quinta-feira, 16 de março de 2023

MEMÓRIA CULTURAL: O “BAR LE PETIT PARIS” O BERÇO DA MPB DE NOSSA CIDADE MARCOU ÉPOCA NA NOITE DOS NITEROIENSES



O RESTAURANTE LE PETIT PARIS nasceu de uma iniciativa dos comerciantes franceses: o casal Brigitte-Raymond com Paul e Rubens Ferrah, no ano de 1957. A casa de três quartos e um varandão seria transformada em restaurante em frente à Praça Getúlio Vargas, próximo ao Cinema Icaraí.

A moradia na Praia de Icaraí nº 139 foi palco de muitas noitadas, momentos musicais e descontrações, alegrias e muitos tipos de comemorações.  Hoje, esse espaço virou o edifício Modigliani. A maioria de seus moradores desconhece que a casa que deu origem ao prédio de apartamentos, guarda uma história da música nacional e internacional, numa época em que a cidade tinha pouca opção de lazer e de gastronomia.

A princípio, o cardápio aprimorado incluía pratos tradicionais da culinária francesa, oferecendo como entrada “Les crevetettes a St. Tropez”. Os pratos mais pedidos eram o “Le coq au vin”, “Le poulet farci”, “Le poisson a la Saulieu”.

Nas sobremesas, para alegria das mulheres, mousse au chocolat  e La mousse au  fruits, feitos pela madame Brigitte. Com o tempo, foram incorporados os pratos da culinária brasileira. Os drinques viraram uma mistura das bebidas francesas e brasileiras, uns preferindo licores e outros as batidas de limão.

Uma informação muito importante: O compositor Sérgio Mendes começou a sua carreira nesse empreendimento, então com 16 anos, chegava com seu teclado debaixo do braço para tocar acompanhado pelo seu parceiro, o contrabaixista Tião Neto. Tocavam à noite, recebendo de cachê, cada um, dois cubas livres e batatas fritas. Tanto Sérgio como Tião viraram celebridades da música internacional.

A partir daí começou a festa, com outros craques chegando para dar canja, como o famoso cantor, compositor e arranjador Danilo Caymmi, o percussionista Naná Vasconcelos, eleito oito vezes, o melhor do mundo, o premiado percussionista, baterista e compositor Chico Batera, referência no baixo elétrico, era requisitado, pelo grandes cantores, o conhecido violonista Silveira, a turma do destacado MPB4, com Aquiles, Miltinho, Rui e Waghaby.

O simpaticíssimo Rubens Ferrah permaneceu fiel a casa, desde a abertura até o seu fechamento, quando por longo tempo, virou sócio de Roberto Lacerda Precht.

LE PETIT PARIS II

Complemento: sobre o bar e restaurante Le Petit Paris, é reproduzida a matéria sobre o famoso reduto boêmio de Icaraí, publicado no Jornal do Brasil, em 25 de fevereiro de 1989 por Ney Reis.

“A lenda boêmia de Niterói”. O bar Petit Paris marcou época na noite e ainda desperta saudades

Por Ney Reis

Houve um tempo em que o compositor Danilo Caymmi saía de Copacabana, pegava um ônibus, a barca até Niterói e mais um ônibus até Icaraí para tocar com os amigos nas tardes de domingo. Todo esse trabalho em troca de um sanduíche de queijo e um refrigerante. Mais ou menos na mesma época, o hoje mundialmente conhecido percussionista Naná Vasconcellos dividia com outros músicos garrafas de batida de limão e tirava sons de percussão no caramanchão da Praça Getúlio Vargas, em Icaraí, até o dia clarear. Parece inacreditável, mas esses tempos existiam e tiveram um lugar de referência capaz de juntar várias “feras” da Música Popular Brasileira atual: o bar e restaurante Petit Paris.

A época era a década de 60 e a pequena casa de dois quartos e uma varanda, reformada para virar um restaurante, localizada no número 139 da praça, era o lugar mais badalado e bem frequentado da cidade.

“O Petit Paris foi o primeiro lugar onde eu toquei na vida”, conta Danilo Caymmi. “Eu tinha uns amigos que moravam em Niterói e a gente se encontrava no bar para levar um som. Além da música, a gente acabava arranjando umas namoradas, umas meninas que iam nos ouvir e ver. Aquelas areias da praia de Icaraí já me conheceram muito bem…”, relembra Danilo com saudade. Seu depoimento mostra bem o clima reinante no legendário bar e restaurante de comida francesa: descontração, música e paquera. “O Petit começou nos anos 50 e foi um bom bar. Podia-se encontrar de tudo ali: uma prostituta disfarçada ou um garoto de 17 anos tocando um instrumento, fazendo música”, conta o arquiteto Alexandre Bender, que aos 20 anos estava no auge de seu “vício” pelo Petit, como era chamado o bar pelos íntimos. Segundo ele, alguns músicos de jazz tocavam lá e depois iam acabar a noite no igualmente legendário bar Bottle’s, ou no Little Club, do Beco das Garrafas, em Copacabana. “O Sérgio Mendes, um violonista chamado Silveira e o Tião Neto, hoje baixista do Tom Jobim, estavam sempre no Petit”, conta Bender.

Tião Neto, que começou a carreira profissional com o niteroiense Sérgio Mendes, hoje radicado nos EUA, foi um dos amigos dos franceses Raymond e Brigitte, os primeiros donos do Petit Paris, e fala com carinho da época. “Eu levava um violão pra lá e ficava tocando na varanda. Depois, Eles compraram um piano e quem quisesse poderia tocar”, lembra o músico. “Toda noite, eu e o Sérgio Mendes íamos ao Petit. Quem estava sempre lá era o pessoal do Rio Sailing Club, quase todos ingleses,  pessoal de letras, intelectuais e o society niteroiense. O próprio Raymond e a sua mulher Brigitte, além do Paul, que também era dono, preparavam a comida, por sinal muito gostosa”, comenta Tião. Segundo ele, a mousse de chocolate de Brigitte era algo de sensacional, além de todos os pratos, incluindo a comida brasileira, que também fazia parte do menu. Alguns anos depois, em 1980, Tião encontrou o casal Raymond e Brigitte em Paris, onde eles já estavam morando havia algum tempo, e foi uma festa. “Pra você ter ideia da amizade e do astral que existia entre nós desde os tempos do Petit, basta dizer que um dia, ao acordar, no hotel, dei de cara com um prato fundo de mousse de chocolate ao lado da cama, com um cartão dos dois. Foi emocionante”, conta o baixista.

Moradores de Niterói no início dos anos 60 e frequentadores do Petit Paris, os integrantes do grupo MPB-4 também têm boas lembranças. “Foi em 63 e 64 que a gente ia muito lá. Era um lugar simpático, onde íamos pra jantar. Aliás, fomos nós que inventamos de cantar lá, e depois a moda pegou”, conta Miltinho. “Éramos amadores e onde houvesse mais de duas pessoas a gente soltava a voz, fazia um show improvisado, pra mostrar nosso trabalho”, completa Rui. O garçom Antônio Vicente Rodrigues, hoje com 58 anos, lembra bem daqueles dias e comenta emocionado: “Tenho muitas saudades daquele lugar e daquele tempo. Ô época boa! O Sérgio Mendes era meu chapa e foi ele quem me apelidou de Titio, como me chamam até hoje. Ele não bebia quase nada e andou fazendo dieta. Era só chegar e me dizia que estava morrendo de sede, já sabendo que um copo com coca-cola, gelo e limão chegaria “voando” à sua mesa. A dieta era um filé sem sal com batata cozida, que ele devorava”. Titio lembra que o segundo dono, o falecido Jonas (todos os sobrenomes foram esquecidos pelos frequentadores, que se tratavam mutuamente pelo primeiro nome), era um sujeito baixinho, “de veneta”, cujo humor variava muito, mas o caráter era dos melhores. “Sempre me dei bem com ele e com os fregueses. Éramos todos camaradas”, conta o garçom, que hoje trabalha na Churrascaria Ao Vivo, na Rua São José, Centro do Rio.

O lugar onde hoje está o Edifício Modigliani, de luxo, atraía adolescentes rebeldes, como a professora de Física, da UFF, Camila Morato, 36 anos. “Eu ia ao Petit desde os 16 anos. Dizia pro meu pai que ia dar uma volta na Moreira Cesar e aparecia no bar. Ele descobria e me tirava de lá à força. Eu, é lógico, ficava danada da vida”, lembra ela sorrindo. Hélio de Castro Júnior, engenheiro da Petrobrás e namorado de Camila, também frequentava o Petit Paris, mas ficava só “olhando os outros se divertirem”, pois era estudante e não tinha dinheiro para “entrar naquele lugar meio simples, meio sofisticado”, para usar uma expressão sua. O dentista Cláudio Costa Carvalho, 45 anos, irmão do baixista Tião Neto, era outro que não saía do bar. “O Petit era nossa terapia”, lembra.”







Recorte do jornal com a matéria acima, 

datado de 7 de outubro de 1973.



FONTE: https://icarahyobairro.wordpress.com/2017/04/13/petit-paris-ii/  

https://icarahyobairro.wordpress.com/2017/04/12/petit-paris/   

 

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