domingo, 3 de agosto de 2025

TRAVESSIA DO VELHO MONGE AO MAR DE ICARAÍ - UMA MEMÓRIA IMAGINADA E VIVIDA @ ALBERTO ARAÚJO

 

Deixei-me levar, sem pressa, pelas águas silenciosas do Velho Monge.

Era menino ainda, mas menino que já carregava em si o peso leve das memórias de Luzilândia: o quintal poeirento, as manhãs que começavam com o canto dos galos, a fé bordada no olhar de minha mãe, e a sombra doce de Santa Luzia velando meus passos. 

As águas me embalaram com a paciência dos rios antigos, como quem embala um segredo, e fui descendo em devaneio pelo leito do Parnaíba. 

Nas margens, vi o riso dos cajueiros, as casas baixas cochichando histórias de avós, e ouvi o canto rouco de um pescador que parecia rezar ao lançar suas redes. 

Desci sem medo, porque sabia que não se perde quem se entrega ao curso da água; apenas se reencontra em outras margens. 

O Velho Monge sabia o caminho, seu leito conhece as veias ocultas do tempo, e o tempo, por sua vez, conhece os corações que se deixam levar.

E fui indo… até que o cheiro do barro deu lugar ao cheiro do sal. 

O vento mudou, ganhou asas maiores, e o céu se abriu como quem convida.

Então, num gesto sereno, o Parnaíba me ofertou ao Atlântico: um rio que se entrega ao mar sem deixar de ser rio.

Atravessei mares de lembranças, flutuei entre correntes de saudade e esperança, até que meus olhos se encheram da curva azul da Baía de Guanabara. 

Ali, as águas me trouxeram a Niterói — cidade que me acolheu feito abraço tardio, mas inteiro.

E no mar de Icaraí, encontrei repouso. 

Aquele mar que espelha nuvens tão leves quanto as memórias da infância, e ao mesmo tempo guarda em suas ondas a força de quem nunca esqueceu de onde veio. 

Mesmo quando piso as pedras da orla e contemplo o Cristo ao longe, sinto que algo em mim ainda corre, ainda desliza, ainda nasce na beira de Luzilândia.

Pois trago, escondido no peito, um pequeno rio que nunca seca — um fio invisível que me liga ao Velho Monge. 

E assim vou vivendo, feito quem navega em dois tempos:

numa mão, o passado guardado na canção doce das águas barrentas;

na outra, o presente que balança nas marés de Icaraí. 

Sou travessia:

um menino do sertão levado, em sonho, até o azul infinito.

E mesmo aqui, onde o rio se fez mar, ainda ouço, bem fundo, o murmúrio do Parnaíba dizendo: “Segue, menino, pois quem se faz água, nunca se perde: apenas encontra novos portos.” 

© Alberto Araújo. 




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