sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O AMOR COMO DESTINO DA ALMA - PROSA REFLEXIVA DE ALBERTO ARAÚJO

O que nos sustenta, senão o amor? Não este amor apequenado, restrito às margens frágeis da conveniência humana, mas o amor que ultrapassa a carne e a matéria, o amor que se expande como verbo divino. A esperança nasce exatamente aí, nesse lugar onde a palavra não basta e o gesto se converte em eternidade.

É preciso recordar que a vida, por mais árida que se apresente, está sempre grávida de milagres. O simples pulsar do coração já é sinal de que a promessa do Criador continua a nos convocar ao sentido. Quando olhamos para dentro de nós e vemos o clarão discreto da esperança, ali se revela a assinatura de Deus. 

O amor não é apenas afeto, é também sabedoria, disciplina, travessia. Quem ama verdadeiramente reconhece a si mesmo no outro e, nesse reflexo, percebe que há uma centelha de divindade em toda criatura. Amar, portanto, é também um ato de fé. É consentir que a vida, apesar das perdas, é maior que a morte; é confiar que a esperança não se desfaz diante da noite, mas se aguça, pois sabe que o amanhecer é inevitável. 

Jesus Cristo nos ensinou essa lição na linguagem mais alta da simplicidade: amar o próximo como a nós mesmos. Não como ideal abstrato, mas como prática cotidiana. Porque amar é o único gesto que reabilita o mundo, que reconcilia o humano com o eterno, que converte o sofrimento em chama purificadora. 

É preciso, portanto, resgatar essa consciência amorosa como quem resgata uma herança esquecida. Só assim a esperança deixará de ser apenas um rumor distante e passará a ser prática viva em nossos passos. E, quando esse amor se fizer carne em cada um de nós, o Reino de Deus já não será promessa, mas realidade. 

© Alberto Araújo

  

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A Transfiguração de Rafael: a última obra-prima do Renascimento

A Transfiguração é a obra final de Rafael Sanzio, um dos maiores nomes do Renascimento italiano. Encomendada pelo cardeal Giulio de Medici, herdeiro da célebre dinastia de banqueiros, a pintura foi concebida para ocupar o retábulo central da Catedral de Narbonne, na França. Contudo, após a morte precoce de Rafael em 1520, a tela permaneceu em Roma, sendo instalada no altar-mor da igreja do Beato Amadeo de San Pietro in Montorio em 1523. 

A trajetória da obra atravessa os séculos: em 1797, durante a campanha italiana de Napoleão, foi levada a Paris e exposta no Louvre. Apenas mais tarde retornou ao território pontifício, encontrando morada definitiva na Pinacoteca Vaticana, onde permanece como uma das joias do acervo. 

Com dimensões colossais (410 x 279 cm), a pintura em óleo sobre madeira ultrapassa os limites do estilo renascentista, antecipando traços do maneirismo e do barroco. Nas figuras da parte inferior — em tensão, com corpos contorcidos e expressões dramáticas —, Rafael experimenta poses estilizadas, claroscuros intensos e um movimento vigoroso que anuncia novas linguagens artísticas. Já na parte superior, a simetria e a pureza da cena elevam Cristo em sua glória, ladeado por Moisés e Elias, diante de uma nuvem luminosa. 

O quadro articula duas dimensões do Evangelho segundo Mateus. No plano elevado, Cristo transfigurado manifesta a plenitude divina. No plano terreno, os Apóstolos, atônitos e impotentes, tentam curar um menino possuído. A oposição entre luz e sombra, entre o caos humano e a força redentora do Cristo, revela a dicotomia essencial da obra. 

Entre 1972 e 1976, um delicado processo de restauração demonstrou que apenas alguns detalhes da porção inferior foram concluídos por assistentes. A grandiosidade do conjunto, entretanto, é fruto direto das mãos do mestre. 

A Transfiguração não é apenas o testamento artístico de Rafael, mas também uma síntese do espírito de seu tempo: um limiar entre a perfeição clássica e a dramaticidade barroca, entre a serenidade celestial e a inquietação humana. Uma obra que, como a vida do artista, se encerra cedo demais — e por isso mesmo se eterniza. 

© Alberto Araújo 



 

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