sexta-feira, 29 de agosto de 2025

O ARREBATAMENTO DE PSIQUE - ENCONTREI O AMOR EM MEU COMPUTADOR - CRÔNICA DE ALBERTO ARAÚJO

 

O voo que não conhece o chão 

Há momentos na vida em que o acaso se torna um mensageiro silencioso, trazendo à tona algo que, sem sabermos, estávamos prontos para reencontrar. Foi assim hoje, ao me perder entre pastas antigas e esquecidas no meu computador, como quem abre gavetas de uma memória que já não esperava revisitar. Entre arquivos sem nome e imagens sem contexto, um clique me parou: diante de mim, surgiu “O Arrebatamento de Psique”, pintado em 1895 por William-Adolphe Bouguereau. 

A princípio, foi apenas um reencontro visual. Mas, em segundos, percebi que não era só uma pintura que se abria na tela, era um portal. A respiração suspensa, o olhar fixo, e a sensação de que algo maior do que eu se revelava. Na tela, Eros envolve Psique num abraço que não é apenas gesto de posse, mas de entrega absoluta. Não há tensão, não há disputa: há um pacto silencioso, um entendimento que dispensa palavras. 

Elevo meus olhos à cena e sinto que não é apenas arte, é confissão. É como se Bouguereau tivesse capturado o amor no instante exato em que ele decide deixar a terra para se tornar eterno. Não há chão sob os pés, mas também não há medo. O que existe é a certeza de que, quando o amor é verdadeiro, o precipício se transforma em céu.

Pensei, então, nas pessoas que amam intensamente. Naquelas que sabem se deixar levar pelos braços do ser amado, que não temem a vertigem nem o desconhecido. Amar assim não é se submeter, é confiar. Não é cair, é ascender. É permitir que o outro seja o vento que sustenta o voo, mesmo quando não se vê o horizonte.

O que mais me comove na obra é a entrega. Psique reclina a cabeça sobre o peito de Eros e, mesmo suspensa sobre abismos, sabe que não cairá. Há, nesse gesto, uma fé que não se explica, apenas se sente. É a confiança de quem sabe que o amor não é prisão, mas libertação; não é peso, mas asas.

Eros, por sua vez, não a segura como quem teme perder, mas como quem sabe que o amor não se retém à força. Seu abraço é firme, mas não aprisiona; é calor, não corrente. É a força que impulsiona, não a que limita. E, nesse equilíbrio, reside a beleza do arrebatamento: dois seres que se encontram e, juntos, desafiam a gravidade. 

Ao contemplar essa obra, confesso: enlouqueço de amor. Porque, se amar um dia for ser arrebatado assim, que venham os ventos, as alturas e o infinito. Que venham as tempestades e os céus abertos, porque nada será capaz de deter o voo de duas almas que se reconhecem. 

Hoje, no simples acaso de um clique esquecido, encontrei mais do que uma imagem. Encontrei um lembrete. Amar é deixar-se levar para além de si, é permitir que o outro nos conduza a lugares que jamais ousaríamos visitar sozinhos. É aceitar que, no amor, não há garantias, e é justamente essa ausência de certezas que o torna tão grandioso. 

© Alberto Araújo

Icaraí – agosto de 2025.




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