encontraram ressonâncias nas ideias já revolucionárias de Oswald de Andrade.
Os processos de exclusão ou de subtração dos modelos europeus na formação de uma identidade, em solo americano, conviveram com o desejo dionisíaco dos cidadãos do Novo Mundo de incorporar os elementos possíveis da tradição europeia, adaptando-as à realidade local (BERND, Zilá, 1992). Assim, a tendência incorporativa da cultura brasileira, desde a época do regime colonialista valeu-se do jogo de apropriações e, principalmente, a partir do movimento modernista intensificou de forma crítico-reflexiva as transmutações de diversos aportes culturais.
No enfoque oswaldiano, o movimento da Antropofagia é marcado por uma tomada de posição que “situa o tempo presente e enfatiza noções de absorção, unificação, revolução, transformação permanente, carnavalização, transfiguração e experiência renovada” (ORLANDI,1993,p.48). O antropofagismo permite, assim, a instalação do discurso progressista aliado à noção de dinamismo.
Em uma retrospectiva histórica, as coletividades criadas no Novo Mundo (resultantes das descobertas e das invasões do Velho Mundo), principalmente entre os século XVI e XX, apresentam sempre posições intermediárias entre os extremos do “continuísmo imitativo da metrópole” e o rompimento definitivo com a mesma. Vários críticos e estudiosos do assunto discutem as questões de autonomia das “coletividades novas”, (BOUCHARD, 1996-b), que almejam a construção de uma identidade nacional, valorizando seus costumes, suas crenças, suas criações artísticas, onde são visados os sonhos, as utopias de reconstrução, os mitos fundadores e as representações historiográficas.
Acrescente-se que a respeito do discutido binômio influência/filiação, Antonio Candido argumenta que “nosso vínculo placentário com as literaturas européias não é uma opção, mas um fato quase natural” (CANDIDO, 1987, p.151). Diz ainda que se as literaturas latinoamericanas nasceram europeizadas, pouco a pouco elas foram se transformando em “variantes diferenciadas das literaturas matrizes”. Por isso, ele prefere usar o termo “assimilação”, pressupondo reciprocidade de culturas, à palavra imitação, denotativa de apagamento da criatividade. Fundamenta sua argumentação dizendo que se a literatura foi, a princípio, a expressão da cultura do colonizador, posteriormente ela passa a ser a manifestação da “cultura do colono europeizado, herdeiro de seus valores”. (op. cit. p.165).
Muitos autores discutiram/discutem a questão da “mistura de culturas”, com variados conceitos e nomenclaturas e, dentre eles destacamos Angel Rama com os termos: “aculturação” – acréscimo de uma cultura estranha, “desculturação” – a perda da cultura precedente, o que gera a “neoculturação”, ou seja, a nova cultura híbrida construída nas Américas. (RAMA,1984). Já Fernando Ortiz opta por “transculturação”, baseando-se na história do povo cubano. E Nestor Canclini (1990) debate sobre o assunto em sua obra Culturas híbridas.
A inserção dos referidos autores no presente texto, embora não possamos nos aprofundar em suas teorias, no momento, serve para colocar na mesma ciranda dialógica o discurso antropofágico de Oswald de Andrade e distinguir em que medida eles convergem para um mesmo eixo ou se distanciam. Assim, na defesa do híbrido, Canclini enfatiza a mistura de cores, idéias e textos, sem anulá-los, contradizendo o conceito de aculturação visto como um processo unilateral de conversão e substituição das culturas nativas pelas européias. Já a transculturação defendida por Ortiz é entendida como a transformação mútua de culturas.
Ainda a respeito da hibridação cultural, Homi Bhabha, em O local da cultura, também “indica a possibilidade de um hibridismo cultural que acolhe a diferença sem uma hierarquia suposta ou imposta”. (BHABHA,1998,p.22).
Resultantes de um hibridismo cultural intenso, os povos latino-americanos, em especial, destacam-se por sua voracidade, cognominada por Lezama Lima de “protoplasma incorporativo”, que se afina um pouco com a “antropofagia cultural”, defendida por Oswald. (BERND e GRANDIS, org. 1995).
E seguindo a trilha de Canclini, o hibridismo contesta o antropofagismo no sentido em que este “destrói o outro para assimilar-lhe a superioridade, a força, o mando, a essência.”(BERND,1995,p.18).
O conceito de antropofagia aplicado a movimentos artísticos e culturais também mereceu discussões de vários críticos e literatos, destacando-se dentre eles Walter Moser, que no seu ensaio L’Anthropophagie du sud au nord, tentando explicar tal fenômeno no continente americano, discorre sobre a semântica do ato canibal, enumerando suas etapas: a) a da agressão e morte da vítima, b) a da incorporação, c) a da apropriação e assimilação, d) a da produção. (BERND e PETTERSON, org. 1992, p.125). Segundo Moser, na construção dos estados nacionais americanos essas etapas sempre estiveram presentes, com maior ou menor intensidade, deixando vestígios das misturas e trocas efetivadas ao longo dos anos.
Na concepção oswaldiana, o ritual antropofágico precisa atingir o patamar da produção para ser significativo, pois metaforicamente a substância ingerida deve ser regurgitada em nova forma. Assim, define-se a antropofagia cultural como a fabricação de um produto de exportação, isto é, o retorno do fluxo da troca cultural entre países colonizadores e colonizados. (MOSER, In: BERND e PETTERSON, op.cit.). Desse modo, pode-se depreender que a antropofagia cultural tem seu aspecto positivo. Ela retroalimenta a cultura invadida e a do invasor, pois o elemento estranho “ingerido” retorna como um produto original. Por isso, dizia Oswald de Andrade: “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Philosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os collectivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz”. (ANDRADE, Oswald, 1976).
No Modernismo brasileiro, quando se diz que atingimos o estágio da reflexão e que já podemos dizer o que temos e somos, na fase em que Oswald de Andrade declarou “Tupy, or not tupy, that is the question”, a focalização romântica do índio, em seu estado de pureza e de bondade, apologia do homem natural, desloca-se para seu antropofagismo, defendido por Oswald de Andrade. E o indianismo, reabsorvido pelo movimento modernista brasileiro, foi muito mais uma “atividade discursiva” dos autores com relação ao índio, que uma “atitude ontológica.” (MOSER, In: BERND & PETERSON, org. 1992).
Logo, pode-se deduzir que a construção de uma identidade brasileira, centrada na cultura indígena é bastante complexa, o que nos remete à célebre frase de Mário de Andrade “Sou um tupi tangendo um alaúde”. Seja como for, a imagem do primitivo habitante da terra brasílica foi levada para o contexto literário europeu, principalmente através das correlações culturais e literárias suscitadas pelo Manifesto Antropofágico.
Em uma visão genérica, assim como o negrismo nas Antilhas, o realismo maravilhoso no Haiti e o indigenismo no Peru, o antropofagismo foi uma das marcas bem expressivas do Modernismo Brasileiro, cenário onde atuou o “devorador” Oswald de Andrade, o estilhaçador de convenções, mas acima de tudo o artista em busca de um sentido articulador de nossa literatura na modernidade estética do século XX.
(*) O texto aqui apresentado é recorte de um trabalho que fiz de pesquisa/ monografia, resultante do Curso de Doutorado do Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF), Construções identitárias na América e no Caribe e suas interfaces com as vanguardas europeias, ministrado pelas professoras doutoras Eurídice Figueiredo e Lívia Reis, em 1999.
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Oswald. Obras Completas. Do Pau-Brasil à Antropofagia e às Utopias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
BERND, Zilá. Literatura e identidade nacional. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1992.
_____________ e GRANDIS, Rita (org.). Imprevisíveis Américas. Questões de hibridação cultural nas Américas. Porto Alegre: Sagra, DC Luzzatto: ABECOM, 1995.
_____________ e PETTERSON, Michel (org.) Confluences litéraires.Brésil – Québec: les bases d`une comparaison. Québec: Edition Balzac, 1992.
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
BRITO, Mário da Silva. História do Modernismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
BOUCHARD, Gerard & LAMONDE, Yvan. La nation dans tous ses états. Le Québec en comparaison. Paris: Harmattan, 1997.
CANCLINI, Nestor G. Culturas híbridas: estrategias para entrar y salir de la modernidad. México : Grijalbo,1990.
CANDIDO, Antonio. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
_________________. Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades,1997.
_________________.Formação da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Itatiaia,1993.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Terra à vista. Discurso do confronto: velho e novo mundo. São Paulo: Cortez, Unicamp, 1990.
______________________.(org.). Discurso fundador. A formação do país e a construção da identidade nacional. São Paulo: Pontes Editores, 1993.
ORTIZ, Fernando. Contrapunteo del tabaco y del azucar. La Habana : Editorial de Ciências Sociales, 1983.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985.
RAMA, Angel. A transculturação na narrativa latinoamericana .Cadernos de Opinião (2), 1975.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguardas Européias e Modernismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 1987.
Márcia Pessanha com seu esposo Aldo Pessanha
Assista ao vídeo com a entrevista da escritora Márcia Pessanha
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PROJETO PIPAS - UFF
Entrevista c/ a Prof.ª Márcia Maria de Jesus Pessanha - Coordenadora do PENESB
Entrevista c/ a Prof.ª Márcia Maria de Jesus Pessanha - Coordenadora do PENESB
(10-11-11)
Atuação: Licenciatura Letras e Pedagogia
Titulação: Doutorado em Letras
Atuação: Licenciatura Letras e Pedagogia
Titulação: Doutorado em Letras
FONTE: PERFIL BIOGRÁFICO ACADEMIA NITEROIENSE DE LETRAS.
Gostei! Parabéns a você e a Márcia Pessanha!
ResponderExcluirUm abraço da
Neide
Prezada confreira Neide Barros
ExcluirBoa tarde, muito obrigado pelo seu comentário, o qual parabeniza Eu e Márcia. Muito obrigado pela sua constante presença no FOCUS, a perceber que você é uma mulher antenada em tudo. Uma verdadeira Dama com os requintes da mais fiel intelectualidade. Podes acessar o FOCUS sempre, a casa é sua.
abraços fraternos
ALBERTO ARAÚJO - EDITOR DO FOCUS
Prezado Alberto
ResponderExcluirAgradeço sensibilizada sua homenagem.
Gostei muito!
Cordialmente,
Márcia Pessanha
Olá Márcia,
ExcluirFicamos felizes por você ter gostado, fizemos com carinho para você que é uma pessoa muito legal, amiga e companheira.
abraços
ALBERTO ARAÚJO