O poema "Meus Oito Anos" de Casimiro de Abreu é uma das obras mais emblemáticas do romantismo brasileiro, evocando com singeleza e profunda emoção a pureza e a alegria da infância. Através de uma linguagem lírica e sentimental, o eu lírico revisita um tempo de despreocupação e intensa conexão com a natureza, contrapondo-o à melancolia da vida adulta.
O título, por si só, já delimita o foco temporal do poema: os oito anos de idade, um período frequentemente associado à inocência e à liberdade. A repetição do verso inicial, "Oh! Que saudades que tenho / Da aurora da minha vida,", estabelece o tom nostálgico que permeia toda a composição. A exclamação e o uso da interjeição "Oh!" intensificam o sentimento de saudade, apresentando a infância como um paraíso perdido.
A natureza surge como um cenário idílico para essa fase da vida. Elementos como "os campos", "o céu de anil", "a relva", "a fonte que corria" e "o riacho" compõem um quadro bucólico onde a criança se sente livre e integrada. A descrição sensorial é rica, apelando à visão (azul do céu, verde da relva), ao som (canto dos pássaros, murmúrio da fonte) e ao tato (frescor da relva), transportando o leitor para essa atmosfera de felicidade.
A linguagem utilizada por Casimiro de Abreu é marcada pela simplicidade e pela musicalidade, características do romantismo. Versos como "Que auroras, que manhãs tão claras!" e "Que sol! que céu azulado!" expressam a admiração do eu lírico pela beleza singela do mundo ao seu redor, filtrada pelos olhos de uma criança.
As atividades descritas remetem à espontaneidade e à despreocupação infantil: "viver contente", "correr nos campos", "ouvir os passarinhos", "apanhar as flores". Não há grandes feitos ou preocupações complexas; a felicidade reside nas pequenas coisas e na liberdade de explorar o mundo natural.
A força do poema reside também no contraste implícito entre a felicidade da infância e a possível melancolia da vida adulta. A saudade expressa no primeiro verso ecoa ao longo da composição, sugerindo que essa pureza e alegria se perderam com o tempo. Embora o poema se concentre no passado, a intensidade da saudade revela uma insatisfação ou um vazio no presente do eu lírico.
A ausência de detalhes específicos sobre a vida adulta intensifica o idealismo da infância retratada. O foco permanece na beleza e na liberdade daquele período, tornando a perda ainda mais sentida.
"Meus Oito Anos" incorpora
diversos elementos característicos do romantismo brasileiro:
O ambiente natural é central e idealizado, servindo como refúgio e fonte de felicidade.
A emoção e a subjetividade do eu
lírico são predominantes.
A infância é vista como um tempo de
pureza e felicidade perdido.
A forma e o ritmo contribuem para a
expressividade dos sentimentos.
"Meus Oito Anos" é um poema
tocante que captura a essência da nostalgia da infância. Através de uma
linguagem simples e emotiva, Casimiro de Abreu transporta o leitor para um
tempo de liberdade e intensa conexão com a natureza, contrapondo essa pureza à
melancolia implícita da vida adulta. A idealização da infância e a exaltação da
natureza, elementos centrais do romantismo, conferem ao poema uma beleza
atemporal e uma ressonância emocional que continua a encantar leitores de
diferentes gerações. A saudade expressa nos versos transcende a experiência
individual, tocando em um sentimento universal de anseio por um tempo de maior
leveza e inocência.
MEUS OITO ANOS – CASIMIRO DE ABREU
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã.
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto ao peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
CASIMIRO DE ABREU: UMA BIOGRAFIA
Casimiro José Marques de Abreu (1839-1860) foi um dos mais importantes e representativos poetas da segunda geração do Romantismo no Brasil, também conhecida como Ultrarromantismo ou Byronismo. Sua vida breve, interrompida pela tuberculose aos 21 anos, não o impediu de deixar uma marca indelével na literatura brasileira, caracterizada por um lirismo sentimental, nostálgico e profundamente ligado à saudade da infância e da pátria.
Casimiro nasceu em 04 de janeiro de 1839, na então freguesia de Barra de São João, hoje município que leva seu nome, no estado do Rio de Janeiro. Era filho do comerciante português José Joaquim Marques de Abreu e de Luísa Joaquina das Neves. Sua infância transcorreu na Fazenda da Prata, em Silva Jardim, onde desfrutou de um contato íntimo com a natureza exuberante, elemento que se tornaria central em sua poesia.
Aos nove anos, foi enviado para estudar Humanidades no Colégio Freese, em Nova Friburgo. Essa experiência, longe do lar e da liberdade da fazenda, despertou nele um forte sentimento de saudade, tema recorrente em sua obra. Posteriormente, trabalhou no comércio do pai, no Rio de Janeiro, mas sua paixão pela escrita e pela literatura logo o afastou definitivamente da vida mercantil.
Em 1857, Casimiro embarcou para Portugal com o pai. Essa viagem marcou um período crucial em sua formação literária. Em Lisboa, frequentou os círculos intelectuais da época e colaborou com diversos jornais e revistas, como a "Ilustração Luso-Brasileira". Foi em Portugal que escreveu a maior parte de sua obra poética e também o drama "Camões e o Jaú", encenado com sucesso em 1856, quando o poeta tinha apenas dezessete anos.
Sua poesia, imbuída de um lirismo espontâneo e melancólico, abordava temas como o amor idealizado, a saudade lancinante da infância, a beleza da natureza e a efemeridade da vida. Seus versos, geralmente em redondilha maior, caracterizavam-se pela musicalidade e pela simplicidade da linguagem, tocando profundamente a sensibilidade dos leitores.
Em 1859, Casimiro de Abreu publicou em Lisboa sua única obra em livro, "As Primaveras". Essa coletânea de poemas consagrou o autor como um dos principais nomes do Ultrarromantismo brasileiro. O livro é um retrato fiel da alma romântica, com seus anseios, tristezas e a constante busca por um ideal perdido.
Entre os poemas mais célebres de
"As Primaveras", destacam-se:
"Meus Oito Anos": Um dos poemas mais conhecidos e emocionantes da literatura brasileira, que expressa a profunda nostalgia da infância, idealizada como um tempo de felicidade e pureza.
"Canção do Exílio": Uma ode
à pátria, repleta de saudade e amor pela terra natal, que dialoga com o famoso
poema homônimo de Gonçalves Dias.
"Saudades": Um lamento
melancólico sobre a passagem do tempo e a perda das ilusões da juventude.
"A Virgem Loura": Um poema que exalta a beleza feminina de forma idealizada e sentimental.
Em 1857, Casimiro retornou ao Brasil, já com a saúde fragilizada pela tuberculose. Apesar da doença, continuou a colaborar com a imprensa carioca e manteve contato com outros intelectuais da época, como Machado de Assis.
Em 1860, ficou noivo de Joaquina Alvarenga Silva Peixoto, mas seus planos de felicidade foram interrompidos pelo agravamento da doença. Buscando um clima mais ameno, retirou-se para a fazenda da família em Indaiaçu, onde faleceu precocemente em 18 de outubro de 1860, aos 21 anos de idade.
Apesar de sua curta vida, Casimiro de Abreu deixou um legado poético significativo. Sua obra, marcada pela sinceridade dos sentimentos e pela musicalidade dos versos, conquistou o público e influenciou gerações de escritores. É considerado um dos poetas mais populares e queridos do Romantismo brasileiro.
Em homenagem ao poeta, o município onde nasceu recebeu o nome de Casimiro de Abreu. Ele também é o Patrono da Cadeira número 06 da Academia Brasileira de Letras. Patrono da Cadeira 04 da Academia Niteroiense de Letras, atual ocupante: Nagib Slaibi Filho.
A poesia de Casimiro de Abreu, com sua melancolia doce e sua exaltação da infância e da natureza, continua a emocionar e a encantar leitores de todas as idades, perpetuando a memória desse talento precoce da literatura brasileira. Sua obra é um testemunho da sensibilidade romântica e da força expressiva de um jovem poeta que soube traduzir em versos a beleza e a tristeza da existência humana.
© Alberto Araújo
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