Prometi
comentar, hoje, os expressivos poemas do grande poeta Gilberto Mendonça Teles
sobre D. Juan, mas antes disso, escrevi alguns tópicos sobre o universo desse
amoroso mito que com seus atos provoca polêmicas e que tem sido, através dos
tempos, objeto de várias interpretações. Em ritmos estéticos específicos e
momentos culturais diferentes, D. Juan é analisado pelos teóricos com diversos
enfoques e epítetos.
Já
ganhou o conceito de: maldito, narcísico, dionisíaco, dilemático
(correlacionado metaforicamente com as indecisões de Hamlet), maquiavélico,
galante, pecador, revoltado, revolucionário, judeu errante do amor, onipotente,
utópico, titânico, sonhador, céptico, fáustico, prometeico... E, eu,
particularmente, penso ser Don Juan um frágil menino.
Tais
qualificativos – quer condenando-o, quer redimindo-o – segundo quem reescreva o
mito ou o leitor que o interprete – confirmam a patética complexidade do
problema de D, Juan. Todos esses adjetivos encobrem o “pathos” trágico que se incendeia
no âmago desse amador indiferenciado que se perde no drama da carne e do
espírito também.
Sua
lenda vivificou-se na música de Mozart (“Don Giovanni”) com libreto de Da Ponte
(séc. XVIII). Don Juan brilha em encenações de balé e na pintura de Dali, de
Goya, de Delacroix (no famoso “Le naufrage de Don Juan”), todos capturados pela
sede de vida, pela dispersão infinita, pela sexualidade infantil deste perverso
polimorfo, se lido seus atos na linha freudiana.
No
cinema, ele se reilumina com “Monsieur
Verdoux (Chaplin), com “Les liaisons dangeureuses” na adaptação de
Laclos, com “Casanova e a revolução”,
protagorizado por Marcelo Mastroiani e
com “Don Juan 1973” (ou “Si Don Juan était une Femme...) tendo Brigitte Bardot no papel principal, para demonstrar
que a insaciável busca amorosa, indistintamente se manifesta tanto na mulher
quanto no homem.
As
atitudes desse burlador incorrigível encobrem dores profundas da nossa humana
condição. D. Juan tenta buscar no Amor
alguma coisa que lhe falta e que difusamente intui – o Paraíso? Deus? A Grande
Mãe? A Liberdade? – como se ele pudesse pelas ligações amorosas preencher
angústias e salvar-se. Ainda ele não percebeu que o amor é sempre incompletude,
substituição e que, similar a seu desejo, a parceira tem iguais carências. Na
ânsia infantil de que a amada tudo lhe possa dar, ele se decepciona, esbarra no
espaço da falta. Entristece, mas parte para as outras – a Grande Outra? – e sua
busca continua eternamente com outras figurações.
Ninguém
salva ninguém do desamparo fundamental – já afirmou um grande psicanalista
brasileiro. Na verdade, o ser é sempre só. “Somos todos seres descontínuos”
disse, por outra via, George Bataille.
Formulamos a fantasia da continuidade pelo ato amoroso tão fugaz. Mas o
próprio amor, quase sempre, ao chegar– conforme já disse em outro post– já não
traz em si o gérmen da despedida? Não sem razão Vinicius de Moraes não
poetizou: “Que não seja imortal/posto que é chama/Mas que seja infinito
enquanto dure”?
Nota:
Este é o terceiro capítulo sobre D. Juan, escrito pela professora-doutora Dalma
Nascimento, enviado ao jornalista Alberto Araújo para publicação no Focus Portal
Cultural. O primeiro e segundo capítulos da sequência sobre D. Juan estão
publicados na página da própria autora.
No próximo número, análise de dois extraordinários poemas de Gilberto Mendonça Teles sobre esse finório D. Juan Tenório.
UM
POUCO SOBRE GILBERTO MENDONÇA TELES
Gilberto
Mendonça Teles, nasceu em 30 de junho de 1931, em Bela Vista de Goiás/Goiás.
Especialista em Letras Neolatinas, doutor em Letras e livre-docente em
Literatura Brasileira, poeta e crítico literário.
Na
condição de professor de línguas e literatura, lecionou em diversas
universidades da Europa e EUA. No Brasil, fundou a UFGO e é titular da UFRJ.
Seu
primeiro livro, Alvorada Goiânia, foi publicado em 1955, e até o momento já
publicou 14 livros de poesias e 10 de crítica literária, tendo recebido o
Prêmio Machado de Assis, em 1989, pelo conjunto da obra.
Sua
poesia foi reunida, em 1986, no volume Hora aberta, 3ª edição dos Poemas
reunidos (1979). Entre seus livros de poesia, destacam-se Sintaxe invisível
(1967), A Raiz da fala (1970), Arte de amar (1977), Sociologia Goiânia (1982) e
Plural de nuvens (1994). Entre os livros de crítica e ensaios, encontram-se
Drummond: a Estilística da repetição (1970), Vanguarda europeia e Modernismo
brasileiro ( 1972), Camões e a poesia brasileira (1973), Retórica do silêncio
(1979), A crítica e o princípio do prazer (1985) e A escrituração da escrita
(1996). Em 1999, o governo português lhe concedeu a condecoração “Infante Dom
Enrique” no grau de Comendador. Sua publicação mais recente é “Linear G: poemas
2002-2009” (2011) e “Brumas do Silêncio” (2014).
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