O Theatro Municipal do Rio de Janeiro estava em êxtase. A noite era dedicada à apresentação de "Norma", a obra-prima de Bellini, e no papel principal estava Isabella Rossi, a soprano mais aclamada do Brasil. Sua voz, um instrumento de rara beleza e poder, preenchia o teatro, arrebatando a plateia a cada nota.
No camarim, antes de entrar em cena para a ária crucial do segundo ato, "Casta Diva", Isabella sentiu um leve arranhão na garganta. Ignorou, confiante em sua técnica impecável. Ao pisar no palco, sob os holofotes, a orquestra iniciou a melodia familiar. Isabella respirou fundo e começou a cantar. As primeiras frases fluíram com a doçura e a intensidade esperadas. Mas, ao alcançar uma nota aguda particularmente exigente, sua voz vacilou. Tentou novamente, e um som rouco e falho escapou de seus lábios.
O pânico a invadiu como uma onda gelada. Sua garganta parecia ter se fechado, a voz sumira por completo. No palco, a música continuava, mas o silêncio da plateia era ensurdecedor. Isabella sentiu as lágrimas queimarem seus olhos enquanto o maestro, com um olhar de apreensão, tentava conduzir a orquestra em meio ao caos.
Nos bastidores, a equipe entrava em
desespero. Um murmúrio percorreu a plateia, carregado de incredulidade e
decepção. Para Isabella, o tempo parecia ter parado. Sua carreira, sua paixão,
tudo desmoronava naquele instante fatídico.
Foi então que, em meio à confusão, uma voz clara e potente ecoou da plateia. Surpresa, o maestro hesitou por um instante, mas a beleza e a segurança daquela voz eram inegáveis. Era a ária de "Casta Diva", cantada com uma emoção e uma técnica surpreendentes.
Os olhares se voltaram para uma mulher elegantemente vestida, sentada em uma das primeiras fileiras. Seu nome era Sofia Albuquerque, uma professora de canto e admiradora de ópera que sempre sonhara em pisar naquele palco. A oportunidade, ainda que trágica para Isabella, surgira inesperadamente.
Com um gesto encorajador do maestro, Sofia continuou a cantar. Sua voz, límpida e expressiva, preencheu o vazio deixado pela falha de Isabella. A orquestra a acompanhou, encontrando um novo foco e uma nova energia. A plateia, inicialmente chocada, agora estava hipnotizada pela inesperada protagonista.
Isabella, nos bastidores, ouvia com o coração apertado. Inicialmente, sentiu inveja e amargura. Mas à medida que a voz de Sofia ecoava, uma admiração genuína começou a surgir. Aquela mulher desconhecida cantava com uma paixão e um talento inegáveis, salvando a noite e honrando a beleza da ópera.
Ao final da ária, um silêncio profundo precedeu uma explosão de aplausos. Palmas fervorosas, gritos de "bravo" e lágrimas de emoção preencheram o teatro. Sofia, visivelmente emocionada, curvou-se em agradecimento.
O maestro, recuperado do choque inicial, fez um sinal para que Sofia subisse ao palco. Hesitante, ela aceitou o convite, sendo recebida com uma ovação ainda maior. Isabella, reunindo forças, também se juntou a ela no palco. As duas mulheres se abraçaram, um gesto que selou não apenas o reconhecimento do talento de Sofia, mas também a humildade e a grandeza de Isabella.
Naquela noite, Isabella Rossi perdeu sua voz no palco, mas Sofia Albuquerque encontrou a sua. A ópera, arte resiliente e surpreendente, provou mais uma vez sua capacidade de emocionar e unir, transformando uma tragédia em um momento de pura beleza e celebração. O público do Rio de Janeiro jamais esqueceria a noite em que uma soprano da plateia resgatou "Norma" e conquistou o coração de todos.
© Alberto Araújo
Niterói, novembro de 2015
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