segunda-feira, 25 de agosto de 2025

DIALOGANDO COM “ONDE O TEMPO SE AJOELHA” DE ALBERTO ARAÚJO POR © MÁRCIA PESSANHA



           O texto de Alberto Araújo, jornalista, escritor, diretor do Focus Portal Cultural, intitulado “Onde o tempo se ajoelha”, que focaliza a igreja de Santa Luzia, em Luzilândia, sua terra natal, envolveu-me em uma aura de relembranças afetivas também da igreja de Nossa Senhora da Penha, em Tócos, 17º Distrito de Campos dos Goytacazes, meu solo pátrio e de meus ancestrais. Ligações umbilicais que permaneceram através dos tempos, sem o corte metafórico que pudesse separar a vida interior para o desafio do mundo exterior e distante das origens. 

              Seguindo essa trilha do desejo de preservar as raízes de nosso pertencimento, vale citar Mário de Andrade, quando diz no Prefácio Interessantíssimo de Pauliceia Desvairada: “Ninguém pode se libertar de uma vez por todas das teorias avós que bebeu”. Assim, podemos dizer que somos prisioneiros, no bom sentido, das heranças atávicas que contribuem para ser o que nós somos hoje. 

        Sob a visão de Andrea Bosi em “Memória e Sociedade, Lembrança de velhos”, à semelhança do que ela descreve referente à relação do sujeito com o objeto, podemos dizer que a igreja aqui evocada não é um simples monumento arquitetônico, vai muito além, é uma construção sustentada com os pilares da minha biografia, e a de meus familiares. Templo sagrado onde em uma bela manhã de domingo fui batizada, em missa festiva. Depois na idade propícia recebi a 1ª Comunhão, toda vestida de branco, véu com coroa de flores bem delicadas, tal qual uma noivinha. Depois veio momento da Crisma. E bem mais tarde, nessa mesma igreja me casei. Cerimônia que até hoje relembro com muita emoção. Muitas flores brancas e azuis ornamentando o altar, o cheiro do incenso, a Ave-Maria de Schubert tocada na entrada da noiva; as palavras do padre abençoando o casal e dizendo “que o homem não separe o que Deus uniu”. 

           E complementando a ciranda de celebrações cristãs meus dois filhos foram batizados nessa mesma igreja e com o mesmo sacerdote do meu casamento. Essa igreja que foi cenário de vários eventos festivos, também foi espaço de luto, de despedida, pois antigamente nos lugares do interior, os velórios eram feitos ou nas casas dos falecidos, ou nas igrejas e meus pais e avós foram velados nessa igreja. 

     Duas etapas do ser humano: vida e morte, congregados no mesmo espaço sacro. Isto me faz lembrar do “Poema de Natal” de Vinícius de Morares, nos versos “Para isso fomos feitos: para lembrar e ser lembrado, para chorar e fazer chorar, para enterrar nossos mortos (...) por isso temos braços longos para os adeuses/ mãos para colher o que foi dado./(...)Para isso fomos feitos:/ para a esperança no milagre/ para a participação da poesia.”

           E por falar em participação poética, para finalizar, retorno ao texto que motivou esse reencontro sinestésico, em que várias sensações, sentimentos epifânicos se entrelaçam na escrita de “Onde o tempo se ajoelha!” e ouso dizer que hoje, genuflexos, em pensamento, estamos diante do altar daquela bendita igreja, agradecendo a Deus por tudo o que ali vivemos.

 

© Márcia Maria de Jesus Pessanha

25 de agosto de 2025

 

 

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Mensagem a Márcia Pessanha

 

Amiga Márcia, recebi com imensa emoção o seu diálogo com meu texto “Onde o tempo se ajoelha”. Suas palavras atravessaram as fronteiras da minha memória e se entrelaçaram com as lembranças de sua terra e de sua igreja, como se nossas histórias, em diferentes geografias, partilhassem da mesma raiz espiritual. 

Sua escrita é um gesto de afeto e de cumplicidade literária, que transforma o passado em presente e dá continuidade à ciranda de memórias que nos sustenta. A delicadeza com que revisitou sua vida pela trilha de uma igreja é um testemunho de que a poesia se manifesta também nos alicerces da fé, nas celebrações e despedidas, nos instantes que moldam nossa humanidade. 

Agradeço de coração por sua afetividade comigo, por seu olhar generoso e pela partilha dessa intimidade tão bela. Somos, de fato, prisioneiros felizes das heranças afetivas que nos constituem, e é na poesia que elas encontram morada.

Com admiração e gratidão,

Alberto Araújo

25-08-2025



ONDE O TEMPO SE AJOELHA

CRÔNICA DE ALBERTO ARAÚJO 

Hoje, ao deslizar distraidamente pela página de Mana Pereira no Facebook, deparei-me com uma fotografia que me atravessou a alma como um raio de luz. Era a igreja de Santa Luzia, erguida firme no coração da minha cidade natal. A mesma igreja que testemunhou os primeiros passos da minha fé, onde fui batizado, fiz minha primeira comunhão e crisma. 

Ali está ela, imponente e serena, com sua torre apontando para o céu como um dedo que insiste em lembrar-nos de onde viemos e para onde vamos. Seu amarelo vibrante parece aquecer a memória, como se as paredes guardassem os ecos dos cânticos, o cheiro das flores nas festas de padroeira e o murmúrio das orações sussurradas por tantas vozes ao longo do tempo.

Naquele chão, eu era apenas um menino de calças curtas, com os olhos curiosos e o coração aprendendo a decifrar o mistério da vida. O tempo passou, e eu segui meu caminho. Mas a imagem da igreja, agora diante de mim em pixels luminosos, trouxe de volta o menino que fui, devolveu-me sua ingenuidade, sua fé intacta e sua alegria simples diante do sagrado. 

Há fotos que não apenas mostram: elas tocam. Essa, em especial, foi um tiro certeiro nas reminiscências, um chamado doce e inevitável às raízes que nunca se desfazem. A igreja de Santa Luzia não é apenas pedra, pintura ou torre; é o altar silencioso onde repousam pedaços da minha história.

E, diante dela, mesmo de longe, o tempo se ajoelha.

Crédito da foto: Mana Pereira

@Alberto Araújo

 

(Trilha sonora desta postagem - Árvore - Chico Chico e Fran)



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