Foi pela voz emocionada da presidente Matilde Carone Slaibi Conti que esta narrativa se abriu, como janela que se escancara para deixar entrar o cheiro do tempo. Suas palavras não eram apenas uma mensagem: eram clarim de memória, devolvendo a Juiz de Fora o brilho de suas manhãs e o alumbramento de suas tradições.
“Meu caro amigo e jornalista Alberto Araújo. Foi com uma emoção exacerbada, até mesmo extasiante, que aqui estou eu, ainda em Juiz de Fora, a ‘Manchester Mineira’, lendo com avidez o seu belo texto, sobre a posse das queridíssimas pessoas, da minha terra natal, Ana Maria Moreira e Cléber Lima, como membros correspondentes da Academia Juiz-forana de Letras. É impossível narrar a gama de sensações sentidas e a alegria contagiante daquele ambiente acadêmico tão fraternal em uma manhã de sábado inesquecível que a mim, parecia ter até um cheiro adocicado, entrando pela janela, lembrando a minha infância, que ficou em um passado tão distante. Foi tudo sensacional. Inolvidável. Muito obrigada, mais uma vez, por todo o seu fiel relato.”
A mensagem de Matilde ecoa como quem acende um candeeiro no porão das recordações. Juiz de Fora não é apenas uma cidade: é um território simbólico, onde o passado fabril pulsa dentro das paredes de antigos galpões, e o presente cultural respira nas salas de aula, nos cafés, nos encontros literários. A alcunha de Manchester Mineira nasceu no auge das fábricas têxteis, quando os teares cantavam o hino da modernização, embalando o trabalhador com o cheiro de algodão cru, óleo e esperança. Era o Brasil que se industrializava, e Juiz de Fora, como uma menina ousada, vestia o vestido novo do progresso.
Mas sua alma nunca foi feita apenas de ferro, rolos e engrenagens. Antes mesmo do rugido das máquinas, havia a música das prosas, a poesia das ruas, o gosto bom da conversa demorada, e é essa cidade que ressurge cada vez que alguém fala dela com saudade. A literatura, ali, é um rito de continuidade: passa de mãos, de vozes, de gerações, como quem entrega uma chama acesa para iluminar o caminho seguinte.
A posse de Ana Maria Moreira e de Cléber Lima na Academia Juiz-forana de Letras não foi apenas uma cerimônia: foi uma celebração do verbo vivo. A cada olhar cúmplice, a cada palavra, a cada folha que se virava no caderno do discurso, reafirmava-se a certeza de que Juiz de Fora transformou seu ruído industrial em polifonia humana.
Não é à toa que Matilde fala de “um
cheiro adocicado entrando pela janela”. Essa imagem é poema puro, recordação
que se infiltra pelo corpo como o cheiro de café fresco em casa antiga. Quem
conhece Juiz de Fora sabe: ali, a memória possui perfume. Cada praça guarda um
enredo; cada manhã de sábado carrega um capítulo.
A cidade, plural e transitória, se tornou também centro universitário e laboratório cultural. Se o passado ouviu o canto das máquinas, o presente ouve o burburinho dos estudantes e as guitarras que ecoam nos festivais. A Universidade Federal de Juiz de Fora estende suas salas como se fossem asas: acolhe jovens de tantos cantos, que chegam trazendo sotaques, dúvidas, sonhos. E a cidade os absorve, os transforma, os devolve ao mundo.
O Parque Halfeld, testemunha centenária, já viu de tudo: protestos, abraços, namoros, serenatas acanhadas, solilóquios de escritores, risos de meninos correndo atrás de pombas. As árvores ali não apenas fazem sombra, elas guardam histórias. Talvez por isso muitos digam que quem passa por lá nunca passa sozinho: a cidade caminha junto.
Juiz de Fora é, também, um território de atravessamento. Entre Rio e Belo Horizonte, entre o litoral e o miolo do Brasil, tornou-se ponto de travessia. Por isso seus habitantes têm no olhar a mistura do que fica e do que passa. São mineiros com pés nos caminhos, abertos ao que chega, generosos com quem parte.
Hoje, a Manchester Mineira já não se define só pelo aço das peças. Seu novo motor é feito de ideias, de arte, de diálogo. Se antes produzia tecido, hoje tece vínculos; se antes gerava mercadorias, agora gera pensamento; se antes os galpões guardavam máquinas, hoje guardam memórias, algumas transformadas em espaços culturais onde o som das antigas engrenagens foi substituído por risos, leituras, violões e aplausos.
A cidade soube refinar sua alquimia: transformou ferro em poesia, fumaça em horizonte cultural, suor fabril em luz de conhecimento.
E, assim, a mensagem de Matilde se encaixa delicadamente nessa narrativa maior. Sua emoção é também a emoção de uma cidade inteira, que se reconhece quando alguém fala dela com verdade. Sua gratidão é o gesto simples e profundo de quem sabe que as cidades só existem plenamente quando alguém as narra.
Juiz de Fora é Manchester Mineira não por título, mas por legado. Porque aprendeu que o barulho das máquinas também pode virar música; que o cheiro da infância pode se tornar memória coletiva; que cada história pessoal, quando compartilhada, aumenta a cidade em mais um passo.
E, entre o passado de chaminés e o presente de saraus, Juiz de Fora segue viva, intensa, multiplicada, inesquecível.
Foi tudo sensacional.
Inolvidável.
© Alberto Araújo
JUIZ DE FORA não é apenas uma cidade mineira. É um coração urbano que pulsa entre vales verdes, na dobra suave da Zona da Mata, onde Minas repousa sobre suas tradições e se abre para o futuro. A cerca de 260 km de Belo Horizonte, ergue-se essa cidade que nasceu de caminhos antigos, devorando o tempo com trabalho, reinvenção e cultura.
Nasceu desmembrada de Barbacena, na década de 1850, e já chegou ao mundo com um nome que é quase uma crônica em si: Juiz de Fora. Conta a história que um magistrado da Coroa Portuguesa esteve hospedado nas terras de uma sesmaria e, mesmo partindo, deixou seu nome gravado na geografia e na memória. É como se o destino tivesse decidido que ali seria território de decisões, de rumos, de construção civilizatória.
E essa vocação se confirmou cedo. Quando as máquinas começaram a girar e o país se modernizava, Juiz de Fora não esperou que o progresso chegasse, ela o convidou, abriu as portas das fábricas, iluminou-se com novos saberes, moldou engenheiros, operários e sonhadores. Nascia a “Manchester Mineira”, título que hoje é mais que metáfora: é um capítulo inteiro da industrialização brasileira.
Depois veio a grande crise de 1929. O Brasil rural sentiu o golpe, e a terra do café, que sustentou parte da riqueza local, estremeceu. Mas Juiz de Fora, incansável, não se resignou. Na década de 1960, vestiu-se de novo com o vigor industrial, modernizou sua economia e ampliou sua zona de influência até o Sul de Minas e parte do Rio de Janeiro. A cidade renasceu, como quem sabe que o destino é maior do que as dificuldades.
Mas não é apenas economia que faz grande uma cidade. Juiz de Fora tem alma. Tem cultura. Tem história viva nas esquinas, no palco, nos museus, nas mãos de seus artesãos e nos acordes que se ouvem ao cair da tarde. Tem teatros que testemunham gerações de artistas, como o majestoso Cine-Theatro Central, um dos mais belos do país. Tem o Museu Mariano Procópio, um tesouro arquitetônico que guarda pinturas, memórias e o espírito do século XIX. Tem parques que são respiro e contemplação, como a Lajinha, onde a natureza conversa com o visitante e não se apressa em despedir-se.
O esporte também pulsa forte, como no centenário Tupi Football Club, fundado em 1912, orgulho de camisas alvinegras que já vibraram tantas vezes pelas arquibancadas da cidade.
E, se tudo isso ainda não bastasse, Juiz de Fora tem festa no sangue. O Carnaval ali não é apenas evento, é tradição, identidade, memória. Nasceu junto com a emancipação do município, evoluiu, mudou de forma, ganhou os salões dos clubes entre os anos 1930 e 1960, e permanece até hoje como um dos grandes rituais de celebração da cidade e de seu povo.
Assim é Juiz de Fora: uma cidade que soma história e horizonte, industrialização e poesia, movimento e memória. Uma cidade que cresceu, sofreu, se reinventou e nunca deixou de ser o que sempre foi, um lugar onde Minas se encontra com o mundo, onde tradição e modernidade dividem a mesma mesa, o mesmo café, o mesmo amanhã.
































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