domingo, 1 de agosto de 2021

VALE A PENA VER DE NOVO. SÁVIO SOARES DE SOUSA: INTELECTUAL DO ANO EM 2011 ENTREVISTADO POR ROBERTO KAHLMEYER-MERTENS

 



Poeta, crítico literário e jornalista, foi professor de Latim e noções de Direito Usual na incipiente Universidade Federal Fluminense (UFF). Nascido em Niterói/RJ, em 1924, desde o início da década de 1950 colabora em suplementos literários, como Letras fluminenses, O Gládio e Prosa & verso, de O Fluminense. Atuante na vida cultural fluminense, é fundador de diversos grêmios e grupos literários, como Grêmio Literário Humberto de Campos (1944), Clube de Poesia de Niterói (1956), Grupo dos Amigos do Livro (1957); Associação Niteroiense de Cultura Latino-Americana (1964) e Grupo de Letras Fluminenses (1954). Participa de diversas instituições, entre elas, com destaque, as academias Fluminense e Niteroiense de Letras. Em 1965, manteve um programa radiofônico sobre poesia, intitulado Suave é a noite, na Rádio Sociedade de Nova Friburgo. Atualmente é um dos principais colunistas da Revista Bali - Boletim da Academia de Letras de Itaocara, dirigida por Kleber Leite.

Extrato de entrevista de Sávio Soares de Sousa, concedida a Roberto Kahlmeyer-Mertens

Sua formação em nível superior é no campo do Direito?

Sim, bacharelei-me em Direito por causa de meu pai. Eu sonhava com a carreira diplomática e com o magistério universitário. Estava na dúvida, e meu pai me falou: “ – Seria mais interessante que você fizesse Direito, pois eu já tenho os livros, a experiência, o escritório e a clientela”. Cursei a Faculdade de Direito, mas não tinha muito tempo para o estudo, porque, sendo de família pobre, era empregado bancário, com um horário absorvente, das 8 da manhã às 6 da tarde, e, assim, não fui o bom estudante que poderia ter sido. Com o diploma na mão, pensei comigo: “ – E agora: o que fazer com este canudo?” Advoguei por algum tempo, mas não me sentia com grande vocação para os debates forenses. Um dia, surgiu a oportunidade de tentar um concurso para o ingresso na Magistratura. Na data das inscrições, alguém, certamente um enviado de Belzebu, me falou assim: “ – Rapaz, você vai fazer papel de palhaço. Desde há muitas décadas, só passa nesses concursos quem seja apadrinhado. É um jogo com cartas marcadas. Só entra quem for filho de desembargador, ou de político, gente poderosa. Você é filho ou parente de desembargador? Seu pai não é um advogado influente e você não terá chance alguma. Não perca o seu tempo!” Ouvi o conselho, desisti da inscrição, rasguei a papelada... Joguei fora uma boa oportunidade. Verifiquei, depois, que entre os aprovados e nomeados figuravam muitos candidatos que não gozavam de nenhuma proteção ou favoritismo. Eu poderia ter sido um deles, imagino, porque, para suprir as deficiências do curso universitário, havia consumido noites e noites estudando Direito através da jurisprudência contida nos quatrocentos volumes da Revista dos Tribunais, adquiridos com esse objetivo.

Quem sabe não seria hoje um desembargador aposentado, na melhor das hipóteses? Alguns meses depois, abriram-se as inscrições para o concurso de ingresso no Ministério Público Estadual. Preparei a documentação necessária e no dia das inscrições me aparece, novamente, um desses emissários dos infernos, com a mesma cantilena. Não lhe dei ouvidos. Inscrevi-me, fiz o concurso e obtive ótima classificação. Fui nomeado Promotor de Justiça, exerci a função nas comarcas do interior por dez anos, e, finalmente, promovido por merecimento ao cargo de Procurador de Justiça, permaneci, durante vinte anos, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, junto às Câmaras Criminais, emitindo pareceres, inclusive, em casos criminais de grande repercussão. Nesse cargo me aposentei aos sessenta e nove anos de idade, em 1991.

E a passagem para a literatura, como foi?

Também aí se fez sentir a influência de Doutor Osvaldo Soares de Sousa, meu pai, que era inteligente e culto, e amava a literatura, sabe? Ele exerceu a advocacia pela necessidade de sustentar uma família numerosa – quinze filhos, além de agregados. Sua biblioteca ocupava um cômodo inteiro de nossa casa modesta, e era rica de volumes valiosos. E assim é que ele nos reunia, aos filhos maiores, na sala de visitas, à noite, e lia para nós, com um entusiasmo que nos empolgava, poemas de Gonçalves Dias, Castro Alves, Olavo Bilac e os poetas de sua preferência. Nunca publicou livros, embora também fosse poeta e autor de numerosos sonetos, divulgados pelos jornais e revistas do seu tempo de moço.

A influência paterna é, então, determinante em sua história com a literatura?

Sem dúvida!

Mas há, também, os movimentos literários como a roda do Calçadão da Cultura, em cuja gênese o senhor se encontra.

É verdade. Tomei parte em alguns movimentos literários e grupos dedicados à expansão da cultura, sobretudo à democratização da cultura. Sempre fui avesso a círculos fechados, a panelinhas de elogio mútuo, focos, muitas vezes, da exclusão de autênticos valores. No caso do Calçadão da Cultura, as coisas aconteceram meio na base do improviso, compreende? Fui, durante muitos anos, o orador oficial do Grupo de Amigos do Livro, por opção do livreiro Silvestre Mônaco, a quem me prendiam fortes laços de amizade.

Mas como surge esse movimento literário? Imagino que movimentos como esses círculos devam surgir como coisa inesperada, espontânea? Ou teria havido um projeto, com diretrizes, estatutos?

Esses movimentos, em regra geral, brotam de um pequeno grupo, que idealiza certo tipo de organização, com objetivos definidos, e depois crescem, com a adesão de novos elementos, atraídos pela novidade ou pela oportunidade de revelar seus talentos. Aí, sim, há estatutos, manifestos, debates preliminares. Mas, como já lhe disse, no Calçadão da Cultura, nada se fez de caso pensado, não houve premeditação. Isoladamente, éramos todos frequentadores da Livraria Ideal, na época em que a livraria era só uma portinha, na Rua da Praia. Um dia, o Silvestre Mônaco, pai do Carlos, e primeiro proprietário, juntamente com o sócio Emílio Petraglia, resolveu ampliar as dependências da loja. Terminada a obra, ele nos convidou, a mim, ao Carlos Couto, ao Luís Antônio Pimentel e ao Roberto Silveira, para organizarmos a comemoração do acontecimento. Como contribuição pessoal, adquiri um livro de presença, para o registro do comparecimento de fregueses e para a lavratura das atas de reunião, quando houvesse, e o ofereci, no dia da festa, ao Silvestre. Em meio à festa, o advogado Manoel Martins sugeriu que se aproveitasse a oportunidade para lançar a pedra fundamental de um grupo permanente de leitores ligados à Livraria Ideal. Foi lavrada uma ata e assim surgiu, em termos positivos, o Grupo dos Amigos do Livro. Todos os presentes assinaram a ata e o livro de presença é, hoje, um documento histórico. A minha escolha para orador do Grupo foi, apenas, uma consequência da oferta do livro de presenças (risos).

Era uma turma boa: Roberto Silveira, Afonso Celso Nogueira Monteiro, Gomes Filho, Aurélio Zaluar, Marly Medalha, Milton Nunes Loureiro, De Azevedo Rolim, Luiz Magalhães, Sylvio Lago, Raul Stein de Almeida, Dayl e Lyad de Almeida, Arino Peres, e muitos outros... O Grupo passou a se reunir regularmente, e o Geir trouxe muita gente do Rio de Janeiro para nos visitar, como o crítico Agripino Grieco.

Muitos podem ter sido os acontecimentos dignos de serem narrados. O senhor lembra-se de alguns?

A história do grupo é bem divertida e variada... Existem muitas estorinhas... assim, de cabeça, poderia lembrar algumas (...)


FONTE: http://literaturavivencia.blogspot.com/.../savio-soares...

Nenhum comentário:

Postar um comentário