segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

ANTÔNIO MANUEL COUTO VIANA COMEMORARIA CEM ANOS E INVOCAMOS A PEDAGOGIA DA CULTURA POPULAR E A PREOCUPAÇÃO ESPECIAL QUE TEVE COM OS MAIS JOVENS E COM A IMPORTÂNCIA DO TEATRO NO ENSINO

 

 

PEDAGOGO DA CULTURA POPULAR

Celebra-se o centenário de um poeta e homem de teatro, que influenciou decisivamente muitas gerações de jovens nos anos cinquenta e sessenta. António Manuel Couto Viana foi, antes de tudo, um pedagogo da cultura popular portuguesa. Pode dizer-se que foi esse seu papel de ativo educador através da leitura e do teatro que deixou uma marca indelével. Filho de um português e de mãe aragonesa, cultivou sempre as suas raízes galaico portuguesas e minhotas.

António Manuel Couto Viana nasceu em Viana do Castelo, em 24 de janeiro de 1923 faleceu em Lisboa, 8 de Junho de 2010, poeta, dramaturgo, ensaísta, memorialista e tradutor, fez os seus estudos no seu Minho e em Lisboa. Era irmão de Maria Manuela Couto Viana.

Desde sempre foi um entusiasta do teatro, como a arte que melhor permite ligar a criatividade popular e a necessidade da cultura, tendo recebido de seu avô, com suas irmãs, em herança o Teatro Sá de Miranda de Braga. Cedo começou a colaborar no Teatro Estúdio do Salitre, como ator, cenógrafo e encenador (1948-1950), sendo ainda um dos animadores do Teatro de Ensaio do Monumental (1952), bem como diretor do Teatro do Gerifalto (1956-1960) – onde também estiveram Cecília Guimarães, Henriqueta Maya, Irene Cruz, Rui Mendes e Morais e Castro. Participou na Companhia Nacional de Teatro – Teatro da Trindade (1961-1965). Como ator, encenador e mestre da arte de dizer e de representar, encenou na televisão portuguesa (RTP) espetáculos de teatro e animou conversas e programas, com grande repercussão entre o público de todas as idades, mas especialmente entre os jovens, atraindo uma nova geração de atores e artistas para a arte de Talma. Lecionou no Liceu D. Leonor e foi membro do Conselho de Leitura da Fundação Calouste Gulbenkian. Estreou-se na escrita em 1948 com o livro de poemas O Avestruz Lírico, muito bem recebido pela crítica. Foi autor de mais de uma centena de obras escritas.

 

ATIVIDADE INTENSA DE PROMOÇÃO DA CULTURA

 

De 1950 a 1954, dirigiu com David Mourão-Ferreira e Luiz de Macedo as folhas de poesia Távola Redonda, e em 1956-1957 a revista de cultura Graal, participando na revista Tempo Presente em 1959-1961. A sua obra poética procurou reabilitar as tradições líricas populares e um certo culto do passado e da paisagem. Além da poesia e do teatro, dedicou-se à literatura infantil, a partir dos principais autores europeus e dos romanceiros portugueses antigos, estudando-a em ensaios, escrevendo e traduzindo livros destinados aos mais jovens. Dirigiu o Camarada (1949-1951). Uma boa parte da sua atividade teatral como ator, encenador e autor dirigiu-se também aos jovens e às crianças, o que se relaciona com a sua obra poética onde perpassam marcas dos temas dos contos tradicionais. A referência ao Gerifalto, que marcou o mais importante grupo que animou, tem a ver com a simbologia de uma ave semelhante ao falcão, que representava a altivez e a valentia. Couto Viana está representado nas principais antologias de poesia portuguesa, e os seus poemas foram traduzidos para castelhano por Angel Crespo e para inglês por Joan R. Longland. Foi em 1960 premiado com o Prémio de Poesia Luso-Galaica Valle-Inclan, além de um conjunto dos principais galardões relativos à poesia e ao conto.  

Um dos seus poemas mais célebres, publicado em “Versos de Caracacá”, intitula-se “A Maçã”, que recordamos: «Na relva cheia de pó, / cai uma maçã pequena / que ao ver-se tão suja e só/começa a chorar de pena. / O galo do catavento, / temendo alguma desgraça, / pára logo o movimento / e pergunta: - O que se passa? / - Quero ver o Mundo! – diz / a maçã, a soluçar. / - O escaravelho é feliz, / pois tem patas para andar! / / De um alto ramo pendente / via o Sol, o Céu, a estrela / com gatos e cães e gente. / Mas, no chão, não vejo nada! / Eu tenho uma rica ideia! / - diz o galo (e bate as asas). / - Dou-te esta noite boleia / para veres gentes e casas. / E assim fez. Voa da igreja, / põe às costas a maçã / que vê tudo o que deseja / até ao romper da manhã. / - Olha outro galo tão lindo, / a voar! – Maçã pateta! – / responde-lhe o galo, rindo. / - Aquilo é uma borboleta! // Olha uma casa amarela! / Desço até ela. Já está! / Espreita pela janela / e diz-me o que vês por lá. / - Vejo uvas numa taça – / diz a maçã. -  Por favor, / chega-te mais à vidraça, / para eu espreitar melhor. / E a maçã pôde, assim, ver, / sobre a toalha engomada, / o garfo, a faca, a colher. / Viu tudo e ficou cansada. // O galo regressou à sua / torre da igreja aldeã / para, aí, contar à Lua / a viagem da maçã. //E a maçã muito contente, / diz, na relva, para consigo: / - Vi o Mundo, finalmente! / E o galo é meu amigo!»  

O CULTO DAS TRADIÇÕES

Como afirmou um dia sobre o Alto Minho: «A família toda foi uma apaixonada pela sua terra, que é encantadora: meu pai, um etnólogo, um homem que fez o ressurgimento do trajo à lavradeira (aquilo a que se chama «trajo à minhota», mas que é apenas do concelho de Viana do Castelo) e escreveu sobre Viana; minha irmã mais velha também tinha uma grande paixão por Viana e escreveu muito sobre ela e o mesmo com a minha outra irmã... O Luís d’Oliveira Guimarães dizia que o meu pai amava tanto a própria terra que até a usava no nome (Couto Viana). Eu identifico-me com a cidade e tenho recebido dela um carinho e uma admiração muito grandes – recentemente foi edificada a Biblioteca Municipal de Viana, que tem quatro salas: a sala Camões, a sala Fernando Pessoa, a sala José Saramago e a sala Couto Viana; sou cidadão de mérito da cidade; a Câmara Municipal tem publicado muitos livros meus de poesia e ensaio. A cidade tem correspondido ao meu amor”. Esta referência significa que a obra de António Manuel Couto Viana procura ligar, a partir da poesia, a literatura, a língua e a procura da compreensão da cultura como ponto de encontro entre as gerações – numa verdadeira noção de património cultural como realidade viva. Assim, a leitura da sua obra constitui um ensinamento permanente sobre o cadinho complexo e heterogéneo que vai construindo a língua portuguesa – de Camões a Eça de Queiroz, passando por Vieira e Garrett, por Sá de Miranda e Antero, sem esquecer os antigos trovadores, de que o poeta se considerava seguidor. Um pedagogo da cultura popular não poderia ser outra coisa do que um ouvinte fiel das tradições e leitor atento da melhor língua erudita.

 

HOMENAGENS

A 9 de junho de 1995 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique. António Viana recebeu vários galardões literários como o Prêmio de Poesia Luso-Galaica Valle-Inclan, o Prêmio Antero de Quental, o Prêmio Nacional de Poesia, o Prêmio Fundação Oriente ou o Prêmio Academia das Ciências de Lisboa. Foi condecorado com a Banda da Cruz de Mérito, Grão Cruz da Falange Galega e a medalha de Mérito Cultural da Cidade de Viana do Castelo.

Obras

Os seus poemas estão traduzidos em francês, inglês, espanhol, chinês, alemão e russo.

 



O escritor António Manuel Couto Viana morreu esta tarde aos 87 anos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, disse à Lusa fonte próxima da família.

O escritor, que residia há cerca de dez anos na Casa do Artista, em Lisboa, foi internado naquele hospital “nos últimos dias, devido a problemas num pé que se agravaram, vindo a falecer”, disse a mesma fonte.

O último livro de António Manuel Couto Viana, poeta, contista, ensaísta, actor, dramaturgo, encenador e figurinista, foi a poesia de “Ainda não”, com poemas autobiográficos, lançado em Abril. O volume de contos pícaros com o título “O que é que eu tenho Maria Arnalda?” foi editado em Setembro de 2009.

 

FONTE: https://e-cultura.blogs.sapo.pt/a-vida-dos-livros-1427536

TEXTO DO JORNALISTA: GUILHERME D’OLIVEIRA MARTINS

COMPLEMENTO: ALBERTO ARAÚJO

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