ENTREVISTA
DE ANGELI ROSE NA REVISTA "DIVULGA ESCRITOR". "NO BRASIL A
PROFESSORA E PESQUISADORA, ANGELI ROSE, É DESTAQUE NA FORMAÇÃO DE LEITORES."
Escritora
Angeli Rose, é um prazer contarmos com a sua participação especial na revista
'Divulga Escritor'. Conte-nos, o que mais a encanta na área literária?
Angeli
Rose - A literatura sempre teve um espaço especial em minha vida. Recordo ainda
menina, de alguns momentos em que minha mãe contava histórias para mim e meu
irmão. Eram horas de alegria e imaginação solta. Depois das histórias, chegava
a hora das brincadeiras, com a dramatização das histórias ouvidas ou
imaginadas. Aliás, criar as próprias histórias e dar vida a personagens era a
minha brincadeira preferida.
Minha
infância foi muito simples e também comum como de muitas crianças: escola, panelinhas,
bonecas e quintal da casa da avó materna, mas a hora do teatrinho, ou da
fantasia, conversando com bonecas e bonecos do meu irmão, era a mais desejada.
Talvez por isso, um tempo depois, escrever tornou-se tão essencial para mim,
pois era como reviver aqueles tempos de infância, agora na infância da
linguagem. Escrever tem disso, revisitar a língua como sendo uma primeira vez,
sempre, redescobrindo as palavras em cada mundo que cada história inaugura a
cada vez, quer como leitora, quer como escritora ou crítica.
Quais
as principais atividades realizadas para formação de leitores?
Angeli
Rose - Parece óbvio, mas é ler, ou seja, toda iniciativa que leve a ler e a
pensar sobre o que leu e a compartilhar leituras, sejam elas em livro,
celulares ou quaisquer outros suportes ou espaços designados para alguns
momentos de leitura. Mas pensar que o aspecto lúdico deva estar presente é
também uma percepção interessante, porque pode levar o leitor a se sensibilizar
com o aspecto lúdico da própria linguagem artística. E tal percepção é
transformadora, ou, pelo menos cria mais condições para que um pensamento
crítico se forme. Nesse sentido, é possível pensar que a família, os amigos, os
educadores, os especialistas em Literatura, todos podem contribuir para que a
literatura esteja presente no cotidiano do cidadão.
Apresente-nos
os principais desafios para a formação de leitores:
Angeli
Rose - Novamente direi que é ler. Para a formação de leitores de literatura na
contemporaneidade, época em que esta linguagem deixou de ser o centro da
produção criativa, dividindo a cena cotidiana com inúmeras outras linguagens e
manifestações artísticas, incluindo a variação de suporte, talvez o maior
desafio seja dar condições para que o silêncio se faça antes e depois das
leituras. O silêncio durante a leitura, para que esta seja contemplativa e de
fato transformadora, ou no mínimo venha a gerar algum tipo de inquietação no
leitor, poderá acontecer a partir do momento em que o leitor aceitar o jogo da
suspensão da realidade para entrar na realidade do texto. Portanto, somos
bastante criativos até quanto a atividades motivadoras para a leitura; porém, é
preciso lembrar e persistir na ideia de que ler literatura, poesia ou prosa
deve ser o foco de toda inovação ou tecnologia.
Você
é contadora de histórias. Como vem sendo a recepção e desenvolvimento desta
atividade nos eventos onde apresenta este tão rico e belo trabalho literário?
Angeli
Rose - Embora me apresente mais em eventos acadêmicos e universitários,
portanto, para adultos, numa das últimas vezes em que me apresentei numa feira
cultural no Rio de Janeiro em praça pública, acompanhada de outra colega que
eventualmente faz parceria comigo, foi bastante estimulante. Tínhamos uma hora
para entretermos um público eclético e ao mesmo tempo transeunte. Isso é bem
diferente de abrir um seminário ou um congresso, pois a plateia já está
predisposta a ouvir e, muitas vezes, a literatura. Naquele caso, da feira
cultural, é preciso lidar com um repertório diversificado e ao mesmo tempo
lidar com o passante que chega e sai independentemente de a história ter
acabado ou não. Por outro lado, saber perceber que uma pessoa pode estar
simplesmente escutando pela primeira vez a contação de histórias. Ano passado,
nessa feira da Zona Sul do Rio,por exemplo, encontramos senhorinhas que
disseram ter passado os melhores momentos de suas vidas ao ouvirem as histórias
que contamos; tivemos também uma mulher que pediu ao final da apresentação para
declamar um poema de sua autoria; um homem com sua filha agradeceu-nos a
oportunidade proporcionada a ele e à sua filha, além de pedir que lhe
deixássemos folhear os livros que apresentamos. A presença dos livros das
histórias contadas é um diferencial, por isso carrego a minha mala com livros,
histórias e apetrechos…
Apresente-nos
o seu livro “Reflexões sobre experiências de leituras e algumas contribuições
do mito de Don Juan”.
Angeli
Rose - Este e-book é o resultado de minha pesquisa de doutorado em Letras sobre
a formação de leitores, projeto que inicialmente foi selecionado em 1º lugar na
PUC-Rio e pouco depois ganhou um prêmio em forma de apoio financeiro da
Fundación María Zambrano para ser desenvolvido. É uma obra que recebeu a
generosa apresentação do professor e escritor Gustavo Bernardo, que na imensa
experiência percebeu a singularidade do livro em relação ao legado possível
para os Estudos literários atuais. O “Reflexões” desenvolveu um pouco de situações
de vida, de pesquisa em campo, no caso, no ensino médio de uma escola do Rio de
Janeiro; e muito estudo teórico sobre a leitura, enquanto atividade
paradigmática da existência humana. Digo de vida, porque num dado momento de
minha vida conheci alguns “don juans”, o que me levou a ter esse tema em boa
conta. E de pesquisa em campo, porque também, como registro na tese e depois no
livro, fui ouvir os jovens leitores e aqueles considerados não leitores pela
escola (idealizada); quanto ao estudo teórico, ele levou-me dos livros à ópera,
passando pela filosofia, até voltar às diversas versões do mito em épocas
históricas e culturas diferentes, como José Saramago (Portugal), João Gabriel
de Lima (Brasil) e tantos outros escritores e escritoras que compreendem o
legado e a importância desse mito literário ocidental. Mas o mais importante
foi identificar que seria possível a tradução de um perfil de leitor jovem da
contemporaneidade por meio da compreensão do mito. E se o mito do
individualismo moderno funda um novo momento da história da humanidade, no
caso, ocidental, foi esse legado que o mito possibilitou compreender, além da
preocupação com certa imediatez diante da vida que o personagem, depois mito e
hoje alçado ao patamar de arquétipo, pode dar a ver sobre o estar no mundo
contemporâneo. Portanto, é um estudo acadêmico de fôlego que me deu enorme
satisfação na realização.
Com
relação ao seu livro “Jornalismo Cultural: um exercício de valor”, como foi a
elaboração do conteúdo que compõe a obra?
Angeli
Rose - Outra obra acadêmica que elaborei baseada na leitura rotineira de
jornais, e em específico do jornal Valor Econômico. Daí o jogo de palavras no
título do livro. Depois de uma formação feita na área na UERJ sobre o campo do
jornalismo cultural, tive o interesse de avaliar mais de perto a produção do
caderno cultural desse periódico, em parte motivada pelo contexto adverso aos
cadernos culturais no país, que vinham acabando; em parte, motivada pela coluna
de uma colega de doutorado, escritora também, Tatiana Levy; e em parte, pela
curiosidade de ver o caderno “Eu & fim de semana”, resistindo com qualidade
num jornal voltado para leitores da área de economia, o que mantém certa
sofisticação na linguagem e na abordagem dos produtos analisados. Há um misto
de militância na questão de gênero de minha parte e militância em prol da
literatura e os espaços que a promovem. Então, nesse estudo monográfico
procurei identificar e compreender o ensaísmo feito por alguém estreante nesse
espaço, em meio a uma crise que tem levado à extinção dos cadernos culturais
impressos.
O
que mais chamou sua atenção enquanto escrevia sobre “Jornalismo cultural”?
Angeli
Rose - O poder de influenciar as pessoas é algo bastante sedutor nessa área,
pois ao mesmo tempo em que cria a possibilidade de provocar questionamentos e
instigar o leitor diante de uma obra, para além de uma resenha bem feita, ou
sem a pretensão de um ensaio acadêmico rigoroso e cansativo para o leitor de um
jornal, por mais bem formado que este seja intelectualmente, o jornalismo
cultural direcionado para o campo literário definitivamente enfrenta o desafio
de lidar com uma linguagem que informe, forme e transforme, (e por que não
dizer também, de-forme?) sem se perder em meio às demandas ou tentações do mercado
editorial, preocupado com as vendas desse ou daquele produto, entendendo aqui
produto como autor, editora renomada (grife), ou assunto do momento. Assim,
escrever sobre literatura, principalmente, preservando a própria singularidade
num veículo de comunicação como é um jornal (impresso ou digital) hoje é buscar
também o prazer de escrever sobre leituras que geraram certo prazer. Isso
também foi um dos pontos altos que a entrevista concedida pela escritora
Tatiana Levy, e que reproduzo e analiso no livro, me levou a refletir.
A
quem indica a leitura desta obra?
Angeli
Rose - Eu procurei ir um pouco além do academicismo e escrevê-la com alguma
leveza, portanto, pensando tanto em especialistas ou aprendizes do jornalismo
cultural, com certa medida formativa, sem ser didática, mas também para
leitores curiosos e desejosos de compreender um pouco mais sobre o mundo do
jornalismo cultural que alimenta e estimula a crítica literária, vertente
importante da formação de professores-leitores, por exemplo.
Angeli,
soube que já temos livro novo no prelo; apresente-nos o seu mais recente
projeto literário.
Angeli
Rose - Em realidade, vários, porque é difícil para um escritor estar apenas com
um projeto na cabeça. Mas de fato estou finalizando a revisão de um romance
epistolar, que já leva algum tempo que está “pronto” (palavra desafiadora para
qualquer escritor!). Comecei a fazer a seleção de fragmentos do meu “Memorial
Dialógica”, desenvolvido no Facebook, o que inclui reflexões sobre minha
trajetória de docente, de pesquisadora, de poeta, entre outras frentes, que
mulheres como eu vêm administrando ao buscar espaço de ação e produção com
dignidade no mundo, “mas sem perder a ternura”. No mais, participando de
concursos de poesia, como o prêmio AMO AMAR VOCÊ(RJ), em que recentemente
alcancei o terceiro lugar e vi meu poema “Quem sabe, assim você escuta”
incluído na antologia do prêmio(2018). E ainda negocio com uma editora o
lançamento do cordel "BIOGRAFIA NÃO AUTORIZADA DE UMA MULHER
PANCADA", apresentado pela professora e pesquisadora Eliana Yunes,
coordenadora da Cátedra de leitura da UNESCO na PUC-Rio, para este ano em
edição comercial, porém, publicado em 2017 pela Editora por Demanda. Enfim,
espero ter muitas novidades comerciais neste ano de 2018.
Quais
os principais objetivos a serem alcançados por meio do enredo que compõe esta
obra literária, o romance?
Angeli
Rose - O romance “Lição entre amigas” é uma troca de cartas, que segue uma
tradição no Ocidente bastante relevante no âmbito das interações e relações
humanas. Cartas que depois viram e-mails e em seguida brevíssimas mensagens
entre duas professoras que vivenciam momentos diferentes em suas vidas, tanto
no campo profissional como no campo social, o que ao fim e ao cabo, acaba por
entrecruzar-se. É difícil falar nos objetivos a serem alcançados por uma obra,
já que a escritura torna-se de todos que com ela interagem, o que confere
também à obra uma gama de possibilidades de objetivos a serem alcançados. Mas
posso falar em um prazer de lidar com a linguagem; outro prazer de fazer certa
rememoração imprecisa das situações por que passam aquelas personagens que
estão dentro de mim e fora de mim pela observação de anos de profissão. Ao
mesmo tempo, preservar o espaço dessa atividade, a docência, que anda
precarizada e silenciada por tantas situações de desrespeito e desautorização.
No mais, o que poderia dizer? “sentir/sinta quem lê”.
Onde
podemos comprar os seus livros?
Angeli
Rose - Os dois e-books acadêmicos a que me referi aqui são de acesso gratuito,
seguindo uma tendência da atualidade, no site da editora Atena.
http://www.atenaeditora.com.br/ebooks/
Os
demais impressos, as antologias de poemas, alguns contos avulsos e a
“Biografia” geralmente são comercializados em eventos acadêmicos, o que espero
neste ano ampliar a distribuição no setor livreiro e comercial. Aliás, este é
um desafio para um escritor estreante; no caso de ser uma escritora é maior
ainda e intenso o desafio, posto que sabemos ser este meio ainda bastante
contaminado por um ranço machista.
Memorial
Dialógica: https://www.facebook.com/capitu33
Poesia
no muro:
Você
vem realizando um trabalho utilizando o pseudônimo de Capitu Nascimento.
Apresente-nos este seu projeto literário:
Angeli
Rose - Obrigada pela oportunidade de falar desse projeto. De fato, é um projeto
em pleno sentido do termo, por manter a característica de estar em elaboração e
inacabado. Trata-se da escritura de fragmentos, não necessariamente diários, eu
diria que são “estilhaços de ideias” à maneira do crítico português João
Barrento, ou como o mesmo autor registra e provoca: “O fragmento é des-pretensioso
– sem pretensões de dar expressão a totalidades onde o intratável –
precisamente a totalidade, o espaço sem espaço – se tornou tratável.” Desculpe
a citação extensa, mas foi a leitura do “espaço sem espaço” que as redes
sociais sugerem promover que me fez tomar a iniciativa de escrever um
“memorial” na rede Facebook, onde me represento como “Capitu Nascimento”. Num
primeiro momento, era uma forma de driblar o fato de ser professora de
Literatura há décadas e com isso ser facilmente encontrável nas redes sociais.
Nada mais consonante do que ser uma Capitu; num outro momento, foi mesmo o
exercício e a militância ante o direito de pensar, experimentar e agir por meio
da escrita, enquanto mulher e cidadã principalmente; e aí, outras motivações
foram surgindo pelo diálogo com as situações de vida (virtual ou presencial).
Então, sem a pretensão de ser um heterônimo propriamente à luz de Pessoa,
porém, sem deixar de dar-lhe o crédito devido pela importância desse poeta em
minha formação, criei a “Capitu Nascimento”, híbrida como todos somos no jogo
social em que as relações de força entre o que somos na condição documental e o
que somos pelo que construímos e escolhemos, na medida até de personagens da
própria e alheia história, por isso também, um ad infinitun nascimento. Daí que
posteriormente, com a leitura de alguns parceiros e parceiras, ou “seguidores e
comentadores”, compreendi a relevância de levar este projeto para o livro,
impresso e digital. Vamos ver…
Quais
os seus principais objetivos como profissional da literatura?
Angeli
Rose - Como todo escritor tem: ser publicada e ser lida. Entretanto, eu diria
que poder compartilhar algo que me move ante a perplexidade que é estar viva
num tempo de tantas contradições, tantos paradoxos e muitas possibilidades
existenciais.
Pois
bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer melhor a
escritora Angeli Rose. Agradecemos sua participação na Revista 'Divulga
Escritor'. Que mensagem você deixa para nossos leitores?
Angeli
Rose - Pensar sobre o direito à literatura que temos: se de um lado, como
escreveu Daniel Pennac, “o leitor tem o direito de não ler”; por outro lado,
cabe a nós, cidadãos, leitores, não leitores, críticos e escritores, pensar
acompanhados do mestre Antonio Cândido que o “direito à literatura” é algo de
grande monta a ser considerado pelo espírito humano inquieto.
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