Na sala de visitas de Uyara Schiefer,
o tempo repousa sobre a parede.
Ali, três caravelas, eternamente prontas para zarpar, esperam o vento que sopra das memórias. As velas, tingidas de auroras e poentes, se abrem como páginas de um livro que só o mar sabe ler.
O horizonte não é de água, mas de sonho e nele, as embarcações se movem sem sair do lugar, navegando nas marés silenciosas da arte.
Sanção Pereira, o mestre acreano que pintou mais de trinta mil mundos em tela, deixou aqui um pedaço de eternidade. O seu pincel fez do algodão cru um oceano, fez da tinta um rumor de ondas, fez da luz uma saudade que balança no cais da alma.
Uyara, guardiã dessas velas,
acolheu-as como quem acolhe antigos viajantes.
Descobriu-as num recanto de lembranças no Shopping Serra Dourada, entre móveis que sussurravam histórias e relíquias que pediam novo lar.
Hoje, as caravelas repousam sob seu olhar, levando e trazendo mistérios que só os navegantes das palavras, como ela, podem decifrar.
E quando o sol da manhã invade a sala,
as velas parecem inflar-se de novo. Talvez seja apenas a luz. Ou talvez seja o
próprio espírito de Sanção, ainda soprando o vento que move sua pintura para
sempre.
© Alberto Araújo
14-08-2025
SANSÃO CAMPOS PEREIRA nasceu em Xapuri, 11 de junho de 1919 e faleceu no Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2014
Em Capixaba, um modesto distrito de Xapuri, no Acre, nasceu Sansão Campos Pereira, em 11 de junho de 1919. Desde cedo, sua mente inquieta buscava entender o mundo — tanto pelos números e fórmulas da ciência quanto pelas cores e formas da arte. Essa dualidade, entre a precisão da engenharia e a liberdade da criação, acompanharia toda a sua vida.
O engenheiro que iluminou o Acre
Sansão formou-se em engenharia elétrica na renomada Universidade de Berkeley, na Califórnia, concluindo seu curso em 1951. Ao retornar ao Brasil, trouxe consigo não apenas o conhecimento técnico, mas a visão de um mundo mais conectado e iluminado.
Sua primeira grande realização foi histórica: construiu a primeira usina de luz do Acre, a EletroAcre, levando energia a regiões antes isoladas. No Rio de Janeiro, seu talento se manifestou em obras complexas, como as elevatórias subterrâneas do Ribeirão das Lages, parte do sistema de abastecimento de água do Rio Guandu, e a estação de bombeamento do Rio Torto, em Brasília. Também atuou como diretor técnico do Moinho Inglês e sócio da Serva Ribeiro Engenharia S.A., consolidando sua reputação de engenheiro de excelência.
Mas Sansão não se limitava à engenharia: sua mente curiosa e generosa também se voltava à educação e à cultura. No Brasil, dirigiu o programa Youth for Understanding, enviando centenas de jovens para estudar nos Estados Unidos, promovendo intercâmbio e experiências que mudariam vidas.
O despertar do artista
Ainda que a engenharia fosse sua profissão, a arte encontrou Sansão de forma inesperada. Recém-chegado dos Estados Unidos, visitou sua prima Cláudia Ribeiro, que pintava em sua casa no Leme. Fascinado, recebeu dela uma tela em branco, pincéis e tintas. Aquela tela seria o início de uma jornada criativa que duraria a vida inteira.
Sansão nunca mais parou de pintar. Ao longo de décadas, produziu mais de 30 mil obras, transitando entre cores, formas e emoções com a mesma precisão de um cientista e a liberdade de um poeta. Cada viagem ao exterior se tornava oportunidade de aprendizado: estudou no Museu de Joaquín Sorolla, na Espanha, e na School of Arts em Oakland, na Califórnia, aprimorando técnicas e dialogando com artistas e intelectuais, como o físico e pintor Clark Hulings.
Sua arte refletia sua própria
filosofia de vida: livre, serena e intensa. Como ele mesmo dizia:
"Pinto livremente, tranquilamente, ao sabor de minha vontade, minha inspiração, minhas tendências e meus sentimentos."
O legado de uma vida multidimensional
Sansão Campos Pereira deixou um legado que atravessa fronteiras: contribuiu para a engenharia brasileira, formou jovens, iluminou cidades e inspirou através de suas obras de arte. Mais do que números ou telas, deixou um exemplo de vida que harmoniza ciência e sensibilidade, razão e emoção, trabalho e contemplação.
Morreu no Rio de Janeiro, em 11 de
dezembro de 2014, deixando ao mundo a prova de que é possível construir pontes
entre disciplinas, unir técnica e beleza, e viver com intensidade intelectual e
artística até o último dia.
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