segunda-feira, 8 de junho de 2015

LEITURA DO POEMA "MEU TREM BARROCO" DE RUBENS DE ARARIGBOIA PELA PROFESSORA ENEIDA FORTUNA BARROS NO CENÁCULO FLUMINENSE DE HISTÓRIA E LETRAS.




CENÁCULO FLUMINENSE DE HISTÓRIA E LETRAS
APRESENTA



LEITURA DO POEMA: MEU TREM BARROCO 
pela professora Eneida Fortuna Barros.


Publicado no livro Girassol, nas páginas 103 a 106 do poeta Rubens Ararigboia – Organização de Maria Auxiliadora Baptista Pereira Rosa.
Contato para adquirir a obra: labore.lima@gmail.com
 
Os poemas de Rubens de Ararigboia são leves e delicados, nos transporta ao início do século 20, quando o tempo parecia passar com mais serenidade e havia certo romantismo no ar.

Aprecie a princípio um saudosista poema intitulado: “Meu Trem Barroco” este texto nos faz sentir saudade dos tempos pueris e de nossos ancestrais. Leia com calma e depois me diga se tenho razão ou não?.


O restante dos textos você verá no livro Girassol. Para isso, você tem que adquirir a obra do autor e assim  comprovará a sua eficiência.





MEU TREM BARROCO


Como vou rever as terras avoengas,
se o trem já não existe?
Monte Alegre, Lagarto, Pilar, Bananal, Coqueiros,
como vou revê-las, nostálgicas fazendas ancestrais?

Como vou fazer minhas rogações a Nossa Senhora de Nazaré,
alcandorada no majestoso pedestal de granito,
a dominar os furores oceânicos?

Como vou refazer a viagem que tantas vezes fiz,
para ver, em sua escola florida,
reinar professorinha de muito juízo,
a refletir na ternura do olhar
a ternura do coração?

Que saudades de meu trem barroco!
O que fazia curvas e mais curvas,
coreográficas, complicadas, extravagantes,
somente para dar um ar de sua graça
no campo das fazendas.
Somente para fazer sonharem com o príncipe encantado
as sinhazinhas no varandão senhorial enclausuradas.

Sim, acabaram com o velho trem.
Sem a menor contemplação para com os alheios corações.
Trem que descerrava quadros célebres
como a revoada das garças sobre o azul turquesa das lagoas,
ou a visão imorredoira do vilarejo antiquíssimo
a fragmentar-se, feito obra prima craquelé,
no espelho lacustre amarfanhado pela brisa.

Painéis de beleza requintada com distintivos indígenas:
lagoas de Mancá, de Jaconé, de Saquarema, de Araruama ...
Telas de fazer inveja à paisagem clássica da Holanda,
nossos moinhos-de-vento capitaneando dunas de sal,
a irradiar revérberos de pedras preciosas...

Que ingratidão com o velho trem!
Trem que encurtara longas distâncias difíceis,
trocando o carro de bois pela poltrona macia.
Trem que levava as sedas e as chitas,
as louças e as ferragens, as cartas e os jornais,
as últimas novidades do mundo.
E trazia os frutos do mar, e da terra, e do trabalho do homem
sem esquecer o melado e a rapadura ...

Trem com agentes-de-estação (os mágicos da roça)
a receber e expedir mensagens,
pelo caminho misterioso de alguns fios,
percutindo o Morse que nem pica-pau de boné encarnado...
Trem que habitualmente saia antes de nascer o sol
mas chegava sempre fora de horas.
E, não raro, empacava no meio da serra,
à maneira de burro velho que empaca na venda,
quando sente que o peso da carga é demasiado.
Ou degringolava, sem mais aquela, pirambeira abaixo,
exercício bom para quem ainda não caiu em exercidos findos...

Pobre do meu trem barroco!
Pelo vezo de chegar tarde da noite
a acuidade do tabaréu apelidara-o bacurau,
pássaro notívago, errante em nossas estradas enluaradas.
Mas, corriqueiramente, era o atraso devido mesmo aos viajantes que não renunciavam ao cacoete de ir-ao-mato...
com sentido nas pitangas.
O próprio guarda-freios ressurgia com um pintassilgo na mão
(cantando, enquanto o maquinista enfiava no embornal mais um jacu
(ou jabunda, versão pudica da boa gente do campo).
Jabunda, corrigia invariavelmente tia Queninha, a dona do Bananal.
Também, pra que bobagem de horário?
Despropósito no tempo sem pressa e sem ganância.

Na estação, que cheiro bom invadia o carro!
Eram os bolinhos de arroz,
que, às vezes, rolavam pelo chão da verminose,
mas logo regressavam à bandeja antes desequilibrada
na tropelia de vendê-los (a vintém)
os meninos amarelecidos pela malária.

Que saudades de meu trem barroco!
Trem que sacolejava, que fumava, que apitava, que badalava,
que soprava fagulhas na roupa da gente,
que transportava as eternas discussões eleitorais e eleitoreiras,
derivativo de não fazer mal a ninguém.
Trem de arraiais acordava, e lugarejos.
Que era a comunicação total com o povo...
Esperar o trem, ouvir o trem, ver passar o trem,
eis tudo para um povinho de Deus à margem de tudo.

Acabaram com o velho trem.
E não contentes, os donos da façanha,
Receosos de que, belo dia, retornasse, repleto de alegrias,
arrancaram-lhes os trilhos.
Como quem de um corpo vivo as artérias arranca
sangrando o seio da terra monstruosamente...
Faltou salgar o chão dos trilhos
tal qual o chão da casa de Tiradentes.
Só permanecem, espavoridos, raros postes de telégrafo,
fantasmas a relembrar que ali houvera um trem.

Trem que carreava o desenvolvimento pelos séculos afora,
construído pela vontade férrea dos fazendeiros,
meus antepassados, inclusive, de nomes não esquecidos ainda:
de estação de Manoel Ribeiro, parada de Quinca Mariano...

Que saudades de meu trem barroco!
Trem de valor estratégico até:
ei-lo embuçado pela macega da restinga,
percorrendo extensa faixa do litoral brasileiro,
à espreita dos flibusteiros de alto-mar...

Acabaram com o velho trem.
Deixem estar senhores iconoclastas.
As terras avoengas eu irei rever.
A viagem que outrora vezes tantas fiz,
refazê-la eu vou.
Feito andarilho, escalavrando os pés nas pedras do caminho.
Penitência do atentado horrendo.
Que paga o justo pelo pecador.
Mas, os protestos meus nãos os calarei jamais.
Nem ao transpor a serra de Cala-a-Boca.
Que me perdoe a tradição.

Minhas lamentações, no estranho desfiladeiro,
o eco as repetira intermitentemente, intermitentemente...
E, como não perde o dom de transmudar fraqueza em força,
repetência até os mortos há-de por-de-pé,
para a festança de ver surgir de novo o trem,
a resfolegar espalhafatosamente, embandeirado e suarento...
e todo mundo na estação se abraçando,
a chorar-de-contenteza...

Dez mil anos não vamos esperar
Por esse dia glorioso.




Rubens de Ararigboia






Publicado no livro Girassol
Editora Muiraquitã
Ano 2011
Prefácio de Hilda Faria.
2ª Edição revisada e ampliada e Ilustrado.
Na 4ª capa: apreciação de Nélia Bastos.
Formato 21X14cm.
148 páginas.




Escrito pelo poeta Rubens de Ararigboia. Um belo poema saudosista. Em que o autor descreve os passeios que ele fazia em um trem, quando ele era adolescente.  E que agora ficou apenas na lembrança.  O poeta com essa sua narrativa nos faz viajar junto a ele e reviver toda a sua trajetória. É um excelente passeio ao passado.

Ao lê o poema, em nossas mentes o nosso imaginário se ilustra de paisagens daquele tempo e que as mesmas seguem passeando em toda a situação. E nessa fluidez buscam-se também todos os momentos embutidos na raiz dos nossos ancestrais e que somente quem fez essas viagens de trem por tantas vezes sabem que essa máquina trouxe o desenvolvimento para os lugarejos e conhecimentos aos habitantes em sua vida diária. 

Enfim, o universo do poema se utiliza da cadência antepassada, genuinamente saudosista, colocando em realce a emoção e a sensibilidade.

Viajamos pelo período em que pessoas simples, davam imenso valor aos objetos que transportavam vida e alegrias aos corações. 

Revisitamos os subterrâneos do imaginário individual. Pois o poeta escreve com olhos sensíveis. O poema  em si é fonte de aviso da transformação. 



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