CENÁCULO FLUMINENSE DE HISTÓRIA E LETRAS
APRESENTA
LEITURA DO POEMA: MEU TREM BARROCO
pela professora Eneida Fortuna Barros.
Publicado
no livro Girassol, nas páginas 103 a
106 do poeta Rubens Ararigboia – Organização de Maria Auxiliadora Baptista
Pereira Rosa.
Contato
para adquirir a obra: labore.lima@gmail.com
Os
poemas de Rubens de Ararigboia são leves e delicados, nos transporta ao início
do século 20, quando o tempo parecia passar com mais serenidade e havia certo
romantismo no ar.
Aprecie
a princípio um saudosista poema intitulado: “Meu Trem Barroco” este texto nos
faz sentir saudade dos tempos pueris e de nossos ancestrais. Leia com calma e
depois me diga se tenho razão ou não?.
O
restante dos textos você verá no livro Girassol.
Para isso, você tem que adquirir a obra do autor e assim comprovará a sua eficiência.
MEU TREM BARROCO
Como vou rever as
terras avoengas,
se o trem já não
existe?
Monte Alegre,
Lagarto, Pilar, Bananal, Coqueiros,
como vou revê-las,
nostálgicas fazendas ancestrais?
Como vou fazer minhas
rogações a Nossa Senhora de Nazaré,
alcandorada no
majestoso pedestal de granito,
a dominar os furores
oceânicos?
Como vou refazer a
viagem que tantas vezes fiz,
para ver, em sua
escola florida,
reinar professorinha
de muito juízo,
a refletir na ternura
do olhar
a ternura do coração?
Que saudades de meu
trem barroco!
O que fazia curvas e
mais curvas,
coreográficas,
complicadas, extravagantes,
somente para dar um
ar de sua graça
no campo das
fazendas.
Somente para fazer
sonharem com o príncipe encantado
as sinhazinhas no
varandão senhorial enclausuradas.
Sim, acabaram com o
velho trem.
Sem a menor
contemplação para com os alheios corações.
Trem que descerrava
quadros célebres
como a revoada das
garças sobre o azul turquesa das lagoas,
ou a visão
imorredoira do vilarejo antiquíssimo
a fragmentar-se,
feito obra prima craquelé,
no espelho lacustre
amarfanhado pela brisa.
Painéis de beleza
requintada com distintivos indígenas:
lagoas de Mancá, de
Jaconé, de Saquarema, de Araruama ...
Telas de fazer inveja
à paisagem clássica da Holanda,
nossos
moinhos-de-vento capitaneando dunas de sal,
a irradiar revérberos
de pedras preciosas...
Que ingratidão com o
velho trem!
Trem que encurtara
longas distâncias difíceis,
trocando o carro de
bois pela poltrona macia.
Trem que levava as
sedas e as chitas,
as louças e as
ferragens, as cartas e os jornais,
as últimas novidades
do mundo.
E trazia os frutos do
mar, e da terra, e do trabalho do homem
sem esquecer o melado
e a rapadura ...
Trem com
agentes-de-estação (os mágicos da roça)
a receber e expedir
mensagens,
pelo caminho
misterioso de alguns fios,
percutindo o Morse
que nem pica-pau de boné encarnado...
Trem que
habitualmente saia antes de nascer o sol
mas chegava sempre
fora de horas.
E, não raro, empacava
no meio da serra,
à maneira de burro
velho que empaca na venda,
quando sente que o
peso da carga é demasiado.
Ou degringolava, sem
mais aquela, pirambeira abaixo,
exercício bom para
quem ainda não caiu em exercidos findos...
Pobre do meu trem
barroco!
Pelo vezo de chegar
tarde da noite
a acuidade do tabaréu
apelidara-o bacurau,
pássaro notívago,
errante em nossas estradas enluaradas.
Mas,
corriqueiramente, era o atraso devido mesmo aos viajantes que não renunciavam
ao cacoete de ir-ao-mato...
com sentido nas
pitangas.
O próprio
guarda-freios ressurgia com um pintassilgo na mão
(cantando, enquanto o
maquinista enfiava no embornal mais um jacu
(ou jabunda, versão
pudica da boa gente do campo).
Jabunda, corrigia
invariavelmente tia Queninha, a dona do Bananal.
Também, pra que
bobagem de horário?
Despropósito no tempo
sem pressa e sem ganância.
Na estação, que
cheiro bom invadia o carro!
Eram os bolinhos de
arroz,
que, às vezes,
rolavam pelo chão da verminose,
mas logo regressavam
à bandeja antes desequilibrada
na tropelia de
vendê-los (a vintém)
os meninos
amarelecidos pela malária.
Que saudades de meu
trem barroco!
Trem que sacolejava,
que fumava, que apitava, que badalava,
que soprava fagulhas
na roupa da gente,
que transportava as
eternas discussões eleitorais e eleitoreiras,
derivativo de não
fazer mal a ninguém.
Trem de arraiais
acordava, e lugarejos.
Que era a comunicação
total com o povo...
Esperar o trem, ouvir
o trem, ver passar o trem,
eis tudo para um
povinho de Deus à margem de tudo.
Acabaram com o velho
trem.
E não contentes, os
donos da façanha,
Receosos de que, belo
dia, retornasse, repleto de alegrias,
arrancaram-lhes os
trilhos.
Como quem de um corpo
vivo as artérias arranca
sangrando o seio da
terra monstruosamente...
Faltou salgar o chão
dos trilhos
tal qual o chão da
casa de Tiradentes.
Só permanecem,
espavoridos, raros postes de telégrafo,
fantasmas a relembrar
que ali houvera um trem.
Trem que carreava o
desenvolvimento pelos séculos afora,
construído pela
vontade férrea dos fazendeiros,
meus antepassados,
inclusive, de nomes não esquecidos ainda:
de estação de Manoel
Ribeiro, parada de Quinca Mariano...
Que saudades de meu
trem barroco!
Trem de valor
estratégico até:
ei-lo embuçado pela
macega da restinga,
percorrendo extensa
faixa do litoral brasileiro,
à espreita dos
flibusteiros de alto-mar...
Acabaram com o velho
trem.
Deixem estar senhores
iconoclastas.
As terras avoengas eu
irei rever.
A viagem que outrora
vezes tantas fiz,
refazê-la eu vou.
Feito andarilho,
escalavrando os pés nas pedras do caminho.
Penitência do
atentado horrendo.
Que paga o justo pelo
pecador.
Mas, os protestos
meus nãos os calarei jamais.
Nem ao transpor a
serra de Cala-a-Boca.
Que me perdoe a
tradição.
Minhas lamentações,
no estranho desfiladeiro,
o eco as repetira
intermitentemente, intermitentemente...
E, como não perde o
dom de transmudar fraqueza em força,
repetência até os
mortos há-de por-de-pé,
para a festança de
ver surgir de novo o trem,
a resfolegar espalhafatosamente,
embandeirado e suarento...
e todo mundo na
estação se abraçando,
a
chorar-de-contenteza...
Dez mil anos não
vamos esperar
Por esse dia
glorioso.
Rubens de Ararigboia
Publicado no livro Girassol
Editora Muiraquitã
Ano 2011
Prefácio de Hilda
Faria.
2ª Edição revisada e
ampliada e Ilustrado.
Na 4ª capa:
apreciação de Nélia Bastos.
Formato 21X14cm.
148 páginas.
Escrito pelo poeta
Rubens de Ararigboia. Um belo poema saudosista. Em que o autor descreve os
passeios que ele fazia em um trem, quando ele era adolescente. E que agora ficou apenas na lembrança. O poeta com essa sua narrativa nos faz viajar junto a ele e reviver toda a sua
trajetória. É um excelente passeio ao passado.
Ao lê o poema, em
nossas mentes o nosso imaginário se ilustra de paisagens daquele tempo e que as
mesmas seguem passeando em toda a situação. E nessa fluidez buscam-se também
todos os momentos embutidos na raiz dos nossos ancestrais e que somente quem
fez essas viagens de trem por tantas vezes sabem que essa máquina trouxe o
desenvolvimento para os lugarejos e conhecimentos aos habitantes em sua vida
diária.
Enfim, o universo do poema se utiliza da cadência antepassada,
genuinamente saudosista, colocando em realce a emoção e a sensibilidade.
Viajamos pelo período
em que pessoas simples, davam imenso valor aos objetos que transportavam vida e
alegrias aos corações.
Revisitamos os
subterrâneos do imaginário individual. Pois o poeta escreve com olhos
sensíveis. O poema em si é fonte de
aviso da transformação.
APOIO CULTURAL
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