MEMÓRIA: FOCUS PORTAL CULTURAL HOMENAGEIA EM 13 DE AGOSTO, O COMPOSITOR JACOB DO BANDOLIM, PELA PASSAGEM DOS 49 ANOS DE SEU FALECIMENTO.
JACOB PICK BITTENCOURT, nasceu em
14/02/1918, no RJ. Filho único, do capixaba Francisco Gomes Bittencourt e
da polonesa Raquel Pick, morava na casa de n° 97, da Rua Joaquim Silva,
na Lapa, onde, com restrições para ir brincar na rua, costumava, da janela,
ouvir um vizinho francês cego tocar um violino. E esse foi o seu primeiro
instrumento. Ganhou-o da mãe aos 12 anos, mas, por não se adaptar ao arco do
instrumento, passou a usar grampos de cabelo para tocar as cordas. Depois de
várias cordas arrebentadas, uma amiga da família disse; "..o que
esse menino quer é tocar bandolim..". Dias depois, Jacob
ganhou um bandolim, comprado na Guitarra de Prata. Era um modelo
"cuia", estilo napolitano, e segundo o próprio Jacob: "
...aquilo me arrebentou os dedos todos, mas eu comecei...".
Não teve professor, sempre foi
autodidata. Tentava repetir no bandolim trechos de melodias cantaroladas por
sua mãe ou por pessoas que passavam na rua. Aos 13 anos, da janela de sua
casa, escutou o primeiro choro, É do que há - composto e gravado pelo
famoso Luiz Americano -, tocado no prédio em frente, onde morava uma diretora
da gravadora RCA Victor. "Nunca mais esqueci a impressão que me
causou", afirmaria Jacob, anos mais tarde. Raramente saia à
rua. Seu negócio era ir a escola e ficar em casa tocando bandolim. Costumava frequentar
a loja de instrumentos musicais Casa Silva, na rua do Senado, n°
17, onde, para variar, ficava palhetando os bandolins.
Um dia, um senhor que tinha ido
consertar o violão ouviu Jacob tocar e se interessou. Deu-lhe um cartão e
convidou-o para fosse a Radio Phillips. Quando leu o cartão, Jacob ficou
atônito. O convite fora feito pelo próprio Luiz Americano, clarinetista,
compositor e intérprete do primeiro choro que tinha ouvido. Jacob chegou
a ir com um amigo violonista a porta da emissora mas, talvez por não se
considerar ainda preparado, desistiu e rasgou o cartão.
Em 20.12.33, se
apresentou pela primeira vez, ainda como amador,
na Rádio Guanabara, com um grupo formado por amigos, o Conjunto Sereno.
Apresentou o choro "Aguenta Calunga", de autoria de Atilio Grany,
flautista paulista, gravado pelo próprio autor naquele mesmo ano. Jacob não
gostou do seu desempenho e resolveu praticar mais. Nessa
época, ainda tocava de ouvido. Certa vez, na mesma Casa Silva, um
conhecido intérprete de guitarra portuguesa, Antonio Rodrigues ouviu Jacob
tocando violão. Provavelmente, os baixos acentuados da sua "levada"
de choro impressionaram o fadista, que o convidou para acompanhá-lo ao violão
em suas apresentações.
Em 05.05.34, Jacob se apresentou no
Programa Horas Luzo-Brasileiras, na Rádio Educadora e no mesmo dia à noite, no
Clube Ginástico Português, ao lado do guitarrista Antonio Rodrigues e dos
cantores de fado Ramiro D' Oliveira e Esmeralda Ferreira. Jacob ficou
surpreso com o interesse dos fadistas por seu violão. Além disso comparecia a
saborosas bacalhoadas e conheceu famosos artistas portugueses como a cantora
Severa e o guitarrista Armandinho. Boa comida, reconhecimento, experiência,
mas nada de cachê. A fase fadista durou pouco. O bandolim chamava por Jacob.
Ao tomar a decisão que o bandolim
"era o seu negócio" e nele se concentrar, Jacob, nesse momento,
iniciava a sua carreira radiofônica. Segundo ele, sem pretensões profissionais,
se inscreveu e venceu, em 27.05.34, o Programa dos Novos, na Rádio
Guanabara, organizado pelo jornal O Radical, derrotando 28 concorrentes e
recebendo nota máxima de um júri composto, dentre outros, por
Orestes Barbosa, Francisco Alves e Benedito Lacerda.
O sucesso foi tanto que Jacob foi
contratado pela rádio, passando a se revezar com o grupo do famoso flautista
Benedito Lacerda, o Gente do Morro, no acompanhamento dos principais artistas
da época, dentre eles, Noel Rosa, Augusto Calheiros, Ataulfo Alves, Carlos
Galhardo, Lamartine Babo. Em consequência, seu grupo, que era formado por
Osmar Menezes e Valério Farias "Roxinho" nos violões, Carlos Gil no
cavaquinho, Manoel Gil no pandeiro e Natalino Gil no ritmo, passou a se chamar
“Jacob e sua gente”.
A partir dai, tornou-se habitue das
ondas radiofônicas, ganhando cachês e se apresentando em praticamente todas as
estações de Rádio: Cajuti, Fluminense, Transmissora (atual Rádio Globo),
Mayrink Veiga, onde atuava no famoso Programa do Casé e Rádio Ipanema, que
posteriormente se tornou Radio Mauá e onde Jacob ganhou um programa só seu. Sua
atividade era tal que chegou a tocar varias vezes, num mesmo dia,
nas Rádios Educadora (nas 3 sedes, nas ruas 1º de Março, Senador Dantas e
Marques de Valença), Rádio Clube do Brasil e Rádio Sociedade, que ficavam
próximas, no Centro do Rio.
De 1955 a 1959, foi contratado pela
Rádio Nacional onde se apresentava com o Regional de César Moreno, composto por
Arthur Duarte (violão sete cordas), César Moreno (violão de seis cordas), Índio
(cavaquinho) e Luna (pandeiro). Retornou anos depois, quando marcou época com o
programa "Jacob do Bandolim e seus Discos de Ouro", que ficou em
cartaz até o seu falecimento, sendo que o último programa, gravado na véspera,
não chegou a ir ao ar.
Em 11.05.1940, Jacob se casou com
Adylia Freitas, sua grande companheira para toda a vida. Em 03.02.1941, nasceu
Sergio Freitas Bittencourt, que se tornaria compositor e jornalista, tendo
atuado como jurado, por vários anos, no Programa Flávio Cavalcante, e em,
08.04.1942, chegou Elena Freitas Bittencourt, que Jacob adorava, sendo um
verdadeiro pai-coruja e que se tornou cirurgiã - dentista. Elena se
tornaria mais tarde, presidente do Instituto Jacob do Bandolim.
Os primeiros anos foram difíceis,
pois os cachês de rádio, que antes lhe garantiam o ganha pão, não eram
suficientes para o sustento do casal e filhos. Foi quando se revelou a profunda
amizade e o apoio do violonista e histórico compositor Ernesto dos Santos - o
Donga - e de sua esposa a cantora Zaira de Oliveira pelo casal Bittencourt.
Apoio pessoal e material que veio em boa hora, pois, segundo Elena, D.
Adylia costumava comentar que "...eles mataram nossa fome algumas
vezes...".
Mais experiente e conhecedor das
dificuldades da profissão, Donga convenceu Jacob a prestar concurso público, ideia
que o bandolinista abraçou, pois sempre pretendeu alcançar uma
estabilidade que lhe permitisse realizar seus saraus e desenvolver sua
arte sem ser obrigado a acompanhar cantores e calouros eternamente, isso somado
ao temor de perder sua independência em virtude das pressões das
gravadoras e dessa forma, por não querer fazer concessões à industria
fonográfica, JACOB prestou concurso, sendo nomeado Escrevente Juramentado da
Justiça do Rio de Janeiro, mas continuou tocando bandolim, cada vez mais.
Na década de 40, o Regional de Benedito
Lacerda ocupava o posto de conjunto de maior popularidade e Jacob dividia o
tempo entre o Tribunal e a música, onde sua atividade principal era tocar em
rádios, principalmente acompanhando calouros. Porém, em 1941, a convite de
Ataulfo Alves, participou das gravações, Leva Meu Samba (Ataulfo Alves)
e a famosa: "Ai, que Saudades da Amélia" (Ataulfo Alves e Mário
Lago).
Em 1947, Jacob lança pela
gravadora Continental, seu primeiro disco como solista, um 78 rpm, com um
choro de sua autoria, Treme-treme e a valsa Glória, de Bonfiglio de
Oliveira, fazendo grande sucesso. Foi acompanhado por um grupo de músicos que
com ele tocavam nas rádios e que ficou registrado no rótulo do disco como sendo
César e seu conjunto, integrado por César Faria e Fernando Ribeiro,
violões; Pinguim, cavaquinho e Luna, pandeiro. César se tornou um dos grandes
amigos de Jacob por toda a vida.
Nesses quatro primeiros discos em 78
rpm gravados pela Continental, Jacob é acompanhado pelo grupo liderado
por César Faria, sendo que com a saída
de alguns integrantes originais, também
participaram dessa série de gravações, Jessé (violão); Canhoto, Elias
(cavaquinho) e Alberto (pandeiro). Em 1949, é contratado pela RCA Victor,
onde permaneceu até o final se sua carreira. Gravou cinqüenta e dois discos em
78 rpm, 12 LP`s, sendo dois ao vivo, e diversas participações em discos de
outros artistas e coletâneas. Gravou ainda um LP pela CBS, com Radamés
Gnattali. Assim, de 1947 a 1951 gravou com os músicos da Rádio Ipanema,
sempre com a presença de César Faria. De março de 1951 até março de 1960, foi
acompanhado, exclusivamente, pelo Regional do Canhoto. Nesse período, em
algumas gravações, JACOB foi acompanhado também por orquestras.
Entre o final de 1956 e 1958,
Radamés Gnatalli escreveu RETRATOS, uma suíte para bandolim, orquestra e
conjunto regional, onde homenageou, em cada movimento, um dos quatro
compositores que considerava geniais e fundamentais na formação da nossa música
instrumental: Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha
Gonzaga.
Como se revelasse uma fotografia
musical extraída da alma de cada um dos quatro homenageados, Radamés traz no
primeiro movimento um Choro baseado em Carinhoso, no segundo, uma Valsa a
partir de Expansiva, no terceiro, um Schottisch lembrando Três Estrelinhas e no
quarto movimento, um Maxixe "a la" Corta Jaca. Uma obra
de rara beleza e que exigia um solista sensível e com conhecimento
musical. Radamés dedicou a suíte Retratos a Jacob que
para executá-la foi obrigado a aprofundar seus estudos de teoria musical, que
havia iniciado em 1949, e para isso contou com a ajuda de Chiquinho
do Acordeon (Romeu Seibel) e com a sua própria obstinação.
Jacob registrou em seu gravador a estreia
radiofônica de Retratos interpretada por Chiquinho, na Rádio Nacional, no
final dos anos 50 e a partir daí estudou a obra continuamente para enfim
gravá-la em fevereiro de 1964. Em maio do mesmo ano, Jacob escreve uma carta a
Radamés para confessar que "...valeu estudar e ficar dentro de casa o
Carnaval de 64, devorando e autopsiando os mínimos detalhes da obra...", .Jacob
que começou tocando "de ouvido" e era fanático por ensaios,
revelava agora uma nova face, o de musico estudioso. Em agosto de 64, Jacob fez
a primeira audição pública de Retratos, acompanhado pela Orquestra da CBS, no
saguão do Museu de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Retratos foi um salto de
qualidade na carreira de Jacob e na música brasileira. Com a fusão entre a
linguagem camerística e a popular Radamés deu-nos uma nova leitura do Choro
que, embora pouco reconhecido a época, amadureceria cerca de 20 anos depois.
Em 1955, Jacob foi convidado pela
TV-Record/SP para organizar um "especial de TV" , um programa de
Choro que se chamaria Noite dos Choristas. Tal foi o destaque que a TV
RECORD escalou o principal apresentador da casa, Blota Junior, como mestre de
cerimônia ao lado de Jacob, tendo o programa ido ao ar em 12.05.1955.
Jacob percebendo a
importância de ter um programa ao vivo num dos
principais canais de TV do país, convidou grandes chorões, encabeçados
pelo mestre Pixinguinha, com quem tocou ao vivo no programa, acompanhados
pelo regional da TV. Record, mas guardou um trunfo para o encerramento. Colocou
no palco aquele que seria o maior regional de todos os tempos, com cerca
de 70 de músicos amadores.
O sucesso foi tanto que no ano
seguinte, em 1956, a TV-Record realizou a 2ª Noite dos Choristas. Empolgado com
a repercussão do megarregional do primeiro programa, e elogiado pelos maestros
Pixinguinha e Guerra Peixe, Jacob se superou e colocou no palco um regional
ainda maior, com 133 integrantes, assim distribuídos: 17 bandolins, 14
acordeons, uma flauta, um pífano, um saxofone alto, um trombone, 4 violinos, 4
violões tenores, 18 cavaquinhos, um serrote, 40 violões, 5 ritmistas e 3
baterias. O grande bandolinista Isaias Bueno, então com 19 anos,
foi um dos destaques nas duas noites. Infelizmente, segundo informações da TV -
Record, o vídeo tape dessas duas noites foi destruído. Não sabemos se pelo fogo
do incêndio ou pela ignorância de certos executivos que constantemente
reutilizavam fitas de programas passados para novas gravações. O único registro
que restou, além de algumas fotos, foi o áudio gravado pelo próprio Jacob
numa fita de rolo, hoje parte integrante do Arquivo do Jacob. A
importância e o respeito por Jacob no meio musical o levou a se apresentar em
todas as grandes emissoras de TV da época: Record, Rio, Excelsior, Tupi e
Globo.
No final dos anos 50, Jacob
gravava com o Regional do Canhoto mas tinha dificuldade de se
reunir para ensaiar em função da agenda lotada do grupo que era disputado por
todos os grandes cantores. A última participação do Regional do Canhoto com
Jacob foi no LP "Na Roda de Choro", gravado em março de 1960. Na sua
concepção, Jacob necessitava de um grupo de músicos que o acompanhasse e que
com ele se reunisse quando necessário. O novo grupo de músicos, criado ao seu
feitio e com o caráter de grupo exclusivo, participava regularmente dos saraus
realizados aos sábados em Jacarepaguá é era formado por Dino 7 Cordas, César
Faria e Carlos Leite (violões), Jonas Silva (cavaquinho) e Gilberto D’Avila
(pandeiro).
Com esse conjunto Jacob gravou
dois LP`s: “Chorinhos e Chorões” (1961) e “Primas e Bordões” (1962), com os
nomes de Jacob e seu Regional e Jacob e seus Chorões,
respectivamente. Em 1966, JACOB, que afirmava já ter ultrapassado a
fase "regional" batizou esse grupo com o nome de Conjunto Época
de Ouro, gravando com eles o LP “Vibrações (1967), com a participação de Jorge
Jose da Silva, o “Jorginho do Pandeiro" e o lendário show com Elizeth
Cardoso e o Zimbo Trio, no Teatro João Caetano (1968). Uma curiosidade é
que três dos cinco integrantes Época de Ouro, à exemplo de Jacob, além de
excelentes músicos, eram também funcionários públicos: César tornou-se Oficial
de Justiça; Carlinhos era Agente Fiscal e Jonas, funcionário público em
Niterói, o que certamente lhes permitia um maior contato com Jacob.
Em 1949, já residindo em Jacarepaguá,
na Rua Comandante Rubens Silva, 62, Freguesia, Jacob passou a realizar grandes
saraus que contatavam na platéia com a presença de grandes nomes da política,
artes e jornalistas que lá iam ouvir : Dorival Caymmi, Elizeth Cardoso, Serguei
Dorenski, Ataulfo Alves, Paulinho da Viola, Hermínio Bello de Carvalho, Canhoto
da Paraíba, Maestro Gaya, Darci Villa-Verde, Turíbio Santos e Oscar Cáceres
(violonista uruguaio).
Segundo Hermínio Bello de Carvalho,
assíduo participante dessas reuniões musicais:
"...quem participou de seus célebres saraus, tornou-se não apenas um
ouvinte privilegiado das noites mais cariocas que esta cidade já conheceu, mas
um discípulo sem carteira de um Mestre que não sonegava lições, que fazia
questão de repassá-las nas inúmeras atividades que exercia - inclusive como
radialista. Proclamava não ser professor e, por isso, não ter formado alunos.
Ignorava que, ao morrer, deixaria não apenas uma escola, mas uma universidade
aberta a todos que um dia iriam estudar o gênero a que se dedicou com rara e
profícua eficiência. Sua casa em Jacarepaguá era uma permanente oficina
musical, onde reunia a nata dos chorões cariocas, proporcionando a eles o
convívio com músicos de outros Estados, de quem fazia questão de registrar as
obras para posterior divulgação. Canhoto da Paraíba, Rossini Pereira, Zé do
Carmo, Dona Ceça e outros autores-instrumentistas eram recepcionados e
hospedados em sua casa, num gesto de ampla generosidade por quase todos, reconhecido.
Recebia também artistas internacionais do porte de Maria Luisa Anido, Sergei
Dorenski e Oscar Cáceres em saraus memoráveis..."
Além de ser um instrumentista próximo a
perfeição, JACOB também era um incansável pesquisador, responsável pelo resgate
e preservação da obra de vários mestres, tais como Ernesto Nazareth,
Candinho do Trombone e João Pernambuco. Gravava sua atividade musical em
rolos magnéticos; recortava jornais; recolhia partituras e cadernos de choro;
colecionava discos, inclusive, os feitos de cera; em suma , tinha uma
preocupação histórica com a preservação de nossa cultura musical.
Tal era a sua dedicação em preservar
tudo que se relacionasse com a música brasileira, particularmente, o Choro, que
Jacob, que era fotógrafo premiado e dominava a técnica de revelação
fotográfica, chegou a microfilmar milhares de partituras para ganhar
espaço e qualidade de preservação. Jacob passava as madrugadas cuidando desse
tesouro até seu falecimento, em 1969. Com milhares de peças, incluindo
discos, partituras, fotos e matérias jornalísticas esse acervo, ficou conhecido
como “O Arquivo do Jacob”, e foi incorporado, em 1974, ao acervo do Museu da
Imagem e do Som/RJ.
Foram incorporados ao MIS/RJ e
constituem o Arquivo do Jacob:
Além desse acervo, foram também
incorporados dezenas de rolos de microfilmes de partituras feitos por Jacob.
Esses filmes, que ficaram guardados de forma inadequada, por mais de 30 anos,
foram reencontrados em agosto/2002, pelo Instituto Jacob do Bandolim, no fundo
de uma gaveta de um arquivo no MIS. A maioria estava em estado
irrecuperável. Além de seu zelo e obstinação, JACOB contou sempre com o
apoio e a organização de sua esposa Adylia, grande companheira e
responsável pela manutenção do arquivo.
1. 401 discos de 78 rpm;
142 discos LP's ;
122 fitas de rolo
1. 209 livros e revistas;
5.458 partituras,
34 cadernos manuscritos de choro
10 álbuns de fotos
314 fotos avulsas
rolos com partituras microfilmadas
um bandolim
um cavaquinho
milhares de fichas de registro
móveis de
sua casa
Em 19.03.67, foi concedida
a Jacob, pelo Clube de Jazz e Bossa, a
Comenda da Ordem da Bossa. Jacob ao chegar ao Teatro Casa Grande, na Zona
Sul do Rio de Janeiro, para receber a medalha, se espantou ao ver um público de
jovens, diferente daquele que estava acostumado a ter em seus saraus em
Jacarepaguá, chegando a pensar em não se apresentar. Convencido por amigos
mudou de ideia e fez uma apresentação antológica, mas tomado pela emoção dos
aplausos após interpretar Lamento e enquanto iniciava os primeiros acordes de
Murmurando, sofreu seu primeiro enfarte e foi direto para o hospital.
No início de agosto de 1969, Jacob
interrompeu uma estadia em Brasília onde estava se tratando com o
"cardiobandolinista" Dr. Veloso e retornou ao Rio de Janeiro para
reassumir suas funções no Conselho de Música Popular do Museu da Imagem e do Som
do RJ, onde ocupava a Cadeira n° 22 e para retomar as gravações de seu programa
de rádio na Rádio Nacional - Jacob e seus Discos de Ouro - um dos poucos
programas especializados em choro e samba no rádio brasileiro, sempre
transmitido as 23h30min.
O formato do programa fora idealizado
pelo próprio Jacob. Com sua voz potente de locutor, Jacob antes de apresentar
cada música, sempre fazia comentários sobre fatos ligados ao interprete,
compositor ou sobre a situação porque passava a música popular brasileira.
Nessa época, por precaução, após dois
enfartes, Adylia não permitia que Jacob saísse sozinho. Mas, no dia 13.08.69,
uma quarta-feira, Jacob, que desde que havia retornado de Brasília insistia em
ir ver Pixinguinha pois soubera que o amigo passava por problemas,
resolveu ir a Ramos de qualquer jeito. D. Adylia que estava adoentada e não
podia acompanhá-lo, relutou mas acabou concordando. Dentre outras coisas, Jacob
queria acertar com o amigo Pixinga a realização de um velho sonho. A gravação
de um disco só com músicas do velho mestre e com a renda revertida para
ele. Jacob passou a tarde com Pixinguinha e ao retornar para sua
residência em Jacarepaguá, ainda dentro do carro sofreu o terceiro enfarte,
falecendo na varanda de sua casa, nos braços da esposa, por volta das 19h.
Naquela semana, Jacob havia gravado na
Rádio Nacional três programas que não chegaram a ir ao ar. No último, o de n°
244, que iria ao ar no dia 15, sexta feira, a fala de abertura foi dedicada ao
relançamento pela gravadora Som de uma coletânea "É Bossa Mesmo" com
músicas de Ataulfo Alves, então recentemente falecido. Na oportunidade,
Jacob saldou o lançamento, mas fez sérias críticas as gravadoras por não darem
destaque aos artistas quando em vida e quererem faturar após a sua morte com
coletâneas. Como se vê, tratou-se de um documento de incrível premonição, pois
poucos dias depois, Jacob faleceria.
Ironicamente, aquilo que Jacob
denunciou em seu último programa, sobre o descaso com Ataulfo, viria a
acontecer com ele mesmo. Nos seus últimos cinco anos de vida, no auge de sua
carreira, de 1965 até 1969, Jacob gravou em estúdio apenas um LP, Vibrações,
considerado por unanimidade o seu principal disco e um dos melhores discos
instrumentais de todos os tempos. Após seu falecimento, até hoje, em 2004,
foram lançados cerca de 10 Lp's e 16 Cd's com o mestre do bandolim.
A obra de Jacob do Bandolim
transcendeu em muito os limites da Rádio Ipanema, onde começou em 1937, com o
conjunto Jacob e Sua Gente. Décadas se passaram e seus discos viajaram e
foram sendo relançados mundo afora, particularmente, no Japão e nos EUA.
Músicos consagrados interpretam seu repertório, seja na França, Venezuela,
Egito, Rússia e Portugal, redesenhando as reais fronteiras da obra do nosso
primo das cordas. Recentemente, uma pesquisa em um sitio de busca na
Internet revelou cerca de 8.000 resultados a partir do nome Jacob
do Bandolim, em todo o mundo.
Certa vez, na década de 60, o pianista
concertista russo Serguei Dorenski ao retornar a Moscou, ainda
desconcertado depois de participar, em Jacarepaguá, na casa de Jacob, de um
inesquecível sarau, encontrou-se com Arthur Moreira Lima que por lá estudava piano
e relatou o que vivera naquelas horas no reduto chorão de Jacarepaguá. Arthur
se comprometeu, então, em fazer chegar às mãos de Dorenski, alguns
discos de Jacob. Meses depois, em plena Moscou, um amante do choro, o arquiteto
Alfredo Britto entrega ao pianista russo uma coleção de LP's de Jacob.
Poucos dias depois, a Rádio Moscou transmitia programas sobre um gênero ainda
desconhecido para eles: o Choro, apresentando um virtuoso interprete, que
tirava sons incríveis de um instrumento que lembrava a balalaika, espécie de
bandolim russo, e de nome complicado de se pronunciar - Jacob do
Bandolim. Assim, é obra de Jacob, sem fronteiras.
Jacob sempre perseguiu a perfeição da
execução e a excelência na preservação da nossa música, sem, contudo ser um conservador.
Municiava-se de recursos tecnológicos de ponta à época (anos 50),
para obter resultados inovadores, na busca de novas sonoridades, ou
para melhorar o registro de seus arquivos. Foi assim ao inventar instrumentos
musicais, como o vibraplex (violão tenor ligado a um órgão Hammond), onde
obteve um som parecido com os atuais aparelhos sintetizados e um bandolim em
formato de guitarra. Da mesma forma, quando estudou, à fundo, a arte
fotográfica, para poder microfilmar suas partituras, pois arquivos
físicos não lhe bastavam, em se tratando de milhares de partituras a serem
preservadas.
Hoje, são raras as rodas de choro onde
não se ouvem as cordas de um bandolim, são raros os bandolinistas que não tem
em Jacob sua referência musical e, principalmente, é raro o país que teve
o privilégio de ter tido um Jacob do Bandolim. Faleceu no Rio de Janeiro, em 13
de agosto de 1969.
DA EDITORIA DO FOCUS.
Estamos a 49 anos de seu falecimento. Jacob do Bandolim merece as nossas reverências, pelo grande musicista que foi em vida, pela importância de seu trabalho à cultural brasileira. Portanto, trouxemos o artista para fazer parte da memória do Focus Cultural.
FONTES
Tributo a Jacob (Discografia) / Sergio Prata e Maria V. Pugliesse / Rio, CECAC, 2003;
Arquivos da família Bittencourt;
Depoimentos de Déo Rian, Elena Bittencourt e César Faria ;
Jacob do Bandolim / Ermelinda de Azevedo Paz , Rio, Funarte, 1997;
O Choro: do Quintal ao Municipal / Henrique Cazes, São Paulo, Editora 34, 1998.
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