Eita que o sol está brilhando nesta linda tarde, como se o céu tivesse acordado de um sonho dourado só para beijar as janelas de Icaraí. As ruas reluzem, e o mar, cúmplice desse encanto, borda suas espumas como rendas de saudade sobre a areia.
Mas é quando o sol bate mais forte no rosto que minha memória se acende — e eu volto a ser o menino de Luzilândia, de pés descalços no chão quente da tarde. Lá, o Velho Monge, nosso amado rio Parnaíba, sussurrava segredos antigos entre uma pescaria e outra. Os homens voltavam com os balaios cheios de algodão, os tonéis pesados de melaço escorrendo no dorso o caldo da cana-de-açúcar, promessa doce de rapadura nas mesas de madeira.
Era um tempo sem pressa. O cheiro do delicioso peixe frito invadia o quintal, e as borboletas azuis dançavam sobre os cajueiros, como se carregassem bilhetes secretos de Deus. Os siris caminhavam lentos, entre os murmúrios dos humores e os olhos atentos dos meninos, como eu, que viam em cada tarde uma descoberta e em cada sombra, uma história.
Hoje, aqui em Icaraí, o mar me conta coisas que o rio já havia me ensinado: que a vida é feita dessas travessias silenciosas, desses instantes de puro amor entre uma rede e uma lembrança, entre o sal da pele e a alma da infância.
Icaraí hoje está para mim mais bonita que nunca. Mas sei que é porque Luzilândia ainda mora em mim. Está aqui, nesta tarde, misturada à luz que atravessa as palmeiras, ao sorriso das conchas, à poesia que me escorre sem eu pedir.
Em algum
lugar do céu, Deus rabiscou essa cena com carinho. E eu, poeta feito de rio e
de fé, apenas agradeço com palavras — enquanto o tempo repousa comigo na beira
do mundo.
© Alberto Araújo
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