domingo, 2 de novembro de 2025
QUANDO O MÊS COMEÇA
QUANDO O MÊS SE DESPEDE
DOMINGO DE ENTREGA
Hoje é domingo, e o dia desperta com uma suavidade que parece pedir entrega. Em Icaraí, o mar está calmo, quase contemplativo, e o céu se estende como uma tela em branco, esperando por traços de silêncio e descoberta. Há uma paz que não se explica, mas se sente, como se o mundo tivesse decidido suspender os ruídos só para que a alma pudesse respirar.
Clarice Lispector, com sua escrita que é mergulho e espelho, nos convida: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei.” E talvez seja esse o chamado do domingo: render-se. Não como quem desiste, mas como quem confia. Como quem entende que há beleza no desconhecido, e que o controle é, muitas vezes, uma ilusão que nos impede de viver por inteiro.
Hoje, deixo que o dia me leve. Sem planos rígidos, sem expectativas pesadas. Apenas presença. Apenas escuta. Apenas entrega. Porque há algo de sagrado no domingo, ele não exige, ele acolhe. Ele não cobra, ele oferece. E nesse espaço de acolhimento, tudo pode acontecer.
É dia de mergulhar. No livro que espera na estante. Na conversa que ficou para depois. No descanso que o corpo pede. Na arte que insiste em nascer. Na fé que ainda pulsa, mesmo que tímida. Porque viver é também isso: permitir-se não saber, e mesmo assim seguir.
Que neste domingo você se renda ao instante. Que mergulhe no que ainda não entende. Que encontre paz no não-planejado, e que o dia, mesmo quieto, seja cheio de sentido.
Obs. Assista ao vídeo com Clarice Lispector
© Alberto Araújo
sábado, 1 de novembro de 2025
AS SEIS OBRAS ESSENCIAIS DE FILOSOFIA E LITERATURA DE MATEUS SALVADORI
O Professor Mateus Salvadori sugere uma lista de seis livros fundamentais que todo leitor, interessado em aprofundar-se em questões filosóficas e na condição humana, deveria ler ao menos uma vez na vida. A seleção mistura grandes clássicos da literatura com tratados centrais da filosofia, abrangendo temas que vão desde a moral estoica até o existencialismo radical.
Abaixo, a lista completa com uma breve sinopse de cada obra:
1. A Montanha Mágica
Autor: Thomas Mann
Sinopse: Neste romance filosófico, o
jovem engenheiro Hans Castorp visita seu primo em um sanatório para
tuberculosos nos Alpes Suíços. Sua estadia de três semanas se estende por sete
anos. O sanatório serve como um microcosmo da Europa pré-Primeira Guerra
Mundial, onde Castorp se envolve em intensos debates ideológicos e faz uma
profunda jornada de amadurecimento, refletindo sobre o tempo, a doença e o
fascínio pela morte em meio à decadência civilizatória.
2. Cartas a Lucílio
Autor: Sêneca
Sinopse: Uma das fontes mais importantes do Estoicismo, esta obra é uma compilação de 124 cartas escritas pelo filósofo romano Sêneca ao seu amigo Lucílio. As cartas funcionam como ensaios e um guia prático para a vida virtuosa. Sêneca aborda temas essenciais como a busca pela ataraxia (tranquilidade da alma), a correta gestão do tempo, a importância da moderação dos desejos e a forma de lidar com a adversidade e o medo da morte.
3. Os Miseráveis
Autor: Victor Hugo
Sinopse: Um vasto e emocionante painel da França do século XIX. A trama principal segue a jornada de Jean Valjean, um ex-condenado que busca a redenção após roubar um pão, enquanto é implacavelmente perseguido pelo inspetor Javert. O romance explora profundamente a justiça social, a moralidade, o amor e o sacrifício, questionando a rigidez da lei em contraste com a miséria humana e a necessidade de misericórdia.
4. Leviatã
Autor: Thomas Hobbes
Sinopse: Considerado o texto fundador da filosofia política moderna. Hobbes argumenta que o homem, em seu estado de natureza, vive em constante "guerra de todos contra todos". Para garantir a paz e a segurança, os indivíduos formam um Contrato Social, transferindo todo o poder a uma autoridade soberana absoluta, o Leviatã (o Estado). A obra justifica a necessidade de um poder central forte para evitar o caos e permitir a vida em sociedade.
5. Guerra e Paz
Autor: Liev Tolstói
Sinopse: Esta obra-prima entrelaça o destino de cinco famílias aristocráticas russas com o cenário das Guerras Napoleônicas, entre 1805 e 1812. Tolstói alterna descrições de batalhas históricas com o drama social e pessoal de seus personagens. O autor utiliza o contexto histórico para explorar profundas questões filosóficas sobre o determinismo histórico, o livre-arbítrio e a busca individual pelo sentido da vida em um mundo de grandes conflitos.
6. O Ser e o Nada
Autor: Jean-Paul Sartre
Sinopse: Este é o tratado ontológico que estabelece as bases do existencialismo de Sartre. A ideia central é que "a existência precede a essência", ou seja, o ser humano nasce como "nada" e é inteiramente responsável por criar seu próprio significado através de suas escolhas. Sartre define o ser humano como o Ser-para-si (consciência) e os objetos como o Ser-em-si (estático). O livro conclui que o homem está "condenado a ser livre", experimentando angústia diante da total responsabilidade por sua existência.
A lista de leituras essenciais compilada pelo Professor Mateus Salvadori é um convite poderoso à reflexão aprofundada sobre a complexidade da existência humana. Ao unir obras-primas da literatura (como A Montanha Mágica, Os Miseráveis e Guerra e Paz) com tratados fundamentais da filosofia (Cartas a Lucílio, Leviatã e O Ser e o Nada), o professor ressalta a importância de se abordar as grandes questões da vida por múltiplas perspectivas.
Os títulos selecionados servem como pilares para a compreensão da história do pensamento, desafiando o leitor a confrontar temas universais: a busca pela paz interior em Sêneca, a fundamentação da ordem social em Hobbes, a luta pela redenção e justiça em Victor Hugo, a exploração da angústia da liberdade em Sartre, a meditação sobre o tempo e o destino em Mann e Tolstói.
Em suma, esta é uma curadoria que não apenas educa, mas que transforma, fornecendo as ferramentas intelectuais e emocionais necessárias para decifrar a si mesmo e o mundo ao redor.
© Alberto Araújo
Focus Portal Cultural
A CONSAGRAÇÃO DA DELICADEZA - PROSA POÉTICA DE ALBERTO ARAÚJO - HOMENAGEM AO MAESTRO PIANISTA E ACADÊMICO JULIO ENRIQUE GÓMEZ
No Dia de Todos os Santos, o silêncio do feriado foi preenchido por um som que não veio de uma orquestra distante, mas de um toque íntimo e pessoal. Na tela do meu WhatsApp, surgiu o Maestro Julio Enrique Gómez, presenteando-me com mais do que um vídeo: uma epifania musical. E é por essa partilha generosa, por essa ponte de ternura que ele lançou até mim, que esta prosa poética nasceu, não como crítica, mas como honraria sincera.
A peça escolhida? A Ave Maria de Johann Sebastian Bach e Charles Gounod é uma das composições mais famosas e gravadas sobre o texto em latim da prece Ave Maria. A Ave Maria também chamada de Saudação Angélica, é uma oração que saúda a Virgem Maria baseada nos episódios da Anunciação e da Visitação do Anjo Gabriel que está em Lucas – (1:28-42).
Não há no repertório sacro uma melodia que melhor traduza a paz que supera todo entendimento. E o Maestro Gomez não a executou; ele a sussurrou ao piano. Sua arte transformou a madeira e o metal em um relicário sonoro. Cada nota não era apenas oitava ou semitom, mas uma lágrima contida, uma vela acesa, um joelho que se dobra em gratidão. Era a voz da Virgem cantada pelas teclas.
A cena, que me roubou a respiração e me prendeu em um instante eterno, era a de suas mãos. Ah, as mãos do Maestro! Você descreveu com a precisão de um verso: elas pareciam plumas no teclado. Essa imagem carrega a quintessência da sua arte. Não havia peso, nem esforço, apenas a levitação da técnica a serviço da alma. Era a delicadeza em sua forma mais pura, as plumas, leves e etéreas, pousando sobre as teclas para despertar a memória do éter e do celeste. Em vez de percutir, ele acariciava o som, extraindo da pesada estrutura do piano apenas o suspiro, o murmúrio, a oração.
Essa Ave Maria particular, tecida pela mão de seda de Júlio Gomez, fez do meu dia uma capela. A música tornou-se um hino aos Santos de minha história, aqueles que me guiaram, me amaram, e cuja bondade se perpetua, invisível, mas palpável. O Dia de Todos os Santos é uma celebração da santidade comum, do heroísmo discreto. E o Maestro, com a sua versão de Gounod, consagra essa ideia. Ele não toca para um público vasto e disperso, mas para a única alma que ele deseja tocar, seja ela a minha, seja a de quem mais o escute.
É nesta intimidade compartilhada que reside a força do impacto. Ele me fez um presente. E este texto, que transborda o encantamento inicial, é a minha devolução em gratidão. Esta prosa é a tentativa de dar forma às cores que sua música pintou na tela da minha emoção: o azul do manto, o dourado da luz eterna, o branco da paz.
O vídeo do Maestro Júlio Gomez é um manifesto contra o ruído. É um lembrete de que a beleza está na subtração, naquilo que se faz com a máxima reverência e cuidado. Seus dedos, como plumas, nos ensinam que a força da arte não está no estrondo, mas na precisão do toque suave. Ele nos convida a sermos mais gôndolas e menos navios de guerra no mar turbulento do mundo. A flutuarmos sobre as águas da vida, guiados pela luz suave da fé e da memória.
Ao
me enviar esta obra, o Maestro não só me homenageou com sua confiança, mas
também me incumbiu de um silêncio. Um silêncio que, depois da última nota,
ecoou a certeza de que a arte é a mais alta forma de diálogo com o sagrado. A
sua "Ave Maria" não foi o final de uma performance; foi o início de
uma oração compartilhada, uma bênção que se estendeu do seu piano à minha alma,
neste dia dedicado à luz de todos os que foram bons.
Obrigado,
Maestro. A sua delicadeza é a nossa santidade.
©
Alberto Araújo
Focus
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