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1 -
CANÇÃO DO VENTO E DA MINHA VIDA
O vento
varria as folhas,
O vento
varria os frutos,
O vento
varria as flores...
E a
minha vida ficava
Cada
vez mais cheia
De
frutos, de flores, de folhas.
O vento
varria as luzes,
O vento
varria as músicas,
O vento
varria os aromas...
E a
minha vida ficava
Cada
vez mais cheia
De
aromas, de estrelas, de cânticos.
O vento
varria os sonhos
E
varria as amizades...
O vento
varria as mulheres...
E a
minha vida ficava
Cada
vez mais cheia
De
afetos e de mulheres.
O vento
varria os meses
E
varria os teus sorrisos...
O vento
varria tudo!
E a
minha vida ficava
Cada
vez mais cheia
De
tudo.
2 –
NOITE MORTA
Noite
morta.
Junto
ao poste de iluminação
Os
sapos engolem mosquitos.
Ninguém
passa na estrada.
Nem um
bêbado.
No
entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras.
Sombras
de todos os que passaram.
Os que
ainda vivem e os que já morreram.
O
córrego chora.
A voz
da noite...
(Não
desta noite, mas de outra maior.)
3 -
RONDÓ DOS CAVALINHOS
Os
cavalinhos correndo,
E nós,
cavalões, comendo…
Tua
beleza, Esmeralda,
Acabou
me enlouquecendo.
Os
cavalinhos correndo,
E nós,
cavalões, comendo…
O sol
tão claro lá fora,
E em
minh’alma – anoitecendo!
Os
cavalinhos correndo,
E nós,
cavalões, comendo…
Alfonso
Reyes partindo,
E tanta
gente ficando…
Os
cavalinhos correndo,
E nós,
cavalões, comendo…
A
Itália falando grosso,
A
Europa se avacalhando…
Os
cavalinhos correndo,
E nós,
cavalões, comendo…
O
Brasil politicando,
Nossa!
A poesia morrendo…
O sol
tão claro lá fora,
O sol
tão claro, Esmeralda,
E em
minh’alma – anoitecendo!
4 -
ÁGUA-FORTE
O preto
no branco,
O pente
na pele:
Pássaro
espalmado
No céu
quase branco.
Em meio
do pente,
A
concha bivalve
Num mar
de escarlata.
Concha,
rosa ou tâmara?
No
escuro recesso,
As
fontes da vida
A
sangrar inúteis
Por
duas feridas.
Tudo
bem oculto
Sob as
aparências
Da
água-forte simples:
De
face, de flanco,
O preto
no branco.
5 -
PISCINA
Que
silêncio enorme!
Na
piscina verde Gorgoleja trépida.
A água
da carranca.
Só a
lua se banha
- Lua
gorda e branca - Na piscina VERDE
Como a
Lua é branca.
Corre
um arrepio silenciosamente
Na
Piscina Verde
Lua ela
não quer
Ah! O
que ela quer,
A
Piscina verde,
É o
corpo queimado
De
certa mulher
Que
jamais se banha
Na espadana
branca
Da água
da carranca.
6 - O
RIO
Ser
como o rio que deflui
Silencioso
dentro da noite.
Não
temer as trevas da noite.
Se há
estrelas nos céus, refleti-las.
E se os
céus se pejam de nuvens,
Como o
rio as nuvens são água,
Refleti-las
também sem mágoa
Nas
profundidades tranquilas.
7 -
MASCARADA
Você me
conhece?
(Frase
dos mascarados de antigamente)
- Você
me conhece?
- Não
conheço não.
- Ah,
como fui bela!
Tive
grandes olhos,
que a
paixão dos homens
(estranha
paixão!)
Fazia
maiores...
Fazia
infinitos.
Diz:
não me conheces?
- Não
conheço não.
- Se eu
falava, um mundo
Irreal
se abria
à tua
visão!
Tu não
me escutavas:
Perdido
ficavas
Na
noite sem fundo
Do que
eu te dizia...
Era a
minha fala
Canto e
persuasão...
Pois
não me conheces?
- Não
conheço não.
-
Choraste em meus braços
- Não
me lembro não.
- Por
mim quantas vezes
O sono
perdeste
E
ciúmes atrozes
Te
despedaçaram!
Por mim
quantas vezes
Quase
tu mataste,
Quase
te mataste,
Quase
te mataram!
Agora
me fitas
E não
me conheces?
- Não
conheço não.
Conheço
que a vida
É
sonho, ilusão.
Conheço
que a vida,
A vida
é traição.
8 - BOI
MORTO
Como em
turvas águas de enchente,
Me
sinto a meio submergido
Entre
destroços do presente
Divido,
subdividido,
Onde
rola, enorme, o boi morto,
Boi
morto, boi morto, boi morto.
Árvore
da paisagem calma,
Convosco
– altas tão marginais!
Fica a
alma, a atônita alma,
Atônita
para jamais.
Que o
corpo, esse vai com o boi morto,
Boi
morto, boi morto, boi morto.
Boi
morto, boi desconhecido,
Boi
espantosamente, boi
Morto,
sem forma ou sentido
Ou
significado. O que foi
Ninguém
sabe. Agora é boi morto,
Boi
morto, boi morto, boi morto.
9 -
SATÉLITE
Fim de
tarde.
No céu
plúmbeo
A Lua
baça
Paira
Muito
cosmograficamente
Satélite.
Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada
do velho segredo de melancolia,
Não é
agora o golfão de cismas,
O astro
dos loucos e dos enamorados,
Mas
tão-somente
Satélite.
Ah Lua
deste fim de tarde,
Demissionária
de atribuições românticas,
Sem show
para as disponibilidades sentimentais!
Fatigado
de mais-valia,
Gosto
de ti assim:
Coisa
em si,
–
Satélite.
10 -
MAÍSA
Um dia
pensei um poema para Maísa
Maísa
não é isso
Maísa
não é aquilo
Como é
então que Maísa me comove me sacode me buleversa me hipnotiza?
Muito
simplesmente
Maísa
não é isso, mas Maísa tem aquilo
Maísa
não é aquilo, mas Maísa tem isto
Os
olhos de Maísa são dois não sei quê dois não sei como diga dois Oceanos Não
pacíficos.
A boca
de Maísa é isso e aquilo
Quem
fala mais em Maísa a boca ou os olhos?
Os
olhos e a boca de Maísa se entendem os olhos dizem uma coisa e a boca de Maísa
se condói se contrai se contorce como a ostra viva em que pingou uma gota de
limão
A boca
de Maísa escanteia e os olhos de Maísa ficam sérios meu Deus como os olhos de
Maísa podem ser sérios e como a boca de Maísa pode ser amarga!
Boca da
noite (mas de repente alvorece num sorriso infantil inefável)
Cacei
imagens delirantes
Maísa
podia não gostar
Cassei
o poema.
Maísa
reapareceu depois de longa ausência
Maísa
emagreceu
Está
melhor assim?
Nem
melhor nem pior
Maísa
não é um corpo
Maísa
são dois olhos e uma boca
Essa é
a Maísa da televisão
A Maísa
que canta
A outra
não conheço não
Não
conheço de todo
Mas
mando um beijo para ela.
UM
POUCO MANUEL BANDEIRA
Manuel Bandeira foi um dos mais
importantes escritores da Primeira fase do Modernismo e um dos pontos mais
altos da poesia lírica nacional. É considerado um clássico da literatura
brasileira do século XX. O poema "Vou-me Embora pra Pasárgada" é um
dos seus mais famosos poemas. Foi também professor de literatura, crítico
literário e crítico de arte. Ocupou a Cadeira n.º 24 da Academia Brasileira de
Artes.
Manuel Carneiro de Sousa
Bandeira Filho nasceu na cidade do Recife, Pernambuco, no dia 19 de abril de
1886. Filho do engenheiro Manuel Carneiro de Souza Bandeira e de Francelina
Ribeiro, abastada família de proprietários rurais, advogados e políticos.
Seu avô materno Antônio José da
Costa Ribeiro, foi citado no poema "Evocação do Recife". A casa onde
morava, localizada na Rua da União, no centro do Recife é citada como "a
casa do meu avô".
Manuel Bandeira iniciou seus
estudos no Recife. Em 1896, com 10 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro,
concluindo o curso secundário no Colégio Pedro II. Em 1903 ingressou no curso
de Arquitetura da Escola Politécnica de São Paulo, mas interrompeu os estudos
para tratar de uma tuberculose.
Dez anos depois, ainda doente,
foi para a Suíça em busca da cura, onde permaneceu durante um ano, de 1913 a
1914, eliminando definitivamente a doença. Nesse período, conviveu com o poeta
francês, internado na mesma clínica, Paul Éluard, sem a menor esperança de
sobreviver, conforme confessou posteriormente no poema Pneumotórax, do livro
Libertinagem.
De volta ao Brasil, tornou-se
inspetor de ensino e, depois, professor de Literatura na Universidade do
Brasil.
Em 1917, Manuel Bandeira
publicou seu primeiro livro, "A Cinza das Horas", de nítida
influência Parnasiana e Simbolista, onde os poemas são contaminados pela
melancolia e pelo sofrimento.
Dois anos depois, Bandeira
publicou Carnaval (1919), cujos poemas prenunciavam os valores de uma nova
tendência estética, o modernismo, foi o seu batismo no movimento que o levou a
se unir ao grupo modernista de São Paulo.
Em 1921, Manuel Bandeira conheceu
Mário de Andrade e através deste, colaborou com a revista modernista Klaxon,
com o poema Bonheur Lyrique. Morando no Rio de Janeiro, sua participação no
Movimento Modernista foi sempre a distância.
Em 1940 foi eleito para
Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de n.º 24. Em 1943 foi
nomeado professor de Literatura Hispano-Americana da Faculdade Nacional de
Filosofia.
Manuel Bandeira faleceu no Rio
de Janeiro, no dia 13 de outubro de 1968. Suas poesias haviam sido reunidas,
pouco antes, em Estrela da Vida Inteira (1966).
Manuel Bandeira é homenageado
no Recife com uma estátua localizada na Rua da Aurora nas margens do rio
Capibaribe e a casa onde morou, um prédio tombado, funciona “O Espaço
Pasárgada” é hoje um centro cultural onde se realizam várias atividades
voltadas à literatura, como lançamento de livros, recitais poéticos, visitas
guiadas para as escolas, além de promover um cineclube, o Cine Pasárgada.
OBRAS DE MANUEL BANDEIRA
A Cinza das Horas, poesia, 1917
Carnaval, poesia, 1919
O Ritmo Dissoluto, poesia, 1924
Libertinagem, poesias reunidas, 1930
Estrela da Manhã, poesia, 1936
Crônicas da Província do Brasil, prosa, 1937
Guia de Ouro Preto, prosa, 1938
Noções de História das Literaturas, prosa, 1940
Lira dos Cinquenta Anos, poesia, 1940
Belo, Belo, poesia, 1948
Mafuá do Malungo, poesia, 1948
Literatura Hispano-Americana, prosa, 1949
Gonçalves Dias, prosa, 1952
Opus 10, poesia, 1952
Intinerário de Pasárgada, prosa,1954
De Poetas e de Poesias, prosa, 1954
Flauta de Papel, prosa, 1957
Estrela da Tarde, poesia, 1963
Andorinha, Andorinha, prosa, 1966 (textos reunidos por Drummond)
Estrela da Vida Inteira, poesias reunidas, 1966
Colóquio Unilateralmente Sentimental, prosa, 1968
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