DESTAQUE DE HOJE DO FOCUS PORTAL CULTURAL: POEMA "OS
HOMENS OCOS" DE T. S. ELIOT, UMA TRADUÇÃO DE IVAN JUNQUEIRA PARA O LIVRO
POESIA, DE T.S. ELIOT, TRADUZIDO DO ORIGINAL COLLECTED POEMS 1909-1962, EDITORA
NOVA FRONTEIRA, 1981.
Epígrafe
"A penny for the Old Guy"
(Um pêni para o Velho Guy)
I
Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada
Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;
Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam - se o fazem - não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.
II
Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.
Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo
- Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular
III
Esta é a terra morta
Esta é a terra do cacto
Aqui as imagens de pedra
Estão eretas, aqui recebem elas
A súplica da mão de um morto
Sob o lampejo de uma estrela agonizante.
E nisto consiste
O outro reino da morte:
Despertando sozinhos
À hora em que estamos
Trêmulos de ternura
Os lábios que beijariam
Rezam as pedras quebradas.
IV
Os olhos não estão aqui
Aqui os olhos não brilham
Neste vale de estrelas tíbias
Neste vale desvalido
Esta mandíbula em ruínas de nossos reinos perdidos
Neste último sítio de encontros
Juntos tateamos
Todos à fala esquivos
Reunidos na praia do túrgido rio
Sem nada ver, a não ser
Que os olhos reapareçam
Como a estrela perpétua
Rosa multifoliada
Do reino em sombras da morte
A única esperança
De homens vazios.
V
Aqui rondamos a figueira-brava
Figueira-brava figueira-brava
Aqui rondamos a figueira-brava
Às cinco em ponto da madrugada
Entre a idéia
E a realidade
Entre o movimento
E a ação
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Entre a concepção
E a criação
Entre a emoção
E a reação
Tomba a Sombra
A vida é muito longa
Entre o desejo
E o espasmo
Entre a potência
E a existência
Entre a essência
E a descendência
Tomba a Sombra
Porque Teu é o Reino
Porque Teu é
A vida é
Porque Teu é o
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Assim expira o mundo
Não com uma explosão, mas com um suspiro.
(tradução: Ivan Junqueira)
THOMAS STEARNS ELIOT nasceu em St. Louis, Missouri, Estados
Unidos, a 26 de setembro de 1888, e faleceu em Londres, com 76 anos de idade, a
4 de janeiro de 1965.
Descendentes de emigrantes ingleses que, em meados do século
XVIII, se estabeleceram em Massachusetts, Nova Inglaterra, os Eliot estiveram
desde sempre fundamente vinculados às tradições da Igreja Unitária,
destacando-se ainda por sua intensa atividade cultural. O mais notável dentre
tais antepassados foi o Rvdo. Andrew Eliot ( 1718-78), ministro da Igreja
Congregacionalista e quase reitor da Universidade de Harvard, cargo que não
assumiu por deliberação voluntária. Cerca de dois séculos transcorreram até que
o primeiro dos Eliot se transferisse para o Missouri. Foi ele o Rvdo. William
Greenleaf Eliot (1811-87), avô do poeta e fundador da Igreja Unitária de St.
Louis, bem como da Universidade de Washington, de que se tornou depois
presidente. William Greenleaf distinguiu-se ainda por seu papel na Guerra de
Secessão, quando pugnou pelos ideais federativos dos Estados do Norte, e pelos
diversos opúsculos didático-morais que publicou.
Henry Ware Eliot e Charlotte Chauncey Stearns, pais do
poeta, casaram-se em 1868. Henry Ware diplomou-se pela Universidade de
Washington, mas acabou por dedicar quase toda a sua vida aos interesses
industriais da família, tendo chegado inclusive à presidência da Hydraulic
Press Brick Company of St. Louis. A mãe, de rica família pertencente à
aristocracia mercantil de Boston, era mulher intelectualmente dotada,
possuidora de boa cultura humanística e de algum pendor literário. De sua
autoria, aliás, são um estudo biográfico do sogro e um longo poema, também de
caráter biográfico, sobre Savonarola. Thomas Stearns Eliot é o sétimo e último
filho desse matrimônio.
Serpente de lama e fúrias ancestrais, o Rio Mississippi
corre veloz rente à face leste de St. Louis, a principal cidade do Estado de
Missouri e um dos maiores centros industriais do Middle East norte-americano.
Aí viveu Eliot sua infância e grande parte da juventude, aprendendo os segredos
e mistérios do grande rio. Ainda em St. Louis, realizou seus primeiros estudos
na Academia Smith, concluindo-os em Massachusetts, na Academia Milton. Em 1906,
aos 18 anos de idade, seguiu para Boston a fim de iniciar sua formação universitária
em Harvard. Nesse tradicional estabelecimento de ensino superior - o mais
antigo e influente dos Estados Unidos -, Eliot consagrou-se aos estudos
literários e, sobretudo, filosóficos, sob a orientação de alguns ilustres
mestres, entre os quais Irving Babbitt e George Santayana. Já por esse tempo
era grande a sua atividade no setor das letras não só como poeta, mas também na
qualidade de um dos editores da revista universitária The Harvard Advocate,
onde publicou alguns trabaIhos e em cuja redação conheceu Conrad Aiken, desde
então seu amigo e admirador, além de responsável pela apresentação do autor de
The Waste Land ao poeta e crítico Ezra Pound, quando de uma visita que ambos
fizeram a Londres em 1914. Esse encontro com Pound teria decisiva influência na
vida e na carreira literária de Eliot, para quem o poeta de The Cantos era,
além de il miglior fabbro, "um crítico maravilhoso, porque não
transformava a obra alheia numa imitação dele mesmo." O acesso, ainda que
breve e superficial, à correspondência de Pound permite-nos concluir, aliás, o
quanto foi vertical e benéfica sua intervenção em alguns dos manuscritos de
Eliot, sobretudo no de The Waste Land, que constitui uma verdadeira aula de
poética. Ainda que em pólo totalmente distinto, é também curioso observar -
como atestam depoimentos de alguns de seus contemporâneos em Harvard, entre os
quais Stuart Chase e Walter Lippmann -, que, já nessa época, Eliot se
distinguia pelo fato de comportar-se como "um inglês em tudo e por tudo, a
não ser pelo sotaque e pela nacionalidade". Era como se o poeta já
trouxesse dentro de si as matrizes espirituais e culturais de sua futura
cidadania britânica e de seu visceral anglicismo.
Após diplomar-se em letras clássicas por Harvard, em 1909,
Eliot rumou a Paris, estagiando por um ano (1910-11) na Sorbonne, onde realizou
os cursos de língua e literatura francesas (então sob a direção de
Alain-Fournier) e de filosofia contemporânea. De volta a Harvard, retomou seus
estudos filosóficos e lingüístico-filológicos, com ênfase particular em
questões de literatura sânscrita e de filologia indiana, o que o ocupou de 1911
a 1913. Pouco depois, obtinha o título de doutor em filosofia, com teses sobre
o pensamento do idealista inglês Francis Herbert Bradley e de A. von Meinong. Nunca,
porém, chegaria a colar grau, e são dele as palavras de que suas teses apenas
lograram aceitação "porque eram ilegíveis". De 1913 a 1914, ainda em
Harvard, Eliot serviu como assistente do curso de filosofia e, durante o verão
de 1914, esteve de visita à Alemanha. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial,
partiu para Londres e, depois, para Oxford, onde passou todo o inverno dedicado
às pesquisas filosóficas como lector do Merton College.
O ano de 1915 marca o aparecimento do primeiro poema
importante de Eliot, "The Love Song of John Alfred Prufrock",
publicado na revista Poetry, de Chicago, e posteriormente incluído por Ezra
Pound em sua Catholic Anthology. É também durante esse ano que o poeta se casa
com Vivienne Haigh-Wood, da sociedade londrina. A seguir, exerce as funções de
professor no Highgate College, pequena escola para crianças situada nos
arredores de Londres, onde, segundo seu próprio depoimento, lecionou
"latim, francês, matemáticas elementares, desenho, natação, geografia,
história e beisebol". Abandonou o magistério para empregar-se no Lloyds
Bank Ltd., de Londres, e, de 1917 a 1919, foi editor-assistente do Egoist, além
de assíduo colaborador de outras publicações literárias, entre as quais The
Athenaeum, então dirigido por J. Middleton Murry, e até mesmo de periódicos
especializados em política e economia bancárias, como a Lloyds Bank Economic
Review. Ainda em 1917 publicaria o seu primeiro volume de versos: Prufrock and
other Observations. Um ano depois, devido à falta de condições físicas, Eliot
viu-se desobrigado do serviço militar que teria de cumprir na Marinha dos
Estados Unidos. Com isso, rompia-se mais um elo da cadeia que o mantinha ligado
às exigências da vida pública norte-americana. A partir daí, estreitam-se seus
vínculos com a Inglaterra, e o poeta resolve fixar residência em Londres, onde
já estabelecera sólidas relações nos meios literários e editoriais.
Em 1920, um ano após a publicação de um pequeno estudo sobre
Ezra Pound, his Metric and Poetry, aparece The Sacred Wood, coletânea que reúne
alguns de seus melhores textos críticos da juventude, e, transcorridos dois
anos do lançamento desta última, The Waste Land, obra de decisiva importância
para a formação da mentalidade poética contemporânea e que o consagra como um
dos expoentes da literatura de língua inglesa deste século. Outro fato de
grande significação em 1922 - o mesmo ano, aliás, da publicação do Ulysses, de
James Joyce - foi o aparecimento de The Criterion, revista trimestral de
literatura e filosofia criada pelo poeta e que, por cerca de 17 anos,
desempenhou relevante papel nos círculos artísticos e culturais europeus,
somente deixando de ser editada às vésperas da Segunda Guerra Mundial, por
decisão exclusiva de seu fundador. The Criterion abre a Eliot as portas dos
negócios editoriais, e já em 1923 ei-lo guindado à diretoria da Faber &
Faber, à frente da qual se manteve até a morte. Como editor, terá sido ele
menos um homem de empresa do que um patrono das vanguardas literárias de língua
inglesa, que lhe deverão para sempre o reconhecimento e o incentivo às suas
pesquisas estético-formais.
Em 1927, Eliot adota finalmente a cidadania inglesa,
proclamando-se no ano seguinte, através de sua famosa declaração, "an
Anglo-Catholic in religion, a classicist in literature, and a royalist in
politics". Após 18 anos de
ausência, retorna aos Estados Unidos, a convite da Universidade de Harvard,
para ministrar o ciclo de conferências "Charles Eliot Norton"
(1932-33). Posteriormente, voltaria por diversas vezes a seu país de origem,
ora em simples visita, ora por motivos de caráter estritamente cultural. Em
1957, dez anos depois de haver perdido a esposa, Eliot contrai novas núpcias
com Valerie Fletcher, sua..jovem secretária na Faber & Faber, em companhia
da qual viverá os últimos anos de vida, cada vez mais recolhido à intimidade de
sua pequena residência no bairro londrino de Kensington.
Entre os títulos honoríficos, diplomas, condecorações e
comendas outorgados ao autor dos Four Quartets, contam-se, além dos já citados:
Doutor em Filosofia pela Universidade de Cambridge, Doutor Honoris Causa pelas
universidades de Princeton e de Yale, Ordem do Mérito do Império Britânico e
Prêmio Nobel de Literatura, ambos em 1948, Medalha de Ouro de Dante, Cruz de
Comendador das Artes e Letras, Prêmio Goethe (1954) e Medalha da Amizade dos
Estados Unidos da América (1964).
A obra poética de Eliot compreende uma produção que se
estende de 1909 até pouco antes de sua morte, período em que apenas
ocasionalmente cultivou ele o verso e que se caracteriza por uma escassa e já
esporádica atividade, da qual resultaram três coletâneas que pouco acrescentam
à sua obra anterior: os Occasional Verses, incluídos nos Collected Poems
1909-1962; The Cultivation of the Christmas Trees (1954); e, fìnalmente, os
Poems Written in Early Youth, cuja publicaçâo já é póstuma. Dentre os mais
importantes poemas ou coletâneas poéticas do autor, figuram: "The Love
Song of J. Alfred Prufrock", "Portrait of a Lady",
"Preludes" e "Conversation Galante", de Prufrock and other
Observations ( 1917) ; "Gerontion", "Sweeney Erect" e
"Sweeney among the Nightingales", de Poems (1920); The Waste Land
(1922); The Hollow Men (1925); Ash-Wednesday (1930); Ariel Poems e Unfinished
Poems, ambos incluídos nos Collected Poems 1909-1935 (1936); The Rock (1934);
e, finalmente, os Four Quartets (1943). Cumpre citar ainda as fantasias
humorísticas que, em 1939, publicou Eliot sob o título de Old Possum's Book oj
Practical Cats, que não integram este volume. A produção poética de T. S. Eliot
foi por quatro vezes reunida: Selected Poems 1909-1925 (1925), Collected Poems
1909-1935 (1936), Collected Poems 1909-1953 (1954) e Collected Poems 1909-1962
(1963).
Ivan Junqueira para o livro Poesia, de T.S. Eliot,
traduzido do original Collected Poems 1909-1962,
Editora Nova Fronteira, 1981
APOIO NA DIVULGAÇÃO
Nenhum comentário:
Postar um comentário