Um retrato irreverente do Brasil
José Cândido de Carvalho, em sua obra "Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon", nos presenteia com uma coletânea de contos que pintam um quadro cintilante e humorístico do Brasil.
Por intermédio de narrativas curtas e bem-humoradas, o autor explora os costumes, a linguagem e os personagens típicos do interior do país.
O autor utiliza uma linguagem simples e próxima à fala do povo, tornando a leitura mais leve e divertida. A ironia e o humor são elementos marcantes da obra, permitindo que o leitor reflita sobre a sociedade de forma crítica e bem-humorada. Através de personagens caricatos e pitorescos, o autor cria um painel da diversidade cultural brasileira.
TRÊS
CONTOS HILÁRIOS NA OBRA:
FERREIRO NÃO TEM MULHER DE PAU
Carta de dona Angelina Pacó para seu Pacó marido, ferreiro de bom conceito em Santo André do Pinhal:
“Marido, saiba que não tem sujeito mais sem sorte do que sua pessoa. Por motivo de botar tua ferraria na ponta dos cascos, coisa de destroçar de inveja o povinho falador de Santo André, peguei um jogo de carta com Juquinha Melo, aquele vendedor de cereais que sempre pegava hospedagem no Hotel da Ponte. Falta de sorte tua, porquanto o danado só quis apostar em coisas de meus pertences carnais. Joguei o cabelo e perdi. Joguei os braços e perdi, bem assim como o que estava bem guardado da cintura para baixo, pelo que tive de acompanhar o sortudo do Juquinha para sua casa de Itaúna até desgastar a dívida, fazendo ele uso e abuso do que ganhou pelo direito do jogo, depois do que volto para tua companhia com a honra limpa e desendividada, que não sou mulher de deixar o nome do marido na falência.” Página 172
ONÇA EM TIRO DE FOTOGRAFIA
Um que foi às onças: Aruinha Pereira. Desceu em Pilar U da Cruz falando em tiros e calibres de espingarda. De tarde, vindo do carrascal, chegou, dependurada em vara, uma onça morta à zagaia. Rapidinho, de máquina armada, Aruinha pediu que batessem para ele uma chapa. E de espingarda na mão e botina na cabeça da pintada Aruinha posou para a eternidade da fotografia. Isso feito, agradeceu, arrumou as bagagens, pagou a conta no Hotel dos Viajantes e pediu condução. Na hora da largada, já na soleira da porta, o hoteleiro indagou de Aruinha se voltava para dar morte às onças. E para fomentar o tiro de Aruinha: Tem cada peça, doutor, de pedir bala grossa! Onça aparentada de bezerro.
E Aruinha firmando o chapéu de caçador na cabeça: Que onça? O amigo acha que vim do comércio limpo do Rio de Janeiro para morrer em unha suja de onça? Era o que faltava! Vim só tirar fotografia, que em caçada o que vale é a fotografia. Com essa onça de hoje, é a quinta que mato a poder de máquina de tirar retrato, meu amigo. A quinta! E partiu, com armas e bagagens, na mula das sete horas.” Página 169.
PORQUE LULU BERGANTIM NÃO ATRAVESSOU O RUBICON
Lulu Bergantim veio de longe, fez dois discursos, explicou por que não atravessou o Rubicon, coisa que ninguém entendeu, expediu dois socos na Tomada da Bastilha, o que também ninguém entendeu, entrou na política e foi eleito na ponta dos votos de Curralzinho Novo. No dia da posse, depois dos dobrados da Banda Carlos Gomes e dos versos atirados no rosto de Lulu Bergantim pela professora Andrelina Tupinambá, o novo prefeito de Curralzinho sacou do paletó na vista de todo o mundo, arregaçou as mangas e disse:
Já falaram, já comeram biscoitinhos de araruta e licor de jenipapo. Agora é trabalhar!
E sem mais aquela, atravessou a sala da posse, ganhou a porta e caiu de enxada nos matos que infestavam a Rua do Cais. O povo, de boca aberta, não lembrava em cem anos de ter acontecido um prefeito desse porte. Cajuca Viana, presidente da Câmara de Vereadores, para não ficar por baixo, Pegou também no instrumento e foi concorrer com Lulu Bergantim nos trabalhos de limpeza. Com pouco mais, toda cidade de Curralzinho estava no pau da enxada. Era um enxadar de possessos! Até a professora Andrelina Tupinambá, de óculos, entrou no serviço de faxina. E assim, de limpeza em limpeza, as ruas de Curralsinho ficaram novinhas em folha, saltando na ponta das pedras. E uma tarde, de brocha na mão, Lulu caiu em trabalho de calação. Era assoviando “O teu-cabelo-não-nega, mulata, porque és-mulata-na-cor" que o ilustre sujeito público comandava as brochas de sua jurisdição, Lambuzada de cal, Curralainho pulava nos sapa tos, branquinha mais que asa de anjo. E de melhoria em melhoria, a cidade foi andando na frente dos safanões de Lulu Bergantim. Às vezes, na sacada do casarão da prefeitura, Lulu ameaçava:
Ou vai ou racha!
E uma noite, trepado no coreto da Praça das Acácias, gritou: Agora a gente vai fazer serviço de tatu.
O povo todo, uma picareta só, começou a esburacar ruas e becos de modo a deixar passar encanamento de água Em um quarto de ano Curralzinho já gozava, como dizia cheio de vírgulas e crases o Sentinela Municipal, do "salutar beneficio do chamado precioso liquido". Por força de uma proposta de Cazuza Militão, dentista prático e grão-mestre da Loja Maçônica José Bonifácio, fizeram correr o pires da subscrição de modo a montar Lulu Bergantim em forma de estátua, na Praça das Acácias. E andava o bronze no meio do trabalho de fundição, quando Lulu Bergantim, de repente, resolveu deixar o oficio de prefeito. Correu todo mundo com pedidos e apelações. O promotor público Belinho San tos fez discurso. E discurso fez, com a faixa de provedor mor da Santa Casa no peito, o major Penelão de Aguiar. E Lulu firme:
Não abro mão! Vou embora para Ponte Nova. Já remeti telegrama avisativo de minha chegada.
Em verdade Lulu Bergantim não foi por conta própria. Vieram buscar Lulu em viagem especial, uma vez que era fugido do Hospício Santa Isabel de Inhangapi de Lavras. Na despedida de Lulu Bergantim pingava tristeza dos olhos e dos telhados de Curralzinho Novo. E ao dobrar a última rua da cidade, estendeu o braço e afirmou:
Por essas e por outras é que não atravessei o Rubicon!
Lulu foi embora embarcado em nunca mais. Sua estátua ficou no melhor pedestal da Praça das Acácias. Lulu em mangas de camisa, de enxada na mão. Para sempre Lulu Bergantim!” - Páginas 283, 284,285.
A obra é uma excelente porta de entrada para quem deseja conhecer mais sobre a cultura e a identidade brasileira. Proporciona momentos de descontração e reflexão, convidando o leitor a pensar sobre os desafios e as contradições da sociedade.
"Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon" é considerado um clássico da literatura brasileira, sendo uma leitura indispensável para os amantes da boa literatura.
José Cândido de Carvalho, ao escrever "Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon", nos transporta para um Brasil rural e interiorano, marcado por transformações sociais e políticas.
A obra, publicada originalmente em 1971, reflete um momento de mudanças significativas no país, como a urbanização acelerada e a crescente influência da cultura de massa.
Os contos de José Cândido retratam o cotidiano de pequenas cidades e vilas, onde as tradições e costumes locais ainda eram fortes. As personagens são tipicamente rurais, com suas peculiaridades e vícios.
O humor é utilizado por José Cândido como uma forma de criticar a sociedade e seus problemas. Através do riso, o autor convida o leitor a refletir sobre os absurdos do cotidiano e as mazelas da política.
Compreender o contexto histórico da obra é fundamental para apreciar a profundidade da crítica social presente nos contos de José Cândido. Ao conhecer as transformações pelas quais o Brasil passava naquela época, o leitor pode identificar as nuances da sátira e entender melhor as motivações do autor.
"Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon" é uma obra fundamental para a literatura brasileira por diversos motivos:
José Cândido de Carvalho nos presenteia com uma visão única e humorística do Brasil rural, capturando a fala, os costumes e as peculiaridades das pequenas cidades. Essa representação autêntica contribui para a construção de um rico painel da cultura brasileira.
A obra se destaca pela linguagem coloquial e expressiva, próxima à fala do povo. O autor utiliza um vocabulário rico e criativo, criando personagens memoráveis e diálogos hilários. Contribuiu para renovar a narrativa brasileira, ao introduzir um estilo mais informal e popular. A influência de José Cândido pode ser percebida na obra de diversos autores posteriores.
Ao longo dos anos, "Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon" consolidou-se como um clássico da literatura brasileira, sendo amplamente estudado e apreciado por leitores de todas as idades.
A obra
de José Cândido de Carvalho é importante para a literatura brasileira por sua
capacidade de retratar a realidade brasileira de forma autêntica e humorística,
por sua linguagem inovadora e por sua contribuição para a crítica social. É um
livro que continua a encantar e a provocar reflexões nas novas gerações de
leitores.
JOSÉ
CÂNDIDO DE CARVALHO: UM RETRATO DO BRASIL RURAL
José Cândido de Carvalho foi um dos mais importantes escritores brasileiros do século XX, conhecido por suas crônicas e romances que retrataram com humor e perspicácia o cotidiano do Brasil rural. Nascido em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, em 1914, Carvalho dedicou sua vida à literatura, deixando um legado inestimável para a cultura brasileira.
UMA VIDA DEDICADA ÀS LETRAS
Carvalho iniciou sua carreira como jornalista, colaborando em diversos jornais e revistas. Sua experiência como repórter lhe proporcionou um profundo conhecimento da realidade brasileira, que ele utilizou como fonte de inspiração para suas obras literárias.
Características de sua obra:
O autor era mestre em utilizar o humor e a ironia para criticar a sociedade e os costumes brasileiros. Seus personagens, muitas vezes caricatos, representavam os diferentes tipos humanos presentes no interior do país.
Empregava uma linguagem simples e próxima à fala do povo, tornando suas obras acessíveis a um público amplo.
Seus romances e contos eram marcados por um forte realismo, retratando com precisão a vida nas pequenas cidades e vilas brasileiras.
OBRAS-PRIMAS
ENTRE SUAS OBRAS MAIS CONHECIDAS, DESTACAM-SE:
O Coronel e o Lobisomem: Um dos seus maiores sucessos, essa obra narra a história de um coronel que acredita ser um lobisomem e aterroriza a pequena cidade onde vive.
Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon: Uma coletânea de contos que retrata a vida em uma pequena cidade do interior, com seus personagens excêntricos e suas histórias inusitadas.
Olha para o céu, Frederico: Seu primeiro romance, publicado em 1939, já demonstrava o talento do autor para a criação de personagens memoráveis e para a construção de narrativas envolventes.
José
Cândido de Carvalho deixou um legado importante para a literatura brasileira.
Suas obras são consideradas clássicos da literatura nacional e continuam a ser
lidas e estudadas até hoje. O autor foi capaz de capturar a alma do Brasil
rural, retratando seus costumes, suas contradições e sua beleza.
SINOPSE
Em 150 narrativas curtas, classificadas pelo autor como "contados, astuciados, sucedidos e acontecidos do povinho do Brasil", José Cândido de Carvalho, autor do romance O coronel e o lobisomem, cria uma obra em que, nas palavras do escritor e crítico Miguel Sanches Neto, "imprensa e ficção se misturam para o bem da literatura".
Porque Lulu Bergantin não atravessou o Rubicon pela Editora José Olympio, publicado originalmente em 1971, reúne historietas - pinçadas da coluna mantida pelo autor na revista O Cruzeiro - em que José Cândido reafirma seu talento para expor de forma única os diversos tipos e hábitos que se espalham pelo interior do Brasil.
"Aqui", prossegue Sanches Neto, "o formato da crônica se impõe, mas dentro de uma estrutura de texto muito particular: a anedota. O homem que escreve é alguém atento à conversa de mesa de bar, porta de livraria ou balcão de farmácia, por isso algumas dessas narrativas são meteóricas, como um comentário avulso que se ouve de um amigo, mas funciona no conjunto, pois o que o autor apresenta é o retrato fragmentário de um Brasil profundo.
"Com
Porque Lulu Bergantin não atravessou o Rubicon, de José Cândido de Carvalho, a
José Olympio - que publica, entre outros, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego,
Ariano Suassuna, Ferreira Gullar, Raul Bopp, Aníbal Machado, Campos de
Carvalho, Cassiano Ricardo, Bernardo Élis, Luís Martins, Francisco de Assis
Barbosa e Mário Palmério, segue em seu projeto de reeditar os maiores autores
da literatura brasileira.
Editora:
José Olympio; 1 edição, 19 maio 2008.
288
páginas
Dimensões:
20.8 x 13.4 x 1.8 cm
Ranking dos mais vendidos: Nº 138.708 em Livros
UM
POUCO SOBRE JOSÉ CÂNDIDO DE CARVALHO
José Cândido de Carvalho nasceu em Campos dos Goytacazes, estado do Rio de Janeiro, no dia 5 de agosto de 1914. Era filho de Bonifácio de Carvalho e de Maria Cândido de Carvalho, lavradores emigrados do norte de Portugal, que aqui no Brasil se dedicaram ao pequeno comércio.
Muito jovem, transferiu-se com a família para a cidade do Rio de Janeiro, onde trabalhou como estafeta, mas logo voltou a Campos, onde se empregou no comércio de aguardente e açúcar.
Iniciou sua carreira de jornalista no final da década de 1920. Foi revisor do jornal O Liberal, foi redator do jornal O Dia, Gazeta do Povo e Monitor Campista, todos de Campos.
Ingressou na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, concluindo o curso em 1937. Começou sua vida literária com o romance "Olha Para o Céu, Frederico". Em 1942 foi convidado pelo interventor do Rio de janeiro, Amaral Peixoto, para dirigir o jornal O Estado. Logo mudou-se para Niterói. Em 1957 passou a trabalhar para a revista O Cruzeiro.
Em 1964, José Cândido publicou o romance "O Coronel e o Lobisomem", obra que causou grande impacto nos leitores. A obra conta a história de Ponciano de Azevedo Furtado, proprietário de fazendas de gado do interior fluminense, que atraído pela vida da cidade e pelo comércio, emigrou para Campos de Goytacazes. Não conseguindo se integrar ao meio urbano, perdeu toda sua fortuna e enlouqueceu. Na obra Ponciano narra sua própria história, inclusive a loucura final.
Seu romance "O Coronel e o Lobisomem", foi traduzido para vários países e reeditado diversas vezes. Recebeu o Prêmio Jabuti, Prêmio Coelho Neto e o Prêmio Luísa Cláudio de Souza.
Com um linguajar típico do interior, José Cândido deixou uma obra marcada pelo bom humor e originalidade.
Em 1970, assumiu a direção da Rádio Roquete Pinto. Quatro anos depois, dirigiu o Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério de Educação e Cultura (MEC). Em 1974 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, para a Cadeira n.º 31. Entre os anos de 1976 e 1981, foi presidente da Fundação Nacional de Arte, Funarte, órgão do Ministério da Educação. José Cândido de Carvalho faleceu em Niterói, no dia 1 de agosto de 1989.
OBRAS
Olha
Para o Céu, Frederico, romance, 1939
O
Coronel e o Lobisomem, romance, 1964
Porque
Lulu Bergantim não Atravessou o Rubicon, contos, 1970
Um
Ninho de Mafagafos Cheio de Mafagafinhos, contos, 1972
Ninguém
Mata o Arco-Íris, crônicas, 1972
Manequinho
e o Anjo Procissão, contos, 1974
Se eu
Morrer, Telefone Para o Céu, contos, 1979
Notas
de Viagem ao Rio Negro, 1983
Os Mágicos Municipais, 1984
Editorial
Alberto Araújo - Focus Portal Cultural
Nenhum comentário:
Postar um comentário