quinta-feira, 22 de maio de 2025

O GUARDIÃO DO ÚLTIMO ABRAÇO CONTO DE ALBERTO ARAÚJO


Nas profundezas da Floresta da Tijuca, onde o verde se torna mais denso e o canto dos pássaros ecoa como uma melodia antiga, vivia Heitor. Não era um ermitão por escolha, mas por destino. Em sua cabana modesta, construída com as próprias mãos e o coração despedaçado, ele guardava a memória do último abraço que deu em sua amada Sofia. Uma doença cruel a levou, e com ela, levou também a Heitor a capacidade de sentir o calor humano. Desde aquele dia fatídico, o toque de outra pessoa era uma afronta, um lembrete doloroso do que ele havia perdido. Seus dias eram uma rotina monótona de silêncio e solidão, pontuada apenas pelo farfalhar das folhas e o murmúrio do rio Cachoeira.

A floresta, que antes era seu refúgio e lar, tornou-se sua prisão. Heitor passava as horas entalhando pequenos pássaros na madeira, cada um deles uma representação silenciosa de um desejo de liberdade que ele já não sentia. Seus olhos, antes cheios de vida, agora eram opacos, perdidos em um vazio que nem mesmo a beleza exuberante da natureza conseguia preencher. As raras vezes em que alguém se aventurava por aquelas bandas, ele se escondia, evitando qualquer contato, qualquer lembrança de um mundo que parecia ter esquecido sua existência.

Foi então que Clara apareceu. Uma artista plástica com alma de vento e cores vibrantes, ela buscava inspiração nas paisagens intocadas da Tijuca. Ouviu falar do "velho da cabana", a lenda local de um homem recluso. A curiosidade a levou até lá, e o que encontrou não foi um recluso rabugento, mas um homem ferido, cujos olhos escondiam uma dor profunda. Clara, com sua sensibilidade aguçada, percebeu que a armadura de Heitor era feita de luto, não de raiva.

Com uma persistência gentil, Clara começou a visitá-lo. Não tentava forçar a entrada, mas sentava-se a uma distância respeitosa, pintando a floresta e, sutilmente, a cabana. Um dia, deixou uma tela encostada na árvore, com uma paisagem exuberante, e um pequeno pássaro entalhado por Heitor, em destaque. Ele, a princípio, ignorou. Mas a pureza da arte de Clara, despretensiosa e cheia de vida, começou a corroer as barreiras que Heitor havia construído.

Gradualmente, as conversas surgiram. A princípio, sobre as cores da floresta, a luz que filtrava pelas folhas. Depois, sobre a arte, sobre a beleza que Clara via em cada detalhe. Heitor, relutante, começou a mostrar seus entalhes. Clara os elogiava com sinceridade, vendo neles não apenas habilidade, mas a alma aprisionada do artista. Ela não o pressionava, apenas estava lá, presente, irradiando uma quietude que, estranhamente, confortava. 

Um dia, Clara trouxe um pedaço de barro e começou a modelar. Fez uma pequena figura humana, com os braços estendidos. "É para um abraço", ela disse, sem tirar os olhos do que fazia. Heitor sentiu um nó na garganta. Lembrou-se de Sofia, do calor de seus braços, da segurança que eles lhe ofereciam. As lágrimas, há muito contidas, começaram a rolar. 

Clara, vendo o sofrimento de Heitor, sentiu uma compaixão avassaladora. Sem pensar, aproximou-se e, com delicadeza, pousou a mão em seu ombro. Heitor se encolheu, mas não recuou. O toque não era o que ele esperava. Não era uma dor aguda, mas um calor suave, reconfortante. Ele olhou para Clara, cujos olhos transmitiam uma empatia sem fim.

E então, em um impulso que o surpreendeu, Heitor se inclinou e a abraçou. Um abraço desajeitado no início, mas que se tornou firme, um abraço que continha a dor de anos de solidão, o medo do passado, mas também a esperança que Clara havia reacendido. As lágrimas de Heitor molharam o ombro de Clara, mas eram lágrimas de libertação. 

A partir daquele dia, o silêncio da cabana foi preenchido com risadas e conversas. Heitor não apenas voltou a sentir o toque, mas a procurá-lo. As pessoas da vila, curiosas com a transformação do "velho da cabana", começaram a visitá-lo. E Heitor, o guardião do último abraço, tornou-se o colecionador de novos abraços. Abraços de amigos, de vizinhos, de crianças que ele nunca pensou que conheceria. Cada abraço era um pedaço da vida que ele havia recuperado, um testemunho do poder da gentileza e da arte de Clara que, com sua sensibilidade, havia resgatado a humanidade que ele pensava ter perdido para sempre. E assim, na Floresta da Tijuca, o eco do último abraço de Sofia se misturou com a melodia vibrante de infinitos novos abraços, provando que mesmo a dor mais profunda pode ser curada pelo calor do afeto.

 

© Alberto Araújo 


 

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