Se, depois de eu morrer, quiserem
escrever a minha biografia,
Se, depois de eu morrer, quiserem
escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas — a da minha
nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias
são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade
nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse
realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão
um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e
todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca
com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento
seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer
criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da
Natureza.
8-11-1915
“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de
Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar
Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). - 88.
1ª publ. in “Poemas Inconjuntos”. In
Athena, nº 5. Lisboa: Fev. 1925.
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