segunda-feira, 25 de abril de 2022

MAIS HISTÓRIAS DE PAPAI... TEXTO DE DALMA NASCIMENTO

 




MAIS HISTÓRIAS DE PAPAI... TEXTO DE DALMA NASCIMENTO        


No meu tempo de menina, em Barra do Piraí, eram comuns residências, mesmo simples, com jardinzinhos, quintais no fundo e o indefectível porão, esconderijo dos bagulhos domésticos.  Adolescente, morei numa casa assim na Rua Franklin de Morais e dela guardo preciosas lembranças.  Varanda em L, ornada de plantas, – ah!  O perfume da dama da noite! - quintal com árvores, coradouro de latas para clarear roupas, terreno terminando no Rio Piraí, ainda com água formando uma pequenina praia com areia do quintal.

Mas para mim, o grande sortilégio da casa residia no porão. Mafuá arrumado com tanta coisa misturada que meus olhos acordantes à vida, maravilhavam–se ainda no estreito mundo. Papai era o dono daquele recanto de sortilégios para mim. Sempre com a chave guardada,  aquela  porta, quando aberta era o jardim das delícias.  Mas raramente ele a visitava e eu, sempre escondida espreitando, sempre esperando acontecer.

Um belo dia, papai trouxe de um caixote do porão da casa,  uma  antiga revista, já meio sépia e rasgada, escrita em francês, fácil leitura para ele traduzir, craque em francês com uma ilustração lindíssima: uma bela jovem, de  pureza angelical, acariciava um passarinho  tendo  ao  lado  um  cavalo  branco com um cone espiralado na testa.  O fundo da cena, de vermelho vivo com pequeninas flores salpicadas, mostrava uma paisagem campestre. Papai, sempre entendido em mitos, ficou sem saber me dar explicações. Absorvi  aquela  cena  delicada  e densa de sugestões sombrailuminando-se  em mim por várias décadas.

Passaram se os tempos. A vida rodou, a Idade Média, entre vários outros  temas, tornou-se  objeto de meus  estudos.   Numa ida à França para um  congresso  em  Rennes  sobre Literatura Brasileira, antes de partir  para Bretanha, onde  ocorreria o evento  na Universidade da Haute  Bretagne, desvencilhei-me do grupo  de colegas. E, em Paris, sozinha, ali pertinho da Sorbonne, está o Musée de Cluny, construção medieval sobre termas romanas.  Conhecida agora, estudiosa que sou, a tradição por intermédio de livros. Sabia que havia alas dedicadas à Antiguidade Clássica e outras à IDADE MÉDIA.  Resolvi entrar.

Extasiei-me. Percorri sala e sala, subi escadas, percorri corredores, iluminada por dentro pelos esplendores das dependências medievais.

De repente, estou num enorme salão redondo com as paredes circundadas de telas.   E lá estava ela, a minha amiguinha desconhecida na infância  me olhando com seu cavalo branco. Era a imagem sonhada na meninice.

A mesma dama, em várias posições circundadas por outros bichos. Era a dama, que eu em garota, sonhara ser, etérea e medieval. Enorme, a emoção. Volta direta ao passado. O segredo desvelara-se. Era “La dame à la licorne”, a olhar-me na parede do  salão redondo agora meio vazio, naquela manhã  de Paris  meio outonal. Pouco turista ainda em torno.

Esquecida de minha posição de adulta, e já professora universitária, voltei–me à infância. Havia uma escadinha para a assistência contemplar. Passei por elas. E deitei inteiramente no chão, de mármore e arquitetonicamente redondo para melhor contemplar as seis tapeçarias de “La dame à la licorne.”

Esquecida de tudo, dos turistas já em torno chegando, estava em êxtase. Longo foi o tempo a contemplar. A cena do passado da revista tão suja no porão da minha Barra me veio à mente. Grande foi o tempo a contemplar as seis tapeçarias. Até que, após longo tempo um guarda do museu, vendo–me deitada no mármore, uma senhora de calça Lee no chão, convidou–me gentilmente a levantar.

Voltando ao Brasil, Papai já falecera.  Não soubera do reencontro com o passado. Mas contei aos amigos e aos alunos a cena, com todos os detalhes. Soube depois, que uma das minhas alunas, cujo nome não vou declinar por respeito – mas tudo, tudinho que estou a contar não é autoficção. Em minha homenagem repetira a cena.

Mas essa história não terminou aí. Ainda “deu panos pra manga” como diz a gíria. A parte melhor só em outro número do “Focus Portal Cultural”. Esperem...

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