terça-feira, 5 de agosto de 2025

A ETERNIDADE DO INSTANTE - ENSAIO SOBRE O EFÊMERO - POR ALBERTO ARAÚJO

 

“Nada está onde se imagina.”

— Antonio Cicero

 

O instante. Sempre o instante.

A mínima partícula do tempo que ousa nos conter, que nos ilude com a ideia de permanência enquanto se desfaz,  e nós com ele. O instante é o palco onde tudo acontece, e onde tudo já deixa de ser. 

A arte, como a vida, não escapa a essa tragédia de ser instante.

O poema é escrito para durar, mas é lido no tempo de um fôlego.

A música deseja ecoar para sempre, mas se apaga no silêncio seguinte.

O amor deseja eternidade, mas nasce já prenhe de finitude. 

No entanto, paradoxalmente, é nesse efêmero que se instala o eterno.

Não me refiro à eternidade das religiões, nem à cronologia das pedras.

Falo de uma eternidade interior: aquela que cabe em uma emoção que não se mede, em uma lembrança que nos visita com a mesma nitidez de quando nasceu. Essa eternidade não é medida pelo relógio, mas pela intensidade. É um dom da consciência. E, talvez, da linguagem.

A poesia é a arte que mais diretamente nos aponta isso: quando lemos um verso de Pessoa, de Sophia, de Drummond, não nos importa o século.

 

O poema anula o tempo histórico e, como uma flecha, perfura o agora com o gesto inaugural de quem acaba de nascer.

E Antonio Cicero, com a elegância dos que sabem o peso das palavras, nos lembra que “nada está onde se imagina”. Há nesse pensamento uma denúncia do delírio humano por permanência.

E também uma libertação.

Pois se tudo escapa, cabe a nós aprender a olhar o que escapa.

A ser testemunhas do que não se fixa.

A dançar com o instante.

Não é a fixidez que dá sentido ao mundo, mas sua vibração.

O fogo é belo porque se move,

a onda porque recua,

o corpo porque pulsa.

Também o pensamento precisa dessa leveza: de não se encerrar em dogmas, de não se petrificar em verdades, de aceitar o movimento como condição do real. 

A experiência humana é, assim, uma tentativa de capturar o invisível com redes de linguagem, de salvar o sensível da morte pelo pensamento.

Mas mesmo o pensamento se desfaz.

Mesmo o nome escapa.

Mesmo o verso, um dia, será pó.

E ainda assim, escrevemos.

Ainda assim, cantamos.

Ainda assim, amamos.

Porque talvez o que nos define, mais do que a razão, seja essa insistência em fazer do efêmero uma morada, ainda que feita de vento.

E nessa morada sem paredes, talvez, sejamos eternos.


© Alberto Araújo

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