domingo, 3 de agosto de 2025

ENTRE CAMÉLIAS E SUSPIROS - A ETERNA MARGUERITE ENSAIO DE ALBERTO ARAÚJO SOBRE O FILME "A DAMA DAS CAMÉLIAS".


Reencontrar A Dama das Camélias é como abrir uma velha carta guardada numa caixa de memórias: uma carta que exala perfume de época, mas também o aroma universal da condição humana. É impressionante como as palavras de Alexandre Dumas Filho, escritas em pleno século XIX, ainda tocam a pele da nossa sensibilidade moderna com a mesma delicadeza e urgência. 

Marguerite Gautier, heroína e mártir, não é apenas a cortesã que Paris julgou com olhos frios. Ela é, antes de tudo, uma mulher feita de sonhos, feridas, contradições e desejos. Sob o disfarce das camélias brancas,  essas flores que a precedem e anunciam, esconde-se um coração que bate com a fragilidade dos que ousam amar intensamente num mundo que cobra caro demais por isso. 

Dumas Filho nos conduz por salões cintilantes, festas regadas a riso e champanhe, onde a luz do luxo contrasta com as sombras da hipocrisia social. Mas o que realmente ilumina essas páginas não são os lustres: é o sentimento quase proibido que nasce entre Marguerite e Armand Duval. Amor que desafia convenções, mas sucumbe ao destino, tingido de sacrifício, doença e silêncio. É como se cada página guardasse um suspiro contido, uma pétala que cai devagar, lembrando-nos da brevidade das coisas mais belas. 

Marguerite vive de vender ilusões, mas faz do amor o seu ato mais verdadeiro. Essa contradição é sua maior força e também sua maior dor. Ao aceitar renunciar a Armand, ela revela uma coragem que a sociedade jamais lhe reconheceria: a coragem de abdicar do próprio coração para salvar o futuro do homem que ama. E nisso reside algo profundamente humano, que ecoa até hoje: todos nós, em alguma medida, tememos não sermos amados por quem realmente somos, mas também desejamos que alguém nos enxergue para além de nossos erros, rótulos ou passados. 

Reencontrei recentemente no canal 78m Filmes, no Youtube Marguerite no filme Camille (1936), dirigido por George Cukor. E, ali, quem a veste de gestos e lágrimas é Greta Garbo. Mais do que interpretar, Garbo parece habitar Marguerite: seus silêncios falam tanto quanto suas palavras, seus olhos carregam uma tristeza quase translúcida, e cada gesto seu é uma pétala que se solta do caule. Ao seu lado, Robert Taylor dá vida ao apaixonado Armand Duval, e Lionel Barrymore interpreta o pai que, temendo pela reputação do filho, pede a Marguerite que desapareça. 

No filme, como no livro, a história se constrói sobre escolhas dolorosas. Marguerite, mantida pelo Barão de Varville, poderia continuar a viver no brilho vazio das festas. Mas quando encontra Armand, descobre algo que não sabia que faltava: um amor que não a compra, mas a acolhe. E, por isso mesmo, quando o pai de Armand pede que ela se afaste, ela cede. Não por fraqueza, mas por amor, amor que se prova não na posse, mas no sacrifício. 

Essa história permanece viva porque fala daquilo que não envelhece: o preço da liberdade, o peso do julgamento alheio, a coragem de amar sem garantias e o medo de perder tudo por isso. E, acima de tudo, fala da redenção que só o amor verdadeiro é capaz de oferecer, mesmo que tarde demais. Marguerite não morre apenas de tuberculose: morre de amor, morre de esperança, morre porque o mundo não soube perdoar quem ousou amar para além das convenções. 

O poder desse enredo também está na forma como ele denuncia uma sociedade que se diz elegante, mas não tolera a imperfeição; que se comove com o sofrimento, desde que ele esteja bem vestido e mantenha distância. Por isso, A Dama das Camélias não é só romance; é confissão e denúncia. É o retrato de uma época que, paradoxalmente, continua tão próxima da nossa: ainda hoje, as camélias são usadas para encobrir dores que poucos têm coragem de mostrar. 

E quando a última pétala cai, seja nas páginas de Dumas, seja nos últimos minutos de Garbo em cena, fica a certeza de que Marguerite Gautier, a mulher por trás do mito, permanece viva. Ela resiste ao esquecimento porque representa algo que todos conhecemos: a luta entre quem somos e quem o mundo quer que sejamos. 

"A Dama das Camélias" foi um sucesso de crítica e público, com Greta Garbo recebendo elogios por sua atuação e sendo indicada ao Oscar de Melhor Atriz.

O filme é considerado um clássico do cinema e um dos maiores triunfos da carreira de Garbo. O filme foi incluído na lista "All-Time 100 Movies" da revista Time e na posição #33 em "100 Years... 100 Passions" da AFI.

Entre camélias e suspiros, Marguerite continua a florescer. Não mais na Paris do século XIX, mas em cada coração que, ao reler ou rever sua história, compreende que amar é, sempre, um risco,  e que só quem se arrisca pode, de fato, dizer que viveu. 

© Alberto Araújo






(CLICAR NA IMAGEM PARA ASSISTIR AO FILME COMPLETO)







Nenhum comentário:

Postar um comentário