Caros
amigos leitores, esta é a parte final de quatro postagens de textos sobre Don
Juan Tenório pautados em escritos de GILBERTO MENDONÇA TELES – todos os ensaios
são da escritora DALMA NASCIMENTO. Boa Leitura! Abraços do ALBERTO ARAÚJO.
Eis
o texto na íntegra
No jogo das múltiplas versões de D. Juan, Gilberto Mendonça Teles em seu livro “Plural de nuvens & Cone de sombra”
entra também nas burlas poéticas e escamoteia as farsas do finório D. Juan Tenório. Desmascara-lhe os ardis, ou deles empaticamente participa na dança de sintagmas deslizantes tão propícia ao tema do drible donjuanesco, ao fingir da ficção e ao filão da arte atual.
No poema “Donjuanismo”, Mendonça Teles – numa escrita popular do mito diversa do enfoque de seu outro poema, “O Belo” – descola e desloca os signos já congelados da coreografia amorosa numa encenação inusitada, composta em quadras literárias com cenas de plásticas movimentações. Se o leitor prestar atenção às mutações dos criativos versos de “Donuanismo”, ele “verá’’ as trocas que se vão concretizadas” das antigas modulações do mito. Uma delas é a mudanças do nome de Don Juan em situações bem diversas das propostas que o antecederam, como mostram as quadras com situações inovadoras do mito canônico.
Eram tipo vulgar de D. Juan
não perdia tempo, de manhã
já saía de casa,
jogando beijos e mandando brasa.
Tentou um dia nacionalizar-se:
Comprou tanga, disfarce
E andou pela cidade – D. João
Metido a artista de televisão.
“Tremei, pais de família”– este era o
lema
não sei se do poeta ou do poema
que D. Ratão citava tagarela
às moças da janela.
De tanto apaixonar, apaixonar-se
e passou viver como se fosse
o D.Luão das nuvens e das fadas
solteiras e casadas.
A nuvem foi tomada não por Juno
e sim pelo jejum de algum gatuno,
um D. Ruão que está roendo o til
de um coração inútil.
Andava a musa estão descontraída,
mas para dar maior sentido à vida
transformou D. Caolho num coelho
e se sumiu no espelho.
A história assim seguiu descontada,
deixando alguma coisa pela estrada
um pouco do seu dom ou do seu D
de não sei mais o quê.
Este
poema se lido rápido, sem prestar atenção ao “deslizamento do sentido” parece
até ingênuo. No entanto, dotado de verve e criatividade, aponta para complexas
peculiaridades embutidas e embricadas não só no tema de D. Juan em diálogo com
a tradição amorosa temática como das mutações da escrita. Portanto, Mendonça
Teles fez em “Donjuanismo” perfeito da forma expressional e do fundo temático.
O
texto se abre no imperfeito do indicativo “Era”, tempo propício à narração de
fatos antigos do contador de histórias, como se este estivesse relatando uma
ocorrência popular a um auditório.
Assim, o texto demonstra tratar-se de um poema narrativo em que o tom
dramático se insinua diluindo os gêneros da arte de nosso tempo. Bem construído
e equilibrado, cada estrofe sempre conclui com um verso hexassilábico, em
posição mutante, a acompanhar as transformações temáticas do mito donjuanesco
que a fecunda imaginação de Mendonça Teles recriou, adaptando a temática de D.
Juan a seu modo. Aliás, a questão da
adaptação já gerou celeumas, agora, cada vez mais com o desconstrutivismo atual
se afasta da antiga discussão do
paradigma consuetudinário. O autor agora recria o texto a seu modo, ampliando
situações do genotexto, ou seja, o que lhe deu a base textual para dali o
autor, no caso Gilberto, recriá-lo.
Ao
circular dentro dos sortilégios da coreografia amorosa, “Donjuanismo” joga com
outros textos em que a tônica também seja a sedução. Nos nomes, cenários,
trocadilhos da história desse novo D. Juan, Gilberto “trocatrilha’’ tudo. E o
sentido de cada pedacinho da história vai perpetuamente deslizando ´para outra
coisa que, no entanto, mantenha com ela certa semelhança. O nome do amoroso
burlador remete a outro parecido, mas em jogadas diferentes iguais às de D.
Juan sempre pronto para ir mais além.
Com
o foco narrativo sempre circulando e alterando-se, o poema, com força
literária, tenta prender nos nomes
transitórios de D. Juan, as várias máscaras dramáticas desse personagem
poliforme. A lembrar um pícaro andarilho, ele vai deixando suas “máscaras”,
suas mentiras pelo caminho em polinomia despersonalizada. Com vários nomes, ele
perde a sua identidade antiga e entra no processo das mudanças, acompanhando o
fluxo heraclítico dos devires.
Se
a cosmovisão do texto muda, a forma
tem que encontrar nova maneira de
expressá-la. Como bem afirmou Maiakokovski: Não há arte revolucionária sem a
forma revolucionária’’. De fato, a alteração no modo de pensar implica mudança
na especificidade dos discursos. Daí, as inúmeras desconstruções em todas as instâncias nessa realização
narrativa da literatura brasileira desse poema ‘’Donjuanismo” do grande poeta
GILBERTO MENDONÇA TELES.
Nota:
não coloquei nesta postagem a análise de cada quadra. No entanto, em cada uma
há um porquê literário bem condizente. Esta análise, incompletíssima nesta
postagem, foi publicada, em 1991, de forma integral na revista Segmiótica da
pós-graduação da Universidade Federal de Goiás; republicada fragmentado nos
Anais do V Encontro da AMPOLL com o título “A sedução de D. Juan em comparações
literárias e métodos teóricos”.
E em meu livro: “Mitos e utopias dos teares literários às paginas dos periódicos”, o ensaio (pag. 69-93) intitula-se:”
Don Juan: o eterno gatuno do coração”.
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