A ESPANTOSA REALIDADE DAS COISAS – ALBERTO CAEIRO
| FERNANDO PESSOA
(A realidade é uma descoberta permanente)
A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei-de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer
isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada,
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum
comigo.
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena
ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo
isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem
esforço,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos,
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha
vontade.
“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (10ª ed. 1993). - 83.“Poemas Inconjuntos”. 1ª publ. in Athena, nº 5. Lisboa: Fev. 1925.
FERNANDO ANTÔNIO NOGUEIRA PESSOA nasceu
em Lisboa, Mártires, 13 de junho de 1888
e faleceu em Lisboa, Santa Catarina, 30 de novembro de 1935, foi um
poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo,
inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e
comentarista político português.
Fernando Pessoa é o mais
universal poeta português. Por ter sido educado na África do Sul, numa escola
católica irlandesa de Durban, chegou a ter maior familiaridade com o idioma
inglês do que com o português ao escrever os seus primeiros poemas nesse
idioma. O crítico literário Harold Bloom considerou Pessoa como "Whitman
renascido", e o incluiu no seu cânone entre os 26 melhores escritores da
civilização ocidental, não apenas da literatura portuguesa, mas também da
inglesa.
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