O Acadêmico, professor e escritor Domício Proença Filho,
tomou posse na quinta-feira, dia 17 de dezembro de 2015, na Presidência da
Academia Brasileira de Letras, para o exercício de 2016, em solenidade no Salão
Nobre do Petit Trianon. Ele substituiu o Acadêmico, poeta, ensaísta, tradutor e
crítico literário Geraldo Holanda Cavalcanti, que dirigiu a ABL nas duas
últimas gestões.
Domício Proença Filho afirmou sua preocupação com a
identidade cultural da etnia de origem negra: “Nessa direção, indicia a
assunção pela Academia, da tomada de posição para além dos estereótipos e
preconceitos étnico ou epidérmico, nesse espaço ainda vigente no comportamento
de muitos, veladamente; explicitamente; agressivamente; envergonhadamente;
vergonhosamente. Entendo, a propósito, que, na realidade brasileira,
respeitadas as opiniões em contrário, o núcleo de preocupação deve ser o
combate contínuo e vigoroso ao racismo”.
Sobre as dificuldades vividas pelo país, disse: “Estamos cientes e conscientes da grave crise econômica literal e etimologicamente vivida pelo país. Somos a Diretoria da crise. Árduo será o percurso. No traçado do rumo, buscaremos manter a atitude rotineira e a velocidade de cruzeiro alertas ao aviso de apertar o cinto aos primeiros sinais de turbulência”.
“A língua e a literatura exigem, mais do que nunca, o bom combate. Em especial a arte literária. A tal ponto que se faz oportuno e pertinente reafirmar a sua importância. Entre outros aspectos, lembrar que o convício com o texto literário ajuda as pessoas a organizar o seu universo cultural. Possibilita-nos conhecer melhor a nós mesmos, ao mundo que nos cerca, à nossa relação com o mundo e com o outro. E mais: que o escritor é testemunha do seu tempo e que a literatura interpreta o presente, restaura emocionalmente o passado, possibilita projeção do futuro”, afirmou Domício Proença Filho em seu discurso de posse.
A ÍNTEGRA DO DISCURSO DE POSSE DOMÍCIO PROENÇA FILHO, NA PRESIDÊNCIA DA ABL - 2016
É prática ritual e salutar que, no momento da assunção do
mandato de cada nova Diretoria, o presidente eleito perpasse instâncias
inerentes à Academia e se situe diante delas. Passo a fazê-lo, no cumprimento
do rito.
Asseguro-lhes que, atento ao antigo preceito latino,
garantia de boa acolhida da opinião, serei breve.
A Academia Brasileira de Letras sedimentou e segue
sedimentando, há algum tempo, no espaço da ação que se propõe, o cultivo de
quatro procedimentos basilares. Privilegia o conhecimento. Assume a coragem de
abrir-se para o novo. Orienta-se pelo que é justo. Não descura da prudência, do
equilíbrio e da harmonia.
A eles, alia a atuação desinteressada e a atualização. Pensa
a Cultura. Celebra a memória. Promove e estimula as práticas estéticas. É o que
a reabastece. É o que a singulariza.
A Diretoria que ora assume o mandato estará atenta à
continuidade do percurso histórico pavimentado, ao longo de seus gloriosos 118
anos, pelas que nos antecederam.
Sabemos camonianamente que “as coisas árduas e lustrosas se
conseguem com trabalho e com fadiga”. Na compensação, o prazer de fazer e fazer
bem feito.
Na melhor tradição da Casa, o Secretário-Geral ascende à
presidência. Não por mera rotina. A sábia orientação privilegia a experiência
adquirida, a intimidade com a realidade do agir e do administrar. Fundamenta-se
na avaliação silenciosa do empenho e do desempenho. No presente caso,
seguramente matizada pela generosidade.
Peço vênia para externar a minha gratidão pessoal ao
Presidente Geraldo Holanda Cavalcanti pela corajosa confiança com que me
distinguiu, ao convidar-me para integrar a sua Diretoria. Saibam todos que, do
trabalho comum que nos reuniu ao longo do mandato, resultou a sedimentação de
uma sólida e fraterna amizade que muito me desvanece.
E seja-me permitido fraturar a modéstia, para um registro
extremamente honroso e tranquilizador: a presença na Diretoria, pela primeira
vez na história da Casa de Machado de Assis, de duas ex- presidentes: Ana Maria
Machado e Nélida Piñon, e de dois ex-secretários: Marco Lucchesi e Merval
Pereira, que, para meu privilégio, me distinguiram com a aceitação do convite
para dela participar.
Não bastasse a comprovada alta competência e o convívio
fraterno, outros poderosos fatores asseguram a harmonia no trabalho a ser
levado a termo: a amizade solidária, a total confiança mútua, a dedicação plena
à Academia, a prevalência da Instituição sobre os interesses pessoais, preceito
pétreo que cultuamos os diretores que ora assumimos.
Aos quatro companheiros de percurso, expresso o mais fundo
agradecimento por terem concordado, e com entusiasmo, em coparticipar da
missão. Em nome de todos, agradeço fundamente o alto privilégio da inédita
votação por unanimidade com que fomos privilegiados. A distinção superlativa a
nossa responsabilidade. Em contrapartida, oxigena o estímulo.
Estou consciente do que representa a investidura na
presidência. Como ser individual, como ser social. As evidências, literalmente,
me eximiriam de qualquer explicitação. A circunstância histórica, entretanto,
ainda a recomenda.
Individualmente, gratifica em grande o voto de confiança.
Significa também a culminância de um gradativo aprendizado de Academia,
exercido ao longo de um cursus honorum que se estendeu pelos últimos nove anos,
seis deles como integrante da Diretoria, talvez, por força de alguma ponta de
masoquismo, prazerosamente.
No âmbito comunitário, a presidência reveste-se de
representatividade, em função dos espaços ainda necessários, na realidade
brasileira, da afirmação da identidade cultural da etnia de origem negra. Mesmo
diante da privilegiada condição mesclada e miscigenada própria da comunidade
nacional que integramos.
Nessa direção, indicia a assunção pela Academia, da tomada
de posição para além dos estereótipos e do preconceito étnico ou epidérmico,
nesse espaço ainda vigente no comportamento de muitos, veladamente;
explicitamente; agressivamente; envergonhadamente; vergonhosamente.
Nesse sentido, a Casa de Machado de Assis, uma vez mais,
situa claramente o seu posicionamento, em termos de nossa contingência
comunitária. Não nos esqueçam os tempos fundadores de Joaquim Nabuco e de
Machado de Assis, a ação pioneira de Afonso Arinos.
Entendo, a propósito, que, na realidade brasileira,
respeitadas as opiniões em contrário, o núcleo de preocupação deve ser o
combate contínuo e vigoroso ao racismo.
Os tempos são ásperos, sabemos todos.
Estamos cientes e conscientes da grave crise econômica
literal e etimologicamente vivida pelo país. Somos a Diretoria da crise. Árduo
será o percurso.
Estamos preparados para o desafio. Graças, sobretudo, aos
que nos precederam e construíram progressivamente o caminho, ao longo do
passado mediato e imediato.
Recebemos a Casa bem aparelhada e bem arrumada. Mas,
sabemos, nem por isso invulnerável.
No traçado do rumo, buscaremos manter a altitude rotineira e
a velocidade de cruzeiro, alertas ao aviso de apertar o cinto aos primeiros
sinais de turbulência. Esperamos que não se faça necessário. Caso sejamos
agraciados pelas benesses dos bons ventos, não hesitaremos em aproveitá-los
para subir mais alto e acelerar, sem que seja preciso despender mais
combustível.
A Academia nos imanta com a sua aura. Cada Acadêmica, cada
Acadêmico, no passado, no presente e, ouso afirmar, no futuro assegura e
assegurará, com a biografia de cada um e com a continuidade de sua produção e
de sua ação, a permanência do brilho, a sua consistência, a respeitabilidade
que a identifica junto à sociedade brasileira.
Somos os eventualmente agraciados, quarenta entre tantos que
têm todas as condições de integrar seus quadros. Entretanto, como assinala com
pertinência Alberto da Costa e Silva, a Casa não tem a pretensão de reunir
todos os melhores da inteligência brasileira, mas os que a integram têm plena
consciência de sua responsabilidade histórica. Desde o momento em que em menos
de dez anos de sua fundação, a Academia passou a representar para os
brasileiros, a excelência no plano da cultura, simbolização que persiste na
atualidade.
Essa qualificação e esse reconhecimento nos honram e nos
transcendem.
A missão de cada nova Diretoria implica continuidade e
acrescentamento. Tem sido assim. Assim seguirá sendo.
Permaneceremos fiéis à cláusula pétrea do Estatuto e aos
princípios que fundamentam a atuação da Casa.
A Academia é uma sociedade civil sem fins lucrativos.
Congrega cultores de ação e pensamento prioritariamente
reunidos em torno da causa da língua que falamos, da literatura que nos
identifica e que alimenta o imaginário brasileiro. E atua com independência.
Alerta à dinâmica dos registros idiomáticos, permanece
atenta ao percurso e à mutabilidade do idioma oficial, imune a qualquer
perspectiva radicalizante. Sabe do potencial político e econômico da língua
portuguesa, mais que nunca evidenciado nos albores do século atual. Está ciente
de que a sociedade brasileira, há muito, atribui a ela a condição de guardiã do
nosso principal meio de comunicação. E seguirá fiel a essa confiança.
A língua e a literatura exigem de todos nós, mais do que
nunca, o bom combate. Em especial a arte literária.
É consenso, a propósito, entre os que a ela se dedicam, que,
impressa ou digitalizada, luta, há algum tempo, para assegurar o seu lugar de
centro como produto cultural e seu prestígio no espaço educacional e
pedagógico.
A tal ponto, que se faz oportuno e pertinente reafirmar a
sua importância. Entre outros aspectos, lembrar que o convívio com o texto
literário ajuda as pessoas a organizar o seu universo cultural. Possibilita-nos
conhecer melhor a nós mesmos, ao mundo que nos cerca, à nossa relação com o mundo
e com o outro. E mais: que o escritor é testemunha do seu tempo e que a
literatura interpreta o presente, restaura emocionalmente o passado,
possibilita projeção do futuro.
Cumpre reiterar que o texto literário contribui para a
estruturação do imaginário nacional e para a formação da nacionalidade, leva o
leitor ou ouvinte a questionar a realidade social que o cerca, propicia
abertura para a transformação enriquecedora e mesmo para a afirmação de
identidades, contribui para a formação da cidadania.
Sabemos todos os que navegamos nesses espaços. Sabe-o a
Academia.
De par com o culto da língua e da literatura nacional, a
Casa de Machado de Assis, numa visão aberta e moderna, dirige também a sua
atuação para outras manifestações da cultura. De início, no âmbito da cultura
feita, há algum tempo, no constante processo de atualização que a caracteriza,
e logo da cultura fazendo-se no cotidiano brasileiro e planetário.
Assim direcionada, assegura a sua permanência significativa
e a sua atualidade. É mais um de suas marcas singularizadoras, relevante, na
contemporaneidade, em termos de cultura de consumo e de cybercultura.
Parodiando e ampliando Machado de Assis, nem tudo tinham os antigos, nem tudo
têm os modernos e os pós-modernos: com os haveres de uns e de outros é que se
constrói o patrimônio cultural do país.
Situo-me entre os que entendem que, forjada sob a égide da
tradição, só assegurará a sua permanência e sua imagem comunitária, se aberta
às exigências da dinâmica do processo cultural e consciente de sua função
social. Respeitado o pensamento divergente.
A Diretoria que ora toma posse dará seguimento ao trabalho
desenvolvido pelas que nos antecederam no processo de contínua construção. Para
tanto, aberta ao diálogo, espera contar com a colaboração e a participação de
todos os seus integrantes, para além de eventuais desencontros e divergências.
Não nos esqueçamos de que a Academia são os acadêmicos e as acadêmicas e de que
a Casa é para o Brasil. E, sobretudo, nos ultrapassa.
Não temos dúvidas de que o corpo de funcionários, que nos
garante a imprescindível infraestrutura operacional seguirá fiel à dedicação e
ao entusiasmo que é a marca da atuação de todos. E disso dou testemunho.
Na melhor tradição da Casa de Machado de Assis, posso
assegurar-lhes, os diretores que ora assumimos, procuraremos agir com
sabedoria, decidir com justiça, atuar corajosamente, e, mais que nunca no tempo
brasileiro hoje, cultivar a temperança.
Muito obrigado.
Domício Proença Filho
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