quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

ÁUDIOS DE 10 POEMAS DE MANUEL BANDEIRA, EXCEPCIONALMENTE, INTERPRETADOS PELO AUTOR BRASILEIRO | UMA PRODUÇÃO DO FOCUS PORTAL CULTURAL.



CLICAR NO LINK: 

https://www.youtube.com/watch?v=bJzaf3gVSnA

 

 

1 - CANÇÃO DO VENTO E DA MINHA VIDA

       

O vento varria as folhas,

O vento varria os frutos,

O vento varria as flores...

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De frutos, de flores, de folhas.

 

O vento varria as luzes,

O vento varria as músicas,

O vento varria os aromas...

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De aromas, de estrelas, de cânticos.

 

O vento varria os sonhos

E varria as amizades...

O vento varria as mulheres...

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De afetos e de mulheres.

 

O vento varria os meses

E varria os teus sorrisos...

O vento varria tudo!

E a minha vida ficava

Cada vez mais cheia

De tudo.

 

2 – NOITE MORTA

 

Noite morta.

Junto ao poste de iluminação

Os sapos engolem mosquitos.

 

Ninguém passa na estrada.

Nem um bêbado.

 

No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras.

Sombras de todos os que passaram.

Os que ainda vivem e os que já morreram.

 

O córrego chora.

A voz da noite...

(Não desta noite, mas de outra maior.)

 

 

 

3 - RONDÓ DOS CAVALINHOS

 

Os cavalinhos correndo,

E nós, cavalões, comendo…

Tua beleza, Esmeralda,

Acabou me enlouquecendo.

 

Os cavalinhos correndo,

E nós, cavalões, comendo…

O sol tão claro lá fora,

E em minh’alma – anoitecendo!

 

Os cavalinhos correndo,

E nós, cavalões, comendo…

Alfonso Reyes partindo,

E tanta gente ficando…

 

Os cavalinhos correndo,

E nós, cavalões, comendo…

A Itália falando grosso,

A Europa se avacalhando…

 

Os cavalinhos correndo,

E nós, cavalões, comendo…

O Brasil politicando,

Nossa! A poesia morrendo…

O sol tão claro lá fora,

O sol tão claro, Esmeralda,

E em minh’alma – anoitecendo!

 

4 - ÁGUA-FORTE

 

O preto no branco,

O pente na pele:

Pássaro espalmado

No céu quase branco.

 

Em meio do pente,

A concha bivalve

Num mar de escarlata.

Concha, rosa ou tâmara?

 

No escuro recesso,

As fontes da vida

A sangrar inúteis

Por duas feridas.

 

Tudo bem oculto

Sob as aparências

Da água-forte simples:

De face, de flanco,

O preto no branco.

 

 

5 - PISCINA

 

 

Que silêncio enorme!

Na piscina verde Gorgoleja trépida.

A água da carranca.

Só a lua se banha

- Lua gorda e branca - Na piscina VERDE

Como a Lua é branca.

Corre um arrepio silenciosamente

Na Piscina Verde

Lua ela não quer

Ah! O que ela quer,

A Piscina verde,

É o corpo queimado

De certa mulher

Que jamais se banha

Na   espadana  branca

Da água da carranca.

 

 

6 - O RIO

 

Ser como o rio que deflui

Silencioso dentro da noite.

Não temer as trevas da noite.

Se há estrelas nos céus, refleti-las.

E se os céus se pejam de nuvens,

Como o rio as nuvens são água,

Refleti-las também sem mágoa

Nas profundidades tranquilas.

 

 

 

7 - MASCARADA

 

Você me conhece?

(Frase dos mascarados de antigamente)

 

- Você me conhece?

- Não conheço não.

- Ah, como fui bela!

Tive grandes olhos,

que a paixão dos homens

(estranha paixão!)

Fazia maiores...

Fazia infinitos.

Diz: não me conheces?

- Não conheço não.

 

- Se eu falava, um mundo

Irreal se abria

à tua visão!

Tu não me escutavas:

Perdido ficavas

Na noite sem fundo

Do que eu te dizia...

Era a minha fala

Canto e persuasão...

Pois não me conheces?

- Não conheço não.

- Choraste em meus braços

- Não me lembro não.

 

- Por mim quantas vezes

O sono perdeste

E ciúmes atrozes

Te despedaçaram!

 

Por mim quantas vezes

Quase tu mataste,

Quase te mataste,

Quase te mataram!

Agora me fitas

E não me conheces?

 

- Não conheço não.

Conheço que a vida

É sonho, ilusão.

Conheço que a vida,

A vida é traição.

 

 

8 - BOI MORTO

 

Como em turvas águas de enchente,

Me sinto a meio submergido

Entre destroços do presente

Divido, subdividido,

Onde rola, enorme, o boi morto,

 

Boi morto, boi morto, boi morto.

 

Árvore da paisagem calma,

Convosco – altas tão marginais!

Fica a alma, a atônita alma,

Atônita para jamais.

Que o corpo, esse vai com o boi morto,

 

Boi morto, boi morto, boi morto.

 

Boi morto, boi desconhecido,

Boi espantosamente, boi

Morto, sem forma ou sentido

Ou significado. O que foi

Ninguém sabe. Agora é boi morto,

 

Boi morto, boi morto, boi morto.

 

 

9 - SATÉLITE

 

Fim de tarde.

No céu plúmbeo

A Lua baça

Paira

Muito cosmograficamente

Satélite.

Desmetaforizada,

Desmitificada,

Despojada do velho segredo de melancolia,

Não é agora o golfão de cismas,

O astro dos loucos e dos enamorados,

Mas tão-somente

Satélite.

Ah Lua deste fim de tarde,

Demissionária de atribuições românticas,

Sem show para as disponibilidades sentimentais!

Fatigado de mais-valia,

Gosto de ti assim:

Coisa em si,

– Satélite.

 

 

10 - MAÍSA

 

Um dia pensei um poema para Maísa

Maísa não é isso

Maísa não é aquilo

Como é então que Maísa me comove me sacode me buleversa me hipnotiza?

 

Muito simplesmente

Maísa não é isso, mas Maísa tem aquilo

Maísa não é aquilo, mas Maísa tem isto

Os olhos de Maísa são dois não sei quê dois não sei como diga dois Oceanos Não pacíficos.

 

A boca de Maísa é isso e aquilo

Quem fala mais em Maísa a boca ou os olhos?

Os olhos e a boca de Maísa se entendem os olhos dizem uma coisa e a boca de Maísa se condói se contrai se contorce como a ostra viva em que pingou uma gota de limão

A boca de Maísa escanteia e os olhos de Maísa ficam sérios meu Deus como os olhos de Maísa podem ser sérios e como a boca de Maísa pode ser amarga!

Boca da noite (mas de repente alvorece num sorriso infantil inefável)

 

Cacei imagens delirantes

Maísa podia não gostar

Cassei o poema.

 

Maísa reapareceu depois de longa ausência

Maísa emagreceu

Está melhor assim?

 

Nem melhor nem pior

Maísa não é um corpo

Maísa são dois olhos e uma boca

 

Essa é a Maísa da televisão

A Maísa que canta

A outra não conheço não

Não conheço de todo

Mas mando um beijo para ela.

 



UM POUCO MANUEL BANDEIRA  

 

Manuel Bandeira foi um dos mais importantes escritores da Primeira fase do Modernismo e um dos pontos mais altos da poesia lírica nacional. É considerado um clássico da literatura brasileira do século XX. O poema "Vou-me Embora pra Pasárgada" é um dos seus mais famosos poemas. Foi também professor de literatura, crítico literário e crítico de arte. Ocupou a Cadeira n.º 24 da Academia Brasileira de Artes.

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasceu na cidade do Recife, Pernambuco, no dia 19 de abril de 1886. Filho do engenheiro Manuel Carneiro de Souza Bandeira e de Francelina Ribeiro, abastada família de proprietários rurais, advogados e políticos.

Seu avô materno Antônio José da Costa Ribeiro, foi citado no poema "Evocação do Recife". A casa onde morava, localizada na Rua da União, no centro do Recife é citada como "a casa do meu avô".

Manuel Bandeira iniciou seus estudos no Recife. Em 1896, com 10 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, concluindo o curso secundário no Colégio Pedro II. Em 1903 ingressou no curso de Arquitetura da Escola Politécnica de São Paulo, mas interrompeu os estudos para tratar de uma tuberculose. 

Dez anos depois, ainda doente, foi para a Suíça em busca da cura, onde permaneceu durante um ano, de 1913 a 1914, eliminando definitivamente a doença. Nesse período, conviveu com o poeta francês, internado na mesma clínica, Paul Éluard, sem a menor esperança de sobreviver, conforme confessou posteriormente no poema Pneumotórax, do livro Libertinagem.

De volta ao Brasil, tornou-se inspetor de ensino e, depois, professor de Literatura na Universidade do Brasil.

Em 1917, Manuel Bandeira publicou seu primeiro livro, "A Cinza das Horas", de nítida influência Parnasiana e Simbolista, onde os poemas são contaminados pela melancolia e pelo sofrimento.

Dois anos depois, Bandeira publicou Carnaval (1919), cujos poemas prenunciavam os valores de uma nova tendência estética, o modernismo, foi o seu batismo no movimento que o levou a se unir ao grupo modernista de São Paulo.

Em 1921, Manuel Bandeira conheceu Mário de Andrade e através deste, colaborou com a revista modernista Klaxon, com o poema Bonheur Lyrique. Morando no Rio de Janeiro, sua participação no Movimento Modernista foi sempre a distância.

Em 1940 foi eleito para Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de n.º 24. Em 1943 foi nomeado professor de Literatura Hispano-Americana da Faculdade Nacional de Filosofia.

Manuel Bandeira faleceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de outubro de 1968. Suas poesias haviam sido reunidas, pouco antes, em Estrela da Vida Inteira (1966).

Manuel Bandeira é homenageado no Recife com uma estátua localizada na Rua da Aurora nas margens do rio Capibaribe e a casa onde morou, um prédio tombado, funciona “O Espaço Pasárgada” é hoje um centro cultural onde se realizam várias atividades voltadas à literatura, como lançamento de livros, recitais poéticos, visitas guiadas para as escolas, além de promover um cineclube, o Cine Pasárgada.

OBRAS DE MANUEL BANDEIRA

 

A Cinza das Horas, poesia, 1917

Carnaval, poesia, 1919

O Ritmo Dissoluto, poesia, 1924

Libertinagem, poesias reunidas, 1930

Estrela da Manhã, poesia, 1936

Crônicas da Província do Brasil, prosa, 1937

Guia de Ouro Preto, prosa, 1938

Noções de História das Literaturas, prosa, 1940

Lira dos Cinquenta Anos, poesia, 1940

Belo, Belo, poesia, 1948

Mafuá do Malungo, poesia, 1948

Literatura Hispano-Americana, prosa, 1949

Gonçalves Dias, prosa, 1952

Opus 10, poesia, 1952

Intinerário de Pasárgada, prosa,1954

De Poetas e de Poesias, prosa, 1954

Flauta de Papel, prosa, 1957

Estrela da Tarde, poesia, 1963

Andorinha, Andorinha, prosa, 1966 (textos reunidos por Drummond)

Estrela da Vida Inteira, poesias reunidas, 1966

Colóquio Unilateralmente Sentimental, prosa, 1968

 







Nenhum comentário:

Postar um comentário