O Focus Portal Cultural homenageia Angeli Rose através de sua entrevista
COMO EU ESCREVO
https://comoeuescrevo.com/angeli-rose/
Angeli Rose é poeta, autora de
“Biografia Não Autorizada De Uma Mulher Pancada”.
Como você começa o seu dia? Você
tem uma rotina matinal?
Sim. Tenho uma rotina que me
acompanha há anos, quando não estou viajando. Eu acordo muito cedo, durmo muito
tarde e pouco. Então, meu dia rende bastante.
Costumo cuidar dos afazeres da
casa pela manhã, incluindo saída para resolver algo, se necessário, ou
participação em grupo de pesquisa; depois das 12 horas leio um pouco, o que me
mobiliza para escrever; à tarde, escrevo, alternando com alguma pesquisa ou
estudo relacionados à escrita em questão. Por volta das 19 horas encerro a
escrita profissional e fico a partir disso, lendo, estudando, fazendo anotações
avulsas só sobre o que tenho vontade ou me ocorre. Geralmente, os projetos
criativos surgem nessa etapa do dia.
Às atividades relacionadas à
docência, por exemplo, dedico 4 horas da segunda feira, à tarde. Tudo isso fica sujeito a alguma modificação
quando surge algum evento, como oficina, palestra a ministrar, ou representação
(sou vice-presidente da ALB/Campos-RJ).
Já em viagem, embora consiga trabalhar
bem em hotel, os horários ficam ao sabor do roteiro de atividades previstas
para o período.
Em que hora do dia você sente que
trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Como disse, à tarde é o meu
período principal de dedicação à escrita.
Você escreve um pouco todos os
dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Já tentei me administrar com meta
diária, mas só quando estou escrevendo prosa. No caso de estar escrevendo
poesia, não consigo. Em realidade, sou indisciplinada na escrita, tanto
acadêmica como literária. Aquela rotina me acalma, mas não garante uma produção
regular.
Como é o seu processo de escrita?
Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se
move da pesquisa para a escrita?
O meu processo já se modificou
bastante, mas de fato há períodos em que a escrita surge como uma respiração e
se não fizer o que tem de ser feito, nem durmo! Em outros períodos, sinto-me
como se só conseguisse escrever o que está programado, encomendado ou me decidi
a fazer e concluir, por exemplo, a participação em antologias que é algo com
prazo.
Quanto ao processo de escrever em
si, geralmente vem de leituras muito especificas, como de filosofia.
Mas para a coluna semanal do
Clarín, digital, das 4as feiras, minhas crônicas são produzidas a partir de
memórias de participação em eventos culturais, da leitura de livros de amigas,
de um acontecimento incontornável, como por exemplo, os 2 anos da morte de
Marielle Franco, dia 14/3. Nessa ocasião, a data de nascimento de Carolina de
Jesus esperou para ser tratada em crônica posterior dedicada a ela.
Agora, a escrita acadêmica é
totalmente diferente, mesmo para um simples parecer, ou um artigo, é sentar e
ficar até que no mínimo uma página tenha sido produzida com confiança e clareza
das fontes de consulta e pesquisa.
Como você lida com as travas da
escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a
ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Lido mal com as travas da
escrita. A diferença é que, com o tempo, não adoeço ou sofro mais. Às vezes,
perco a produção por não acreditar nela, mas fico bem hoje em dia.
Nesse sentido, o doutorado foi o
divisor de águas, porque foi um projeto acadêmico longo sobre formação de leitores,
então, pude ler muito sobre essa atividade na formação de escritores, por
exemplo. Além, disso, eu peguei uma época, em que o abandono do pós-graduando
era praticamente total, aliás, desde o mestrado. Isso foi um aprendizado enorme
sobre como funciono em relação a esse tipo de responsabilidade. Foi caso de
paixão e ódio; tapas e beijos…
Estou aqui, né? Consegui fazer
mestrado, doutorado, 3 especializações com monografias, um pos-doc e por aí…
E as travas para o fazer
literário? Costumam durar meia hora.
Quantas vezes você revisa seus
textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para
outras pessoas antes de publicá-los?
Deveria revisar mais, mas
normalmente, leio 3 vezes (2 seguidas e 1 vez depois de esquecer o texto e
retomá-lo).
Dificilmente, dou textos não
publicados para outros lerem. As pessoas andam sem tempo…
Acho legal quando acontece, pois
é raríssimo conseguir leituras atenciosas, mas se ocorrem, viram um grande
encontro que termina num bom vinho.
Como é sua relação com a
tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Sou mediadora de EAD, tendo
migrado dos cursos presenciais para a EAD nos últimos 4 anos. Isso me exigiu
mergulhar na tecnologia, mais do que gostaria e menos do que deveria.
A pesquisa que atualizei no
pós-doutorado na UFRJ em Educação tratou da ciberliteratura como objeto de
aprendizagem na formação de professores do curso de Pedagogia, por exemplo,
isso fez-me apreciar muitas obras contemporâneas que exploram as tecnologias da
informação e de criação estética, mas não as incorporei no meu trabalho
literário(ainda).
De onde vêm suas ideias? Há um
conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
As ideias vêm dos livros que li e
leio, das notícias de jornal, bem ao gosto de Bandeira, dos encontros e
desencontros da vida, principalmente. Sou boa ouvinte, então, escuto um caso
aqui, outro ali, e me alimento. Mas conhecer ou ler sobre episódios históricos,
ou culturas diferentes também são combustíveis, mesmo que não os aproveite em
meus escritos.
Há algo que me mobiliza? Pode
contar que estarei a meditar sobre como a linguagem pode manifestar aquilo que
me mexeu. Daí pra surgir o poema, é o que deverá acontecer logo.
O que você acha que mudou no seu
processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesma se pudesse
voltar à escrita de seus primeiros textos?
Eu gosto muito do filme “A ÉPOCA
DA INOCÊNCIA “, perdi a conta de quantas vezes retomei trechos dele e os revi
até compreender o que ainda me mobiliza nele.
Para onde foi a inocência?
Então, aquela perda da inocência,
tematizada no filme, talvez tenha sido o que mais tenha mudado. Ou não. Parece que há uma criança dentro de mim que
pede pra brincar insistentemente e, ao lado, vejo sentada uma senhora tranquila
sem fé alguma. Senti isso em relação àquele filme de que gosto muito e
reconheço algo semelhante em relação à escrita.
Eu diria: escreva como quiser e
não se importe tanto com os outros.
Por que diria isso? Porque
demorei muito para ter coragem de publicar. Passei um processo muito doloroso
de veto do meu primeiro romance, que se perdeu no tempo. Sinto até hoje a dor
de não tê-lo publicado. E já não sei se o será, talvez, outro, mas não o que
fiz com as vísceras. Não sei…
Que projeto você gostaria de
fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não
existe?
Essa última é a pergunta de 100
milhões de dólares!
Acho que o projeto que alia meus
conhecimentos de tarô com os personagens que já tenho em mente e desenhados em
rascunhos, para um romance, quem sabe…
E o que ainda não li? Não li tanta coisa já feita, que acho melhor pensar em garantir o que está aí, adormecendo nas prateleiras ou dormitando nas telas, mas certamente ainda não li e gostarei de ler o próximo romance de mais uma nova escritora brasileira que surgir no cenário literário contemporâneo.
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