“Nada está onde se imagina.”
— Antonio Cicero
O instante. Sempre o instante.
A mínima partícula do tempo que ousa nos conter, que nos ilude com a ideia de permanência enquanto se desfaz, e nós com ele. O instante é o palco onde tudo acontece, e onde tudo já deixa de ser.
A arte, como a vida, não escapa a essa tragédia de
ser instante.
O poema é escrito para durar, mas é lido no tempo
de um fôlego.
A música deseja ecoar para sempre, mas se apaga no
silêncio seguinte.
O amor deseja eternidade, mas nasce já prenhe de finitude.
No entanto, paradoxalmente, é nesse efêmero que se
instala o eterno.
Não me refiro à eternidade das religiões, nem à
cronologia das pedras.
Falo de uma eternidade interior: aquela que cabe em
uma emoção que não se mede, em uma lembrança que nos visita com a mesma nitidez
de quando nasceu. Essa eternidade não é medida pelo relógio, mas pela
intensidade. É um dom da consciência. E, talvez, da linguagem.
A poesia é a arte que mais diretamente nos aponta
isso: quando lemos um verso de Pessoa, de Sophia, de Drummond, não nos importa
o século.
O poema anula o tempo histórico e, como uma flecha,
perfura o agora com o gesto inaugural de quem acaba de nascer.
E Antonio Cicero, com a elegância dos que sabem o peso das palavras, nos lembra que “nada está onde se imagina”. Há nesse pensamento uma denúncia do delírio humano por permanência.
E também uma libertação.
Pois se tudo escapa, cabe a nós aprender a olhar o
que escapa.
A ser testemunhas do que não se fixa.
A dançar com o instante.
Não é a fixidez que dá sentido ao mundo, mas sua
vibração.
O fogo é belo porque se move,
a onda porque recua,
o corpo porque pulsa.
Também o pensamento precisa dessa leveza: de não se encerrar em dogmas, de não se petrificar em verdades, de aceitar o movimento como condição do real.
A experiência humana é, assim, uma tentativa de
capturar o invisível com redes de linguagem, de salvar o sensível da morte pelo
pensamento.
Mas mesmo o pensamento se desfaz.
Mesmo o nome escapa.
Mesmo o verso, um dia, será pó.
E ainda assim, escrevemos.
Ainda assim, cantamos.
Ainda assim, amamos.
Porque talvez o que nos define, mais do que a
razão, seja essa insistência em fazer do efêmero uma morada, ainda que feita de
vento.
E nessa morada sem paredes, talvez, sejamos
eternos.
© Alberto Araújo
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