segunda-feira, 6 de março de 2023

90 ANOS DA PRIMEIRA PUBLICAÇÃO DA OBRA “O CAMINHO PARA A DISTÂNCIA” DO POETA E ESCRITOR VINICIUS DE MORAES. RIO DE JANEIRO EDITORA SCHMIDT, 1933.

 




O CAMINHO PARA A DISTÂNCIA

 

O primeiro livro de Vinicius de Moraes já trazia no título o aspecto dramático que atravessava sua poesia de juventude. Com forte interesse pelas ideias dos intelectuais católicos e metafísicos do Rio de Janeiro de então, o poeta investe em longos versos sobre tormentas de sua alma e conflitos espirituais internos que davam o tom do grupo. Otavio de Faria, América Jacobina Lacombe, Augusto Frederico Schmidt e Lucio Cardoso eram alguns dos nomes que faziam parte da vida e das orientações intelectuais do jovem Vinicius.

Com o primeiro poema publicado em 1932, na revista católica A Ordem, dirigida por Alceu Amoroso Lima, a carreira de poeta do jovem estudante de Direito do Catete estava selada, mesmo que ainda de forma tímida. Sua filiação quase completa aos temas católicos faz de sua estreia um esboço ainda distante do que, logo no livro seguinte, de 1935, já indica um poeta em deslocamento. Seus versos partem, aos poucos, rumo a temas mais amplos do que a questão católica. Neste livro, lemos ainda um poeta que olha o mundo através da fé, sem nunca perder, porém, o conturbado ponto de vista da alma.

 

MÍSTICO

O ar está cheio de murmúrios misteriosos

E na névoa clara das coisas há um vago sentido de espiritualização...

Tudo está cheio de ruídos sonolentos

Que vêm do céu, que vêm do chão

E que esmagam o infinito do meu desespero.

 

Através do tenuíssimo de névoa que o céu cobre

Eu sinto a luz desesperadamente

Bater no fosco da bruma que a suspende.

As grandes nuvens brancas e paradas —

Suspensas e paradas

Como aves solícitas de luz —

Ritmam interiormente o movimento da luz:

Dão ao lago do céu

A beleza plácida dos grandes blocos de gelo.

 

No olhar aberto que eu ponho nas coisas do alto

Há todo um amor à divindade.

No coração aberto que eu tenho para as coisas do alto

Há todo um amor ao mundo.

No espírito que eu tenho embebido das coisas do alto

Há toda uma compreensão.

 

Almas que povoais o caminho de luz

Que, longas, passeais nas noites lindas

Que andais suspensas a caminhar no sentido da luz

O que buscais, almas irmãs da minha?

Por que vos arrastais dentro da noite murmurosa

Com os vossos braços longos em atitude de êxtase?

Vedes alguma coisa

Que esta luz que me ofusca esconde à minha visão?

Sentis alguma coisa

Que eu não sinta talvez?

Porque as vossas mãos de nuvem e névoa

Se espalmam na suprema adoração?

É o castigo, talvez?

 

Eu já de há muito tempo vos espio

Na vossa estranha caminhada.

Como quisera estar entre o vosso cortejo

Para viver entre vós a minha vida humana...

Talvez, unido a vós, solto por entre vós

Eu pudesse quebrar os grilhões que vos prendem...

 

Sou bem melhor que vós, almas acorrentadas

Porque eu também estou acorrentado

E nem vos passa, talvez, a ideia do auxílio.

Eu estou acorrentado à noite murmurosa

E não me libertais...

Sou bem melhor que vós, almas cheias de humildade.

Solta ao mundo, a minha alma jamais irá viver convosco.

 

Eu sei que ela já tem o seu lugar

Bem junto ao trono da divindade

Para a verdadeira adoração.

 

Tem o lugar dos escolhidos

Dos que sofreram, dos que viveram e dos que compreenderam.



VINICIUS DE MORAES

 

Vinicius de Moraes, nascido Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes no Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1913 e faleceu no Rio de Janeiro, 9 de julho de 1980), foi um poeta, dramaturgo, jornalista, diplomata, cantor e compositor brasileiro.

Poeta essencialmente lírico, o que lhe renderia o apelido "Poetinha", que lhe teria atribuído Tom Jobim, notabilizou-se pelos seus sonetos. Conhecido como um boêmio inveterado, fumante e apreciador do uísque, era também conhecido por ser um grande conquistador. O Poetinha casou-se por nove vezes ao longo de sua vida e suas esposas foram, respectivamente: Beatriz Azevedo de Melo (mais conhecida como Tati de Moraes), Regina Pederneiras, Lila Bôscoli, Maria Lúcia Proença, Nelita de Abreu, Cristina Gurjão, Gessy Gesse, Marta Rodrigues Santamaria (a Martita) e Gilda de Queirós Mattoso.

Sua obra é vasta, passando pela literatura, teatro, cinema e música. Ainda assim, sempre considerou que a poesia foi sua primeira e maior vocação, e que toda sua atividade artística deriva do fato de ser poeta. No campo musical, o Poetinha teve como principais parceiros Tom Jobim, Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra. 












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