Utilizou a pintura, escultura e modelagem em seus tratamentos psiquiátricos, descobrindo que mesmo quando a personalidade do paciente se desintegra, ele mantém em seu psiquismo um estímulo para produção de imagens. Sua terapia.
Nise Magalhães da Silveira nasceu em Maceió, no dia 15 de fevereiro de 1905 e faleceu no Rio de Janeiro, no dia 30 de outubro de 1999 aos 94 anos.
Dedicou sua vida ao trabalho com doentes mentais, manifestando-se radicalmente contra as formas que julgava serem agressivas em tratamentos de sua época, tais como o confinamento em hospitais psiquiátricos, eletrochoque, insulinoterapia e lobotomia. Nise ainda foi pioneira ao enxergar o valor terapêutico da interação de pacientes com animais.
Filha do professor de matemática Faustino Magalhães da Silveira e da pianista Maria Lídia da Silveira, Nise era bastante estudiosa. Sua formação básica realizou-se em um colégio de freiras, na época, exclusivo para meninas, o Colégio Santíssimo Sacramento, localizado em Maceió. Seu pai foi jornalista, diretor do "Jornal de Alagoas" e professor de matemática.
De 1921 a 1926 cursou a Faculdade de Medicina da Bahia, onde se formou como a única mulher entre os 157 homens daquela turma. Está entre as primeiras mulheres no Brasil a se formar em Medicina. Casou-se nessa época com o sanitarista Mário Magalhães da Silveira, seu colega de turma na faculdade, com quem viveu até seu falecimento em 1986. O casal não teve filhos, por um acordo entre ambos, que queriam dedicar-se intensamente a carreira médica. Em seu trabalho médico, Mário publicava artigos onde apontava as relações entre pobreza, desigualdade, promoção da saúde e prevenção da doença no Brasil.
Em 1927, já casada e formada, e órfã de mãe, sofreu pelo falecimento de seu pai, e então, após alguns meses, junto ao marido, se mudaram para o Rio de Janeiro, onde teriam mais oportunidades de trabalho.
Na então capital do Brasil, Nise se engajou nos meios artístico e literário, voltados para área médica, com diversas publicações dos avanços da medicina.
Em 1933, cursando os anos finais da especialização em psiquiatria, estagiou na clínica neurológica de Antônio Austregésilo. Logo após terminar sua especialização, foi aprovada no mesmo ano em um concurso de psiquiatria, e começou a trabalhar no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospital da Praia Vermelha.
Em 1944 iniciou seu trabalho no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Por sua discordância com os métodos adotados nas enfermarias, recusando-se a aplicar eletrochoques em pacientes, Nise da Silveira foi transferida para o trabalho com terapia ocupacional, atividade então menosprezada pelos médicos. Assim, em 1946 fundou naquela instituição a "Seção de Terapêutica Ocupacional".
No lugar das tradicionais tarefas de limpeza e manutenção que os pacientes exerciam sob o título de terapia ocupacional, ela criou ateliês de pintura e modelagem com a intenção de possibilitar aos doentes reatar seus vínculos com a realidade através da expressão simbólica e da criatividade, revolucionando a Psiquiatria então praticada no país.
Em 1952, ela fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, um centro de estudo e pesquisa destinado à preservação dos trabalhos produzidos nos estúdios de modelagem e pintura que criou na instituição, valorizando-os como documentos que abriam novas possibilidades para uma compreensão mais profunda do universo interior do esquizofrênico.
Entre outros artistas-pacientes que criaram obras incorporadas na coleção dessa instituição, podem ser citados Adelina Gomes, Carlos Pertuis, Emygdio de Barros e Octávio Inácio.
Esse valioso acervo alimentou a escrita de seu livro "Imagens do Inconsciente", filmes e exposições, participando de exposições significativas, como a "Mostra Brasil 500 Anos".
Entre 1983 e 1985 o cineasta Leon Hirszman realizou o filme "Imagens do Inconsciente", trilogia mostrando obras realizadas pelos internos a partir de um roteiro criado por Nise da Silveira.
Por intermédio do conjunto de seu trabalho, Nise da Silveira introduziu e divulgou no Brasil a psicologia junguiana.
Interessada em seu estudo sobre os mandalas, tema recorrente nas pinturas de seus pacientes, ela escreveu em 1954 a Carl Gustav Jung, iniciando uma proveitosa troca de correspondência.
Jung a estimulou a apresentar uma mostra das obras de seus pacientes, que recebeu o nome "A Arte e a Esquizofrenia", ocupando cinco salas no "II Congresso Internacional de Psiquiatria", realizado em 1957, em Zurique. Ao visitar com ela a exposição, ele orientou-a a estudar mitologia como uma chave para a compreensão dos trabalhos criados pelos internos.
Nise da Silveira estudou no "Instituto Carl Gustav Jung" em dois períodos: de 1957 a 1958, e de 1961 a 1962. Lá recebeu supervisão em psicologia analítica de Marie-Louise von Franz, assistente de Jung.
Retornando ao Brasil após seu primeiro período de estudos junguianos, formou em sua residência o "Grupo de Estudos Carl Jung", que presidiu até 1968.
Escreveu, dentre outros, o livro "Jung: vida e obra", publicado em primeira edição em 1968.
Devido à idade avançada, foi acometida por pneumonia, falecendo de insuficiência respiratória aguda, no Hospital Miguel Couto, Zona Sul do Rio. Foi sepultada no Cemitério de São João Batista, em Botafogo.
LEGADO
Seu trabalho e ideias inspiraram a criação de museus, centros culturais e instituições terapêuticas, similares às que criou, em diversos estados do Brasil e no exterior, por exemplo:
"Museu Bispo do
Rosário", da Colônia Juliano Moreira (Rio de Janeiro)
"Centro de Estudos Nise da Silveira"
(Juiz de Fora, Minas Gerais)
"Espaço Nise da
Silveira" do Núcleo de Atenção Psicossocial (Recife)
"Núcleo de
Atividades Expressivas Nise da Silveira", do Hospital Psiquiátrico São
Pedro (Porto Alegre, Rio Grande do Sul)
"Associação de
Convivência Estudo e Pesquisa Nise da Silveira" (Salvador, Bahia)
"Centro de
Estudos Imagens do Inconsciente", da Universidade do Porto (Portugal)
"Association
Nise da Silveira - Images de l'Inconscient" (Paris, França)
"Museo Attivo
delle Forme Inconsapevoli" (hoje renomeado "Museattivo Claudio
Costa", Genova, Itália).
O antigo
"Centro Psiquiátrico Nacional" do Rio de Janeiro recebeu em sua
homenagem o nome de "Instituto Municipal Nise da Silveira".
Em 2015, foi
incluída na lista das Grandes mulheres que marcaram a história do Rio".
Em 2016, foi lançado
o filme brasileiro de longa metragem intitulado Nise: O Coração da Loucura,
dirigido por Roberto Berliner. O filme foi resultado de 13 anos de ampla
pesquisa, e se baseou em um momento da vida de Nise da Silveira.
No mesmo ano, o
espetáculo Nise da Silveira – Guerreira da Paz narrou a história da psiquiatra
alagoana e discípula de Carl G. Jung. O ator carioca Daniel Lobo dirigiu e
interpretou o espetáculo que esteve em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (MASP),
durante curta temporada de grande sucesso.
OBRAS PUBLICADAS
• SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra.
Rio de Janeiro: José Álvaro Ed. 1968.
• SILVEIRA, Nise da. Imagens do
inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.
• SILVEIRA, Nise da. Casa das Palmeiras.
A emoção de lidar. Uma experiência em psiquiatria. Rio de Janeiro: Alhambra.
1986.
• SILVEIRA, Nise da. O mundo das
imagens. São Paulo: Ática, 1992.
• SILVEIRA, Nise da. Nise da Silveira.
Brasil, COGEAE/PUC-SP 1992.
• SILVEIRA, Nise da. Cartas a Spinoza.
Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1995.
• SILVEIRA, Nise da. Gatos - A Emoção de
Lidar. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1998.
DALMA NASCIMENTO CELEBRA OS 119 ANOS DE NISE DA SILVEIRA
Nise da Silveira:
psiquiatra brasileira que foi pioneira no tratamento com artes. Dalma Nascimento esteve com a Dra. Nise da
Silveira em março de 1995, um mês depois de a Dra Nise ter completado 90
anos.
Na oportunidade
realizou a entrevista que está publicada em dois jornais “Tribuna da Imprensa”,
em 23 de março de 1995 e em “O Correio” em 15 de fevereiro 1997.
Nesses periódicos, a entrevista está suprimida, isto é, reduzida. No entanto, a entrevista completa consta no livro de Dalma Nascimento “Antígonas da Modernidade - Performances femininas na vida real ou na ficção literária”. Rio de Janeiro. Editora Tempo Brasileiro, 2013.
***
Nise da Silveira em sua bandeira, desde o início, primava pelo combate a técnicas agressivas no tratamento de pessoas com doenças mentais, como o uso inadequado de eletroconvulsoterapia (conhecida popularmente como eletrochoque), camisas de força, lobotomia, insulinoterapia e confinamento.
Em lugar desses métodos, então praxe na época, ela preconizava um tratamento baseado na arte. A médica reinventou o próprio departamento de terapia ocupacional, antes um espaço que servia para delegar aos pacientes tarefas de limpeza e manutenção da instituição. Sob o comando dela, foram criados ateliês de pintura e modelagem. Nise foi uma pessoa extremamente importante na psiquiatria. Foi aluna do psiquiatra suíço Carl Jung, teve contato com ele.
Nise da Silveira
utilizou a pintura, escultura e modelagem em seus tratamentos psiquiátricos,
descobrindo que mesmo quando a personalidade do paciente se desintegra, ele
mantém em seu psiquismo um estímulo para produção de imagens. Sua terapia.
DALMA NASCIMENTO EM
ENTREVISTA COM NISE DA SILVEIRA, A PRINCESA CARALÂMPIA
EIS A ENTREVISTA:
Dalma Nascimento –
No início do século, era incomum a mulher estudar medicina. Além disso, a
senhora deslocou-se de Alagoas para a Bahia e depois foi parar sozinha na
Europa. Por que optou por medicina?
Nise da Silveira –
Fiz em Maceió os preparatórios, como se chamavam estes estudos naquela época. A
medicina me pareceu mais adaptável à minha personalidade: ajudar os outros. Meu
pai, Justino da Silveira, levou-me para fazer o vestibular. Mas, logo voltou
para as suas atividades como diretor de jornal e professor de matemática.
Fiquei, então, num pensionato, frequentando a faculdade.
D.N. – Era bem vista
pelos colegas num tempo de tantas restrições à mulher?
N.S. – Não fui a
única mulher da turma. Havia outra, mas ela não continuou. Meus colegas me
aceitavam cordialmente, porque eu não permitia a distinção entre homem e
mulher. Hostilidade, sim, houve de alguns professores.
D.N – Ao concluir
medicina, aos 21 anos, fez um trabalho sobre a criminalidade das mulheres
baianas (ladras, assassinas, prostitutas). Por que o interesse por seres
marginais?
N.S. – Esta foi a
minha tese de doutoramento. Todo estudante para receber o grau de médico
antigamente tinha que defender tese. Interessei-me pelo tema por serem estas
mulheres mais infelizes e rejeitadas pelos arrogantes indivíduos que se julgam
normais.
D.N. – E o
conhecimento de Jung? Como era a sua personalidade? Frequentou algum seminário
dele?
N.S. – Não, ele não
dava mais seminários, mas frequentei o Instituto Jung (Zurique, Suíça), onde
vários professores de orientação junguiana davam cursos. Fiz análise individual
com Marie Louise von Franz e segui seus cursos. Quanto a Jung, era um homem
simples e fascinante.
D.N. – Como iniciou
sua luta contra os tratamentos e as iniquidades?
N.S. – Fiz concurso
para médico no Rio (Centro Psiquiátrico Pedro II). Depois, por vocação,
continuei ligando-me aos oprimidos. Aí, fui para a cadeia, passei um ano e
quatro meses presa, sem processo, sem qualquer acusação e defesa. Isso apenas
pelo fato de ter livros e ligações com pessoas da esquerda. Minha reação é de
total revolta contra as ditaduras.
D.N. – E suas
companheiras de cela? Relate esta dolorosa experiência.
N.S. – Algumas eu já
conhecia. De outras, me tornei amiga na prisão. Maria Werneck faleceu há pouco
tempo. Eneida Valentina Barbosa Bastos, uma pessoa de alta inteligência! Elisa
Berger, grande mulher, corajosa, culta, tinha o leito junto ao meu. Olga
Prestes foi para a Alemanha em estado de gravidez para ser entregue aos
criminosos nazistas. Por ser judia, terminou no forno de gás. Elisa, por ser
alemã, foi decapitada.
D.N. – E sua amizade
com Graciliano Ramos? Várias vezes, com admiração e estima, ele a cita em
Memórias do Cárcere. Houve um maior envolvimento entre ambos?
N.S. – Não, apenas
uma grande amizade que se manteve até a sua morte. Nós nos entendíamos muito
bem, éramos afins de temperamento. Depois da prisão, sempre nos visitávamos.
Amizades feitas em cadeia permanecem firmes.
D.N. – Por que ele a
chamou de “Princesa Caralâmpia”?
N.S. – Caralâmpia é
um termo lúdico. Eu o uso, há anos, em vários sentidos. Por exemplo, eu olho
para você e digo: hoje está com uma cara caralâmpica. Na prisão, o nome
cresceu. Ao sair de lá, Graça então escreveu o livro infantil A terra dos
meninos pelados, governado pela Princesa Caralâmpia.
D.N. – E os gatos? Por que usa a terapia dos animais nos acompanhamentos
clínicos?
N.S.– Porque os
gatos são seres afetuosos, leais e altivos. Se bem tratados, correspondem; se
não, tem-se que esperar para reconquistá-los. Os internos precisam destes elos
com o mundo, como também do cão, bem mais dócil. O cão perdoa sempre, é quase
um Cristo.
D.N. – Spinoza, uma
de suas paixões, teria a ver com os “inumeráveis e perigosos estágios do ser”?
Ou esta ideia é de Artaud, sobre quem também a senhora escreveu um livro?
N. S. – Não creio
que Spinoza tenha falado sobre isso. O tema liga-se, de fato, a Artaud. É dele
a expressão. Eu achei que havia uma relação com aquilo que o mundo,
inadvertidamente, chama de doença mental.
D.N. – Já que
recordamos Artaud, há tempos, falou da sensação que ele sentira ao ver uma
abelha. Relate esta passagem, que também a marcou.
N. S. – A frase de
Artaud foi mais ou menos esta: “Vi uma abelha vivendo, e isto me basta”. Eu a
interpreto como o Grande Milagre da Vida. Creio que Artaud sentiu assim.
D. N. – Qual o
momento mais decisivo de sua vida?
N. S. – É difícil
dizer o mais decisivo. Talvez o da saída da cadeia.
D. N. – A mulher
intelectual, benemérita da humanidade, conciliou este aspecto com o casamento?
N. S. – Quanto à vida doméstica e ao meu marido, não
houve problemas. Ele era também médico, de especialidade diferente, mas
tínhamos pontos de contacto. Era socialista, o que nos ligou muito. Aplicava
interpretações marxistas à saúde pública, embora fosse mais prático do que eu,
bem mais sonhadora.
Despedi-me da
querida amiga Caralâmpia
"caralampiando" feliz. com suas respostas "caralampiantes". Afinal, é termo lúdico que serve para tudo.
Entrevista realizada
em março de 1995, um mês depois de a Dra Nise ter completado 90 anos, Publicada
com supressão de algumas perguntas em
dois jornais (“Tribuna da Imprensa”,em 23 de março de 1995 e em
“O Correio” em 15 de fevereiro 1997). Aqui está completa como consta em meu
livro “Antígonas da Modernidade - Performances femininas na vida real ou na
ficção literária”. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, 2013.
SUGESTÃO DE DALMA
NASCIMENTO
Amigos assistam, no
YouTube ao filme O CORAÇÃO DA LOUCURA, a
vida da Dra Nise, representada por Glória Pires.
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