Foi hoje, ao entrar no Facebook, que
me deparei com uma imagem que parecia conter um pedaço inteiro do mundo. Na
página de Anabella Martinho Cardoso, o Arco da Rua Augusta, em Lisboa, surgia
iluminado pela noite: azuis profundos, brancos que lembravam mármore
recém-polido, e laranjas quentes que pareciam vir do coração das lâmpadas
antigas. A fotografia não era apenas bela, era um convite.
O arco, erguido no final do século XIX
para celebrar a reconstrução da cidade após o devastador terremoto de 1755, é
mais que um monumento: é um símbolo de renascimento. As inscrições em latim,
gravadas no alto, ecoam como um manifesto: VIRTVTIBVS MAIORVM — “Às virtudes
dos maiores” — e VT SIT OMNIBVS DOCVMENTO.P.P.D. — “Para que sirva de
ensinamento a todos. Dedicado a expensas públicas”. Palavras que, mesmo
atravessando séculos, ainda soam como um lembrete de que a grandeza não é
apenas herança, mas responsabilidade.
E ali, na pedra trabalhada, a história
se materializa em figuras. No coroamento, obra de Célestin Anatole Calmels, a
Glória ergue-se coroando o Gênio e o Valor, alegorias que traduzem a
criatividade e a coragem que moldaram Portugal. Mais abaixo, esculpidos por
Vítor Bastos, estão personagens que não são apenas nomes de livros escolares,
mas pilares da identidade nacional:
Marquês de Pombal, o estadista que
reconstruiu Lisboa com visão e firmeza.
Vasco da Gama, o navegador que abriu a
rota marítima para a Índia, expandindo horizontes e mapas.
Viriato, o líder lusitano que resistiu
à ocupação romana, símbolo de bravura e resistência.
Nuno Álvares Pereira, o condestável
que garantiu a independência portuguesa na Batalha de Aljubarrota.
Aos pés dessas figuras, repousam ainda
as representações dos rios Tejo e Douro, como se a própria geografia do país
estivesse ali para lembrar que a história portuguesa é inseparável da água, seja a que banha suas margens, seja a que
levou suas caravelas ao desconhecido.
Enquanto observava a foto, percebi que
o arco não é apenas uma passagem física entre a Praça do Comércio e a Rua
Augusta. É também uma passagem simbólica entre tempos: o passado glorioso dos
Descobrimentos, o trauma e a reconstrução após a catástrofe, e o presente vivo,
pulsante, onde turistas e lisboetas se misturam sob a mesma luz.
Imaginei-me caminhando por aquela rua,
ouvindo o som de um músico de rua dedilhando uma guitarra portuguesa, sentindo
o aroma de café e pastel de nata vindo de uma esquina. O chão de pedra, gasto
por séculos de passos, guardaria histórias que não cabem em livros. E, ao
atravessar o arco, talvez eu sentisse o mesmo que sentiram tantos antes de mim:
a certeza de que Lisboa é uma cidade que se reinventa sem nunca perder a alma.
Fechei a imagem, mas ela não me
deixou. Ficou como uma lembrança inventada, dessas que a gente cria quando a
imaginação se mistura com a história. O Arco da Rua Augusta não é apenas um
monumento, é um lembrete de que, assim como as pedras que o sustentam, nós
também somos feitos de camadas: de memórias, de lutas, de vitórias e de sonhos.
E talvez seja por isso que, mesmo a milhares de quilômetros, senti que já tinha
passado por ali.
© Alberto Araújo
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COMENTÁRIOS
CE Maria Helena disse: Ilustríssimo
Amigo Alberto, Hoje, me levaste as lágrimas. Ao ver o Arco da Rua Augusta, por
onde um dia passei para chegar ao porto e embarcar no Navio Vera Cruz e chegar
ao porto do Rio de Janeiro, chorei muito naquele momento. Em outubro 2019, após 59 anos e 5 meses, ao
chegar ao Aeroporto da Portela, não chorei. Mas ao chegar 2 dias depois a Rua
Augusta e passar pelo Arco para chegar na Praça do Comércio, não consegui segurar
as abundantes lágrimas de felicidade, por estar mesmo por pouco tempo em casa.
Não achei o antigo porto no lugar, mas sim mais perto da Foz do Tejo no
Atlântico. Continuando, sou do Distrito
de Viseu, terra de Viriato, onde todos têm de ser corajosos e dispostos para
defender sempre sua Terra. Obrigada querido amigo, por me ter feito chorar ao
ver MEU Arco, tão longe, de mim
distante, mas sempre será MEU.
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Companheira Elista e muito
querida Maria Helena, acredita que as suas palavras trouxeram uma emoção imensa
aqui em casa. Minha esposa Shirley, que carrega em sua alma a essência
portuguesa, não conteve as lágrimas ao ler o seu relato. O Arco da Rua Augusta,
que para você é lembrança de despedida e reencontro, tornou-se também para nós
um símbolo vivo de saudade, coragem e regresso. O coração vibra ao imaginar
seus passos, tanto naquele adeus ao Vera Cruz quanto no retorno, tantos anos
depois, pela mesma passagem de luz e memória. Viseu, terra de Viriato, parece
pulsar em cada linha sua, revelando a fibra e a coragem que guardam raízes
profundas. Obrigado por partilhar conosco essa beleza tão íntima e verdadeira.
O seu Arco, Maria Helena, agora também nos pertence, porque ele passa a ser
ponte de sentimentos entre nós. Com carinho e amizade, Alberto Araújo.
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Rosa Castro da Rede Sem
Fronteiras disse: Crônica perfeitamente bela, histórica e poética! Parabéns,
nobre escritor Alberto Araújo 👏👏
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Olá, adorável amiga Rosa Castro, suas palavras são como um afago para a alma
desse humilde escritor. Receber de você esse reconhecimento é motivo de alegria
e gratidão.
Muito obrigado pelo carinho e pela leitura atenta, seguimos juntos, celebrando
a história e a poesia da vida. Feliz final de semana. Alberto Araújo