Deixei-me levar, sem pressa, pelas
águas silenciosas do Velho Monge.
Era menino ainda, mas menino que já carregava em si o peso leve das memórias de Luzilândia: o quintal poeirento, as manhãs que começavam com o canto dos galos, a fé bordada no olhar de minha mãe, e a sombra doce de Santa Luzia velando meus passos.
As águas me embalaram com a paciência dos rios antigos, como quem embala um segredo, e fui descendo em devaneio pelo leito do Parnaíba.
Nas margens, vi o riso dos cajueiros, as casas baixas cochichando histórias de avós, e ouvi o canto rouco de um pescador que parecia rezar ao lançar suas redes.
Desci sem medo, porque sabia que não se perde quem se entrega ao curso da água; apenas se reencontra em outras margens.
O Velho Monge sabia o caminho, seu
leito conhece as veias ocultas do tempo, e o tempo, por sua vez, conhece os
corações que se deixam levar.
E fui indo… até que o cheiro do barro deu lugar ao cheiro do sal.
O vento mudou, ganhou asas maiores, e
o céu se abriu como quem convida.
Então, num gesto sereno, o Parnaíba me
ofertou ao Atlântico: um rio que se entrega ao mar sem deixar de ser rio.
Atravessei mares de lembranças, flutuei entre correntes de saudade e esperança, até que meus olhos se encheram da curva azul da Baía de Guanabara.
Ali, as águas me trouxeram a Niterói —
cidade que me acolheu feito abraço tardio, mas inteiro.
E no mar de Icaraí, encontrei repouso.
Aquele mar que espelha nuvens tão leves quanto as memórias da infância, e ao mesmo tempo guarda em suas ondas a força de quem nunca esqueceu de onde veio.
Mesmo quando piso as pedras da orla e
contemplo o Cristo ao longe, sinto que algo em mim ainda corre, ainda desliza,
ainda nasce na beira de Luzilândia.
Pois trago, escondido no peito, um pequeno rio que nunca seca — um fio invisível que me liga ao Velho Monge.
E assim vou vivendo, feito quem navega
em dois tempos:
numa mão, o passado guardado na canção
doce das águas barrentas;
na outra, o presente que balança nas marés de Icaraí.
Sou travessia:
um menino do sertão levado, em sonho,
até o azul infinito.
E mesmo aqui, onde o rio se fez mar, ainda ouço, bem fundo, o murmúrio do Parnaíba dizendo: “Segue, menino, pois quem se faz água, nunca se perde: apenas encontra novos portos.”
© Alberto Araújo.
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