domingo, 3 de agosto de 2025

HOMERO - O POETA QUE ENCANTOU NÉLIDA PIÑON E ATRAVESSOU MILÊNIOS


O Focus Portal Cultural traz novamente à cena Homero, esse nome que ecoa há mais de dois mil anos e que foi alvo de admiração confessa de Nélida Piñon, a imortal que viu na tessitura homérica uma chave para entender a própria arte da palavra.

 

Visto ora como poeta genial, ora como compilador anônimo de cantos populares, Homero permanece no centro de uma das questões mais fascinantes da história literária: quem de fato escreveu as epopeias que moldaram não só a Grécia Antiga, mas toda a tradição ocidental?

 

Entre os séculos IX e VIII a.C., enquanto a Grécia emergia de um período de transformações sociais, expansão marítima e influência oriental, surge a figura (ou lenda) desse aedo cego, cujo nome, “aquele que não vê”, ganhou contornos míticos ao associar a cegueira ao dom visionário da poesia. Nesse mesmo tempo floresciam as cidades-Estados, que se uniam na língua e na mitologia, e cujo imaginário foi profundamente marcado pelos versos da Ilíada e da Odisséia.

 

A Odisséia, em especial, transformou a viagem de retorno de Ulisses numa metáfora da própria condição humana: entre monstros, deuses e naufrágios, seguimos sempre em busca do que chamamos de lar. Foi com a força dessa narrativa que Homero tornou-se, como lembrou Platão, o grande “educador da Grécia”, referência ética, estética e espiritual de gerações inteiras.

 

Pouco se sabe com segurança sobre a vida de Homero: se nasceu na Jônia, em Esmirna ou Quios; se realmente viveu por volta de 850 a.C.; se era apenas um nome coletivo ou um compilador de histórias mais antigas. Há quem diga que nunca existiu e mesmo assim, sua ausência corpórea não impediu que seu nome atravessasse os séculos, mantendo viva a chama de versos que ensinaram a cantar os deuses e os homens, o amor e a guerra, o heroísmo e a fragilidade.

 

Nélida Piñon, que tantas vezes confessou seu fascínio por Homero, não o leu apenas como memória arqueológica, mas como pulsação viva, capaz de dialogar com o presente. E é isso que celebramos hoje: não apenas o poeta de ontem, mas a força perene da palavra que, mesmo nascida na Antiguidade, continua a iluminar os mistérios do ser humano.

 

No eterno canto de Homero, descobrimos que toda viagem é também interior — e toda história, mesmo antiga, fala do que ainda somos.

 

© Alberto Araújo


 

HOMERO – O POETA QUE VIU COM A VOZ

Homero é um dos maiores nomes da literatura universal e, paradoxalmente, também um dos mais misteriosos. É considerado o autor de duas das obras mais importantes da Grécia Antiga — a Ilíada e a Odisséia — que serviram como base para toda a tradição épica ocidental.

Segundo a tradição, Homero teria nascido por volta de 850 a.C., durante o chamado período homérico ou arcaico, em alguma cidade da região da Jônia, na costa ocidental da Ásia Menor (atual Turquia). As cidades de Esmirna, Quios, Argos, Rodes, Ítaca, Pilos e Atenas disputam, até hoje, a honra de tê-lo visto nascer.

Escultura: Busto de Homero

160 d.C. a partir de um original da metade do 1° séc. a.C.

Do Museo Archeologico Nazionale di Napoli

Na exposição “I Farnese nella Roma del Cinquecento. Origini e fortuna di una collezione” - Musei Capitolini

Fonte: https://www.instagram.com/p/DGETVXStpkl/?img_index=1


A própria existência histórica de Homero é cercada de incertezas e lendas — um enigma conhecido como a "questão homérica". Sabe-se que, naquela época, a tradição literária era essencialmente oral: histórias, mitos e poemas passavam de geração em geração, recitados por aedos (poetas cantores) em festivais e praças. Homero, segundo se conta, seria um desses aedos, e a origem do seu nome estaria associada ao termo grego para “aquele que não vê” — reforçando a ideia de que era cego. Essa cegueira, para os antigos, não era vista como limitação, mas como um dom: o poeta não enxergava o mundo visível, mas via além, no invisível, no mito e no sagrado.

As obras atribuídas a Homero, compostas em dialeto jônico, são marcos absolutos da cultura helênica:

  • A Ilíada narra a fúria de Aquiles e os acontecimentos que levaram ao desfecho da Guerra de Troia.
  • A Odisséia acompanha o retorno de Ulisses (Odisseu) a Ítaca, após dez anos de guerra e mais dez de viagem, enfrentando monstros, deuses e as próprias fraquezas humanas.

Além dessas, há também hinos e outros poemas menores tradicionalmente atribuídos a ele, mas cuja autoria é ainda mais incerta.

Homero teria vivido num tempo de grandes transformações para a Grécia: com o renascimento da escrita (por volta de 750 a.C., baseada no alfabeto fenício), o comércio marítimo floresceu e as cidades-Estados começaram a consolidar-se, unidas pela língua e pelo culto aos mesmos deuses. Nesse cenário, suas epopeias não foram apenas narrativas: eram também educação moral, identidade cultural e inspiração poética, citadas até por filósofos como Platão, que o chamou de “educador da Grécia”.

A influência de Homero ultrapassou fronteiras e séculos: suas histórias foram copiadas, comentadas e estudadas desde a Antiguidade, passando pelo período bizantino, pelo Renascimento europeu e chegando aos nossos dias como um símbolo maior da poesia e da condição humana.

Se foi um homem, muitos ou nenhum, Homero continua vivo na força de suas palavras, que, mesmo nascidas há quase três milênios, ainda ressoam em nossa imaginação, lembrando que, muitas vezes, é pela poesia que realmente enxergamos o mundo.


APRENDIZ DE HOMERO – Nélida Piñon

SINOPSE

“Sentada na poltrona verde, tenho a Ilíada no colo. Enquanto Gravetinho atordoa-me com sua natureza canina, sintonizo-me com a imaginação do grego, fonte de permanente inspiração. Assentada sobre as pedras fundadoras da civilização que o poeta empilhou para formar uma muralha, dialogo com ele. Convicta de que, onde esteja, ele simula ouvir a brasileira que, julgando-se às vezes camponesa e universal, reage às suas raivosas argumentações. Impõe-me Agamenon quando eu queria outro em seu lugar. Mas como Homero tem a imortalidade a seu favor, é paciente. Sabe que a justiça narrativa se faz e que o tempo dissolve os nós cegos da paixão. E mesmo quandoCassandra, em uma outra tragédia grega, despede-se dos corifeus para ir ao encontro da morte, aceito suas emendas. Afinal, sou sua aprendiz.” Escritora reconhecida no Brasil e exterior, primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, Nélida Piñon lança seu primeiro livro desde Vozes do deserto, vencedor do Prêmio Jabuti 2005 nas categorias Romance e Livro do Ano.

 

APRENDIZ DE HOMERO reúne 24 ensaios literários escritos nos últimos cinco anos. Nélida esmiúça suas referências literárias: como leitora e escritora. O livro serve como bússola para novos leitores e reverencia os grandes autores universais. O livro revela as influências da autora e de onde vem a sua matéria bruta da criação. “Esse livro revela não somente a minha leitura como de que matéria se formou a minha imaginação de criadora, de escritora”, argumenta. Lendo sobre os cânones que Nélida Piñon escolheu como seus, e da forma emotiva com que se relaciona com eles, podemos adentrar um pouco mais na literatura dessa autora que é, sem dúvida, uma das maiores escritoras brasileira contemporânea.Segundo a escritora, é papel do escritor garantir a imortalidade dos grandes mestres. “A literatura não pode ser simples, corriqueira. Desse jeito ela não tem sentido. Os grandes textos se modernizam com as interpretações que são dadas ao longo dos séculos. Cada geração lê um livro de modo diferente. Por isso que Homero precisa que eu fale dele. Homero deveria agradecer o tempo todo a nós que lhe garantimos a imortalidade”, explica.Nélida Piñon nos oferece uma aula de literatura em APRENDIZ DE HOMERO, e brinda os leitores com uma paixão e devoção pela escrita capaz de transbordar das páginas do livro.

NÉLIDA PIÑON E O DIÁLOGO ETERNO COM HOMERO

No elegante cenário da literatura latino-americana, Nélida Piñon, imortal da Academia Brasileira de Letras, conquistou com justiça o prestigiado Prêmio Casa de las Américas, oferecido por Cuba, por uma obra que é mais que um livro: é um encontro íntimo entre autora, personagens e mestres do imaginário universal. 

Neste volume de ensaios, Nélida costura reflexões apaixonadas sobre figuras literárias que atravessaram séculos, como Dom Quixote, Capitu e Ulisses, criando pontes entre o clássico e o contemporâneo, o Brasil e o mundo. Entre os textos, o leitor encontra ainda discursos históricos, como os proferidos por ela ao receber honrarias de peso, o Príncipe de Astúrias e o Menéndez Pelayo, que comprovam o reconhecimento internacional de sua trajetória. 

Mas é nas palavras da própria escritora que a força desse livro revela-se mais luminosa. Sentada numa “poltrona verde” e com a Ilíada no colo, ela descreve como trava um diálogo silencioso com Homero, mestre supremo da palavra. 

“Convicta de que ele simula ouvir a brasileira que, julgando-se às vezes camponesa e universal, reage às suas raivosas argumentações… Mas como Homero tem a imortalidade a seu favor, é paciente.”

Nélida se posiciona como aprendiz diante do poeta que moldou os alicerces da civilização ocidental. E, nesse gesto de humildade altiva, demonstra a maior grandeza de um verdadeiro escritor: saber que a literatura é sempre um ato de escuta, conversa e continuidade. 

O livro é, assim, uma aula de literatura viva, dada não com frieza acadêmica, mas com paixão e entrega total. É também um testemunho da devoção que move quem escreve — e que faz da literatura um diálogo infinito, onde até o silêncio entre as palavras fala mais alto que o tempo. 

Nélida Piñon, com sua prosa elegante, nos brinda com um convite raro: sentar-se ao lado dos grandes, ouvir suas vozes antigas e, ainda assim, ousar responder-lhes com a nossa própria voz. 

© Alberto Araújo - Focus Portal Cultural




Uyara Schiefer disse: “Alberto Araújo, tudo o que eu falei não ficou registrado. Eu só quero dizer que é um privilégio em tê-lo como amigo,  como um grande escritor que você é, de nos proporcionar a riqueza de informações, principalmente agora à tarde, que eu acabei de ler seu texto.  Esse precioso texto a respeito de Homero. 

Como a gente desconhece tanta coisa importante,  ainda mais que eu não tenho informação em literatura, mas, pela minha vivência de bibliotecária,  a gente tem uma noção, uma rápida noção do que foi esse homem,  o Homero, o grande poeta, autor de Ilíada.  E você, mais do que ninguém, escreveu com uma profundidade  e sensibilidade a respeito dele,  através desses ensaios, desse livro-ensaio da Nélida Piñon,  nos trazendo a lembrança dessa grande brasileira que foi Nélida Piñon,  primeira presidente da Academia Brasileira de Letras,  não só a mulher intelectual que foi e que nos deixou um legado imensurável, e que Dalma, professora Dalma Nascimento, foi uma grande amiga de Dalma Nascimento. Foi uma grande perda para nós, brasileiros, e para a literatura mundial. Ela se projetou sobremaneira.  

Muito obrigada por você ter trazido agora a minha tarde,  que estava tão nostálgica, esse texto tão enriquecedor. Muito obrigada, amigo. Como sempre, você é muito talentoso, de uma sensibilidade extrema. O seu estado, a sua cidade, está de parabéns por ter nos presenteado um filho tão querido aqui em Niterói. Um beijo para Shirley e que você tenha uma boa tarde. 

Uma tarde abençoada. E muito obrigada, mais uma vez,  por tudo que você pôde relatar de uma maneira poética, sensível e que me tocou profundamente. Me tocou Estou muito impactada pelo que você escreveu. Obrigada, querido. Muito obrigada." 

Uyara. 03-08-2025


Diferença entre Ilíada e Odisseia de Homero
pelo professor tradutor Trajano Vieira.



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