O CANTO SILENCIADO DE OFÉLIA
Das
margens verdejantes de Elsinore,
Um
lírio d'água, pura e singela flor,
Ofélia
florescia, alma cândida e leal,
No
jardim sombrio de um destino fatal.
Seu
pai, Polônio, servo astuto e ancião,
Guardava
seus segredos com severa mão.
Laerte,
o irmão amado, partiu para além-mar,
Deixando
em seu coração um vazio a bailar.
E
então surgiu Hamlet, príncipe sombrio,
Com
a alma ferida por um reino bravio.
Seus
olhos encontraram a pureza em seu olhar,
E
juras de amor começaram a pairar.
Ah,
doce Ofélia, em teu peito inocente,
Germinou
a paixão, forte e incandescente.
As
cartas de amor, os presentes sentidos,
Eram
faróis de esperança em tempos toldados.
Mas
a sombra da vingança toldou o céu azul,
O
espectro do rei clamava por cruel furor.
Hamlet,
atormentado, em sua dor profunda,
Repeliu
teu amor, ferindo-te na funda.
"Vai
para um convento!", palavras cruéis a ecoar,
Como
punhais afiados, teu coração a sangrar.
A
dúvida o assaltava, a loucura a rondar,
E
a flor de Ofélia começou a murchar.
A
morte de Polônio, golpe traiçoeiro,
Desmantelou
o mundo, outrora tão inteiro.
A
razão se esvaiu, como areia entre os dedos,
E
a sanidade de Ofélia seguiu outros enredos.
Ela
cantava canções de amores desfeitos,
De
ervas e flores, de sonhos imperfeitos.
Coroas
de salgueiro trançava com desvelo,
Enquanto
a loucura tecia seu próprio novelo.
E
um dia, vagando pelas margens do rio,
Seu
vestido pesado a puxou para o frio.
A
corrente a acolheu em seu abraço gelado,
Um
último suspiro, um canto silenciado.
As
flores que colhia flutuaram ao seu redor,
Um
epitáfio aquático, manchado de dor.
Ofélia,
a inocente, vítima da trama,
Seu
amor e sua sanidade levados à lama.
No
palco da memória, sua imagem persiste,
Um
símbolo da fragilidade que não resiste.
O
canto silenciado de uma alma tão pura,
Ecoa
na tragédia, eterna e sempre dura.
Assim,
lembramos Ofélia, a flor que feneceu,
No
turbilhão sombrio que a vida lhe teceu.
Um
lamento eterno por sua beleza perdida,
Na
história de Hamlet, para sempre inscrita.
O SILÊNCIO ELOQUENTE DE OFÉLIA: VÍTIMA E ÍCONE NA SUPREMACIA SHAKESPEARIANA
Ofélia é uma personagem fictícia da peça Hamlet, do dramaturgo inglês William Shakespeare. Ela é uma jovem da nobreza dinamarquesa, filha de Polônio, irmã de Laertes e apaixonada pelo príncipe Hamlet.
Ofélia, a delicada flor colhida prematuramente no jardim sombrio de Hamlet, transcende a sua condição de personagem secundária para se firmar como um dos estudos de alma feminina mais pungentes e multifacetados da dramaturgia universal. Reduzida inicialmente à obediência filial e ao papel de objeto amoroso, sua trajetória trágica expõe a brutalidade de um mundo masculino fraturado pela vingança e pela loucura, culminando em um silêncio eloquente que ressoa através dos séculos.
A genialidade de William Shakespeare reside precisamente em sua capacidade de conferir profundidade e complexidade a figuras aparentemente marginais. Em Hamlet, escrito provavelmente entre 1599 e 1601, muito provavelmente em Londres, Shakespeare não se limita a narrar a tragédia do príncipe da Dinamarca, mas tece uma intrincada rede de relações onde cada personagem, por menor que sua participação pareça, contribui para a atmosfera de desespero e fatalidade. Ofélia, nesse contexto, emerge como um microcosmo da inocência esmagada pela turbulência do poder e da paixão.
Inicialmente, Ofélia é definida por seus laços com os homens de sua vida: Polônio, seu pai autoritário que a instrui a desconfiar de Hamlet; Laerte, seu irmão protetor que a adverte sobre a volubilidade do príncipe; e Hamlet, seu amante, cuja afeição vacila sob o peso de sua missão vingadora e de sua própria instabilidade mental. Ela é a filha obediente, a irmã afetuosa e a amada casta, moldada pelas expectativas sociais de recato e submissão.
No entanto, a espiral descendente de Ofélia se inicia com a rejeição cruel de Hamlet ("Vai para um convento! Por que quererias procriar pecadores?"). Essa repulsa, somada à morte violenta de seu pai pelas mãos do próprio Hamlet, desestabiliza seu frágil mundo emocional. A sanidade de Ofélia se fragmenta, e sua linguagem se torna um mosaico de canções populares, fragmentos de lembranças e alusões florais, revelando uma mente em colapso. Suas oferendas de flores, carregadas de simbolismo, são um último e desesperado ato de comunicação em um mundo que a silenciava.
A morte de Ofélia, descrita indiretamente por Gertrudes, é um dos momentos mais líricos e perturbadores da peça. Ela se afoga, arrastada por suas próprias vestes pesadas, em um rio onde colhia flores – um final que paradoxalmente evoca beleza e horror. Seu silêncio final é eloquente, denunciando a violência masculina que a consumiu e a incapacidade de um mundo corrompido de proteger sua pureza.
A "supremacia" de William Shakespeare reside em sua inigualável habilidade de explorar a condição humana em suas mais diversas nuances. Ele transcende as convenções de seu tempo, criando personagens de uma profundidade psicológica surpreendente. Ofélia, em particular, antecipa discussões sobre a saúde mental feminina e a opressão patriarcal que ressoam até os dias atuais. Sua fragilidade não é sinal de fraqueza, mas sim a demonstração da vulnerabilidade da inocência diante da brutalidade do mundo.
OS OUTROS PERSONAGENS CRUCIAIS QUE ORBITAM A TRAGÉDIA DE OFÉLIA E DE HAMLET INCLUEM:
Hamlet:
O protagonista atormentado pela vingança.
Cláudio:
O tio assassino que usurpa o trono e se casa com a rainha.
Gertrudes:
A rainha, mãe de Hamlet, dividida entre o amor pelo filho e pelo novo marido.
Polônio:
O velho e intrometido conselheiro do rei, pai de Ofélia e Laerte.
Laerte:
O irmão de Ofélia, impetuoso e determinado a vingar a morte do pai.
Horácio:
O amigo leal e confidente de Hamlet.
O
Fantasma do Rei Hamlet: O espectro do pai de Hamlet que clama por vingança.
Rosencrantz
e Guildenstern: Antigos amigos de Hamlet, usados por Cláudio para espioná-lo.
Fortimbrás: Príncipe da Noruega, cuja ambição serve como contraponto à indecisão de Hamlet.
Ofélia, no silêncio de sua tragédia, grita a fragilidade da alma humana diante da violência e da loucura. Sua história, magistralmente tecida por Shakespeare, não é apenas um episódio doloroso em Hamlet, mas um comentário atemporal sobre a opressão, a sanidade e a devastadora perda da inocência. A supremacia de Shakespeare reside precisamente nessa capacidade de criar personagens que, mesmo em sua brevidade ou aparente subalternidade, ecoam com uma força que desafia os séculos.
ADAPTAÇÕES PARA O TEATRO
A personagem de Ofélia no teatro evoluiu significativamente ao longo do tempo. As representações iniciais frequentemente enfatizavam sua inocência e fragilidade, levando muitas vezes a uma visão sentimentalizada de sua loucura e morte. No entanto, adaptações teatrais mais recentes exploraram sua agência e turbulência interior. Algumas produções oferecem leituras feministas, posicionando sua loucura como uma forma de rebelião contra as restrições patriarcais de Elsinore.
"Ophelia Thinks Harder" (Ofélia Pensa Mais Profundamente) de Jean Betts: Esta peça reimagina Hamlet de uma perspectiva feminista, centrando-se no questionamento de Ofélia sobre o mundo ao seu redor e resistindo aos papéis esperados para as mulheres.
"Drowning Ophelia" (Afogando Ofélia) de Rachel Luann Strayer: Esta peça usa comédia sombria para explorar temas de inocência perdida e dano, com Ofélia como uma alucinação de uma mulher perturbada.
"Ophelia" de Jeff Wanshel: Esta abordagem revisionista de Hamlet torna Ofélia uma personagem mais central e ativa, lidando com as restrições sociais impostas a ela como uma jovem solteira na Dinamarca.
"Ophelia's Shadow Theatre" (O Teatro de Sombras de Ofélia) de Michael Ende: Esta peça apresenta Ofélia como uma velha ponto que cria seu próprio teatro de sombras, oferecendo uma perspectiva única sobre sua personagem.
ADAPTAÇÕES PARA O CINEMA
Ofélia tem sido uma figura fascinante em adaptações cinematográficas de Hamlet e em filmes que se concentram especificamente em sua história.
Adaptações Cinematográficas Iniciais: Nos primeiros filmes mudos, Ofélia foi retratada, como por Dorothy Foster no filme de 1912, Hamlet.
"Hamlet" de Laurence Olivier (1948): A interpretação de Ofélia por Jean Simmons neste filme vencedor do Oscar lhe rendeu uma indicação para Melhor Atriz Coadjuvante, sendo frequentemente vista como uma interpretação clássica.
"Hamlet" de Franco Zeffirelli (1990): Helena Bonham Carter interpretou Ofélia nesta adaptação.
"Hamlet" de Kenneth Branagh (1996): Kate Winslet interpretou Ofélia neste filme.
"Hamlet" de Michael Almereyda (2000): Julia Stiles interpretou uma Ofélia mais "rebelde" nesta adaptação moderna.
"Ophelia" (2018): Este filme, dirigido por Claire McCarthy, reimagina a história de Hamlet da perspectiva de Ofélia, com Daisy Ridley no papel principal. Ele apresenta Ofélia como uma jovem obstinada e de espírito livre que tem um romance secreto com Hamlet e navega pela intriga política do reino.
Essas adaptações demonstram o fascínio duradouro por Ofélia, permitindo explorações de sua personagem além da narrativa tradicional de vítima trágica apresentada na peça de Shakespeare. Elas oferecem novas perspectivas sobre sua vida interior, seus relacionamentos e seu papel dentro da paisagem dramática de Hamlet.
A SIMBOLOGIA DAS FLORES
No ápice de sua loucura, Ofélia distribui flores, e cada uma delas carrega um significado simbólico que reflete seus pensamentos e sentimentos reprimidos. Essa cena é rica em interpretação e revela a profundidade da sua mente, mesmo em delírio:
Alecrim: Geralmente associado à memória e à lembrança. Erva-de-São-João (Ruta): Simboliza arrependimento, graça e também pode ser um símbolo de aborto na época. Ela oferece uma parte a Gertrudes e outra para si mesma. Funcho e Columbina: O funcho pode simbolizar lisonja e bajulação, enquanto a columbina representa ingratidão ou adultério. A quem ela oferece essas flores é motivo de debate entre os estudiosos. Violetas: Representam fidelidade e modéstia, mas Ofélia diz que elas murcharam quando seu pai morreu, sugerindo a perda dessas qualidades no mundo ao seu redor. Margaridas: Simbolizam inocência, mas ela não as oferece a ninguém, talvez indicando a perda da sua própria inocência.
A CANÇÕES DE OFÉLIA
As canções que Ofélia canta em sua loucura são fragmentos de baladas populares, muitas vezes de natureza erótica ou queixosa. Essas canções podem revelar aspectos de sua sexualidade reprimida, sua decepção amorosa e seu sentimento de vulnerabilidade. Elas oferecem um vislumbre de seus pensamentos subconscientes, que a linguagem racional não consegue expressar.
A causa da loucura de Ofélia é complexa e multifacetada. É desencadeada pela rejeição de Hamlet, agravada pela morte de seu pai (pelas mãos de Hamlet, embora ela não saiba inicialmente) e pela pressão das expectativas sociais. Sua loucura pode ser vista como uma reação ao trauma e à perda de controle sobre sua própria vida. Alguns críticos interpretam sua loucura como uma forma de resistência passiva contra as normas opressivas da sociedade elisabetana.
Como mencionado anteriormente, a crítica feminista tem oferecido leituras importantes sobre Ofélia. Em vez de vê-la apenas como uma vítima passiva, algumas interpretações a consideram uma figura que reage às limitações impostas a ela como mulher em um mundo dominado por homens. Sua loucura e morte podem ser vistas como as únicas formas de escapar dessas restrições.
A questão se Ofélia cometeu suicídio ou se sua morte foi acidental é um ponto de debate na peça. Gertrudes descreve sua morte como um acidente, mas a maneira como ela se afoga, aparentemente sem fazer esforço para se salvar, sugere a possibilidade de suicídio. Essa ambiguidade contribui para a complexidade da personagem e para as diversas interpretações de seu destino.
Além das adaptações teatrais e cinematográficas, Ofélia inspirou inúmeras obras de arte, incluindo pinturas (como as famosas obras de John Everett Millais e Dante Gabriel Rossetti), poemas e até mesmo composições musicais. Sua imagem de beleza frágil e tragédia romântica capturou a imaginação de artistas de diferentes épocas.
Ofélia é uma personagem muito mais rica e complexa do que pode parecer à primeira vista. A análise de seus símbolos, canções, a natureza de sua loucura e as diversas interpretações críticas revelam uma figura feminina que, embora silenciada pelas circunstâncias, continua a gerar discussões e a inspirar novas leituras da obra de Shakespeare.
Antes de sua loucura, a linguagem de Ofélia é geralmente caracterizada pela obediência e pela submissão aos desejos de seu pai e irmão. Ela fala pouco e, quando o faz, suas palavras muitas vezes refletem as expectativas masculinas sobre ela. Sua linguagem amorosa com Hamlet é breve e interrompida pelas ordens de Polônio. Essa contenção linguística contrasta fortemente com a torrente de palavras desconexas e canções que emergem em sua loucura, sugerindo que a sanidade reprimia uma voz interior mais complexa.
A trajetória de Ofélia é marcada por uma dolorosa perda de inocência. Inicialmente, ela parece viver em um mundo relativamente protegido, sob a supervisão de seu pai. Seu relacionamento com Hamlet a expõe a um amor romântico, mas também à decepção e à brutalidade do mundo adulto. A morte de Polônio destrói o seu senso de segurança e a mergulha em um estado de vulnerabilidade extrema. Sua loucura pode ser vista como a manifestação final dessa perda de inocência e da incapacidade de lidar com a corrupção ao seu redor.
Em Hamlet, Ofélia contrasta significativamente com outras personagens femininas, principalmente Gertrudes. Enquanto Gertrudes é uma rainha com poder e agência (embora suas motivações sejam frequentemente questionadas), Ofélia ocupa uma posição socialmente inferior e demonstra muito menos autonomia. Essa comparação destaca as diferentes expectativas e oportunidades disponíveis para as mulheres na sociedade da época.
A maneira como Ofélia foi recebida e interpretada mudou ao longo da história. No século XVII e XVIII, ela era frequentemente vista como um exemplo da fragilidade feminina e da tragédia da obediência cega. No século XIX, com o Romantismo, houve um aumento do interesse em sua sensibilidade e sofrimento, tornando-a uma figura quase icônica da heroína trágica e apaixonada. No século XX e XXI, as leituras feministas trouxeram novas perspectivas, questionando sua passividade e explorando as dimensões de sua opressão e potencial resistência.
Ao contrário de Hamlet, que tem alguns dos monólogos mais famosos da literatura, Ofélia não tem cenas em que ela expresse seus pensamentos e sentimentos diretamente ao público antes de sua loucura. Isso contribui para a sensação de que sua interioridade é obscurecida pelas figuras masculinas em sua vida. Sua loucura, paradoxalmente, torna-se a única forma de dar voz ao seu sofrimento, embora de maneira fragmentada e não racional.
A profundidade e a natureza do amor de Ofélia por Hamlet são frequentemente debatidas. Ela parece genuinamente apaixonada por ele, guardando suas cartas e presentes. No entanto, sua obediência ao pai a força a rejeitar Hamlet, criando um conflito interno que contribui para sua eventual desestabilização. A questão se Hamlet realmente a amou ou se a usou em seus jogos políticos e psicológicos também é um ponto crucial na interpretação de sua tragédia.
Ofélia é uma personagem cuja aparente simplicidade esconde uma complexidade rica em nuances sociais, psicológicas e simbólicas. Sua história ressoa porque ela personifica a vulnerabilidade, a opressão e as consequências devastadoras da violência emocional e da perda de autonomia. Sua tragédia continua a nos interrogar sobre o papel das mulheres em sociedades patriarcais e sobre o impacto da crueldade e da insanidade nas almas mais delicadas.
BIOGRAFIA DE SHAKESPEARE
Nas margens verdejantes do rio Avon, aninhada no coração da Inglaterra, floresceu não uma flor efêmera, mas uma árvore de raízes profundas e ramos que alcançariam o firmamento da literatura: William Shakespeare. Sua vida, embora envolta em névoa de séculos passados e lacunas documentais, resplandece com a beleza intrínseca de um poema inacabado, sugerindo mais do que revelando, inspirando mais do que definindo.
Imaginemos sua infância em Stratford-upon-Avon, um cenário bucólico onde os sussurros da natureza se entrelaçavam com os ecos da vida cotidiana. O filho do luveiro John Shakespeare e da gentil Mary Arden, crescendo em um lar onde a arte do comércio se misturava à linhagem aristocrática. Visualizemos o jovem William, com seus olhos curiosos absorvendo as cores vibrantes do mercado, as histórias contadas nas tabernas, o ritmo da vida pulsando nas ruas de sua pequena cidade natal.
Sua educação, embora possivelmente não universitária, foi certamente rica e vívida. As palavras, como sementes férteis, encontraram em sua mente um solo arável. Os clássicos latinos, as histórias antigas, a própria língua inglesa em sua efervescência tudo contribuiu para moldar o artesão da linguagem que ele viria a ser.
O chamado de Londres, a metrópole pulsante, ecoou em sua alma jovem e ambiciosa. Deixando para trás a tranquilidade de Stratford, ele se lançou no efervescente mundo do teatro elisabetano. Uma atmosfera mágica onde a imaginação ganhava asas, onde as palavras se transformavam em mundos inteiros diante dos olhos extasiados da plateia.
Em meio à poeira dos palcos, ao aroma de serragem e expectativa, Shakespeare encontrou sua verdadeira vocação. Primeiro como ator, emprestando seu corpo e sua voz a personagens criados por outros. Depois, inevitavelmente, a urgência de suas próprias histórias a florescerem. Sua pena, como um pincel divino, começou a traçar os contornos da alma humana em toda a sua complexidade e beleza.
Seus
sonetos, como joias lapidadas, capturam a essência do amor, da beleza, da
mortalidade e da passagem do tempo com uma intensidade lírica inigualável. Cada
verso é uma pincelada de emoção, cada estrofe um jardim secreto onde os
sentimentos mais profundos desabrocham.
E então vieram as peças, um universo caleidoscópico de tragédias que nos confrontam com as sombras da ambição, da vingança e da loucura; de comédias que celebram o amor, a astúcia e a alegria da vida; de dramas históricos que ecoam os triunfos e as tragédias dos reis e rainhas de outrora. Romeu e Julieta, um hino ao amor eterno em meio ao ódio visceral; Hamlet, a meditação profunda sobre a existência e a moralidade; Sonho de uma Noite de Verão, a celebração da fantasia e do encantamento; Rei Lear, a dolorosa jornada pela perda e pela redenção.
Shakespeare não apenas contava histórias; ele desvendava os mistérios da alma humana com uma perspicácia assombrosa. Seus personagens, com suas virtudes e seus vícios, suas alegrias e suas angústias, parecem respirar diante de nós, transcendendo o tempo e a cultura. Suas palavras, ricas em metáforas e imagens vívidas, pintam quadros inesquecíveis em nossa imaginação.
Retornou a Stratford em seus últimos anos, um homem que havia conquistado o mundo com sua arte, mas que ansiava pela paz da sua terra natal. Lá, à sombra das árvores que testemunharam sua juventude, ele descansou, deixando para a posteridade um legado de beleza e sabedoria que continua a nos inspirar e a nos maravilhar.
A biografia de William Shakespeare não é apenas uma cronologia de eventos; é a história da ascensão de um espírito criativo que capturou a essência da condição humana com uma beleza e uma profundidade inigualáveis. Ele foi o Cisne de Avon, cuja melodia ressoa através dos séculos, um farol de luz na vastidão da literatura, um mestre cujas palavras continuam a florescer em nossos corações e em nossas mentes. Sua vida, embora com suas brumas e mistérios, é em si mesma uma obra de arte, um testemunho do poder eterno da imaginação e da linguagem.
SOBRE A PINTURA DE OFÉLIA
Ofélia (em inglês Ophelia) é uma pintura do artista britânico Sir John Everett Millais, concluída em 1851 e 1852, que faz parte da coleção da Tate Britain em Londres. Retrata Ophelia, uma personagem da peça de William Shakespeare, Hamlet, cantando antes de se afogar em um rio na Dinamarca.
O
trabalho encontrou uma resposta mista quando exibido pela primeira vez na Royal
Academy, mas desde então passou a ser admirado como uma das obras mais
importantes de meados do século XIX por sua beleza, sua representação precisa
de uma paisagem natural e sua influência sobre artistas de John William
Waterhouse e Salvador Dalí a Peter Blake e Ed Ruscha.
Esqueçamos por um momento a narrativa conhecida. Observemos a paleta vibrante, a precisão quase botânica com que cada folha, cada flor, cada reflexo na água é capturado. O rio Hogsmill, com sua flora exuberante e seu leito sinuoso, torna-se um personagem tão importante quanto a própria Ofélia. Ele pulsa com uma vida que contrasta ironicamente com a passividade da figura central. A escolha de pintar a paisagem antes da modelo revela a prioridade de Millais em estabelecer esse cenário vívido, um palco natural onde a tragédia se desenrola com uma beleza perturbadora.
As flores flutuantes não são meros adornos; são mensageiras silenciosas, imbuídas da "linguagem das flores" tão cara à era vitoriana. O vermelho vibrante da papoula, ausente na descrição de Shakespeare, grita sono e morte, uma premonição visual que paira sobre a cena. As outras flores, cuidadosamente escolhidas para ecoar a guirlanda de Ofélia na peça, adicionam camadas de significado, aludindo à memória, ao arrependimento, à fidelidade perdida e à inocência que se esvai. Elas são as últimas palavras de Ofélia, expressas não em som, mas em cor e forma.
A própria pose de Ofélia, com seus braços abertos e o olhar fixo no céu, oscila entre a iconografia religiosa de um mártir e uma sugestão de erotismo. Essa ambiguidade perturba e fascina, elevando a pintura para além de uma simples representação teatral. Ela se torna um estudo sobre a vulnerabilidade feminina, a beleza efêmera e a complexa relação entre a pureza e a sensualidade.
A anedota da ratazana d'água, inicialmente presente e depois removida, oferece um vislumbre do processo criativo de Millais e da recepção da obra. A confusão dos parentes de Holman Hunt sobre o animal revela como a atenção meticulosa aos detalhes da natureza, um dos pilares da Irmandade Pré-Rafaelita, podia, por vezes, gerar estranhamento. A decisão final de remover o roedor demonstra um foco em refinar a composição para acentuar a figura de Ofélia em seu ambiente.
A dedicação de Millais à precisão natural, trabalhando longas horas à beira do rio, enfrentando as agruras do clima e os inconvenientes da fauna local, atesta o compromisso da Irmandade Pré-Rafaelita com a "verdade à natureza". Essa busca pela autenticidade visual, no entanto, ironicamente cria uma paisagem essencialmente inglesa para uma história dinamarquesa, sublinhando como a visão do artista se sobrepõe à localização nominal da narrativa.
A história da modelo, Elizabeth Siddal, imersa em uma banheira fria durante o inverno londrino para capturar a pose e o efeito das roupas na água, adiciona uma camada sombria à criação da beleza retratada. O resfriado que ela contraiu e a subsequente exigência de pagamento médico por seu pai revelam o custo físico da arte e a dedicação (ou talvez exploração) dos artistas pré-rafaelitas em busca da perfeição visual.
Assim,
"Ofélia" de Millais transcende a mera ilustração. É uma tapeçaria
rica em detalhes simbólicos, uma celebração da beleza natural com um toque de
melancolia, e um testemunho da obsessão da Irmandade Pré-Rafaelita pela
precisão e pela intensidade emocional. A pintura nos convida a mergulhar em
suas cores vibrantes e em seus segredos silenciosos, a sentir a fria correnteza
do rio e a contemplar a fragilidade da vida diante da inexorabilidade da
natureza e do destino. É uma imagem que continua a ressoar, não apenas como uma
representação de uma morte poética, mas como uma meditação profunda sobre a
beleza, a perda e a complexa relação entre o ser humano e o mundo natural.
©
Alberto Araújo
Focus
Portal Cultural
Pintor francês (1823-1889)
Pintor inglês (1849-1917)
Título da música: Pavane for a Dead Princess,
Maurice Ravel:
Pavane pour une infante
defunte
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