domingo, 20 de outubro de 2024

RIMBAUD – BIOGRAFIA AUTORIA DE JEAN-BAPTISTE BARONIAN

 


Tradução de Joana Canêdo. Coleção L&PM Pocket. 224 páginas.

Edição em Português e descreve bem a época, os locais e as situações que o jovem poeta vivenciou. 


Quando Arthur Rimbaud escreveu à sua irmã Isabelle “A vida é uma miséria sem fim. Por que existimos?”, ele tinha 37 anos e apenas mais alguns meses de vida. Mas que importância tem isso para alguém que viveu muitas vidas em uma só: uma vida de aluno precoce, de adolescente rebelde, uma vida efêmera de poeta genial, de amante de Paul Verlaine, uma vida de grande viajante, de negociante na Abissínia, uma vida de estropiado, de aleijado, errando pelos desertos da África Oriental, uma vida de tragédia grega, de verbo e de silêncio? Vida e obra se confundem para formar a incrível saga de Arthur Rimbaud na terra. Esta, que é uma das maiores aventuras poéticas de todos os tempos, é reconstruída nesta brilhante biografia.

 

Leia um trecho

 

MULHER DEDICADA

 

Quando, no início da década de 1860, na cidade de Charleville, nas Ardenas francesas, as pessoas falam de Vitalie Rimbaud, em geral é para se perguntar como ela faz para criar sozinha seus quatro filhos, já que seu marido, o capitão

Frédéric Rimbaud, quase nunca está em casa. As opiniões divergem. Alguns afirmam que ela tem uma coragem insana. Uma coragem herdada de seus antepassados, sólidos fazendeiros ardenenses. Uma coragem adquirida e forjada desde os cinco anos, em decorrência da morte inesperada de sua mãe em 1830, em Roche – um vilarejo situado no vale do rio Aisne, entre Vouziers e Attigny, que já fora a residência dos reis merovíngios e onde o próprio Carlos Magno aceitou a rendição de Witikind, o temível chefe saxão. 

Dizem ainda que aos dezesseis anos Vitalie já se ocupava de tudo na fazenda da família: de seu velho pai, Jean Nicolas Cuif, de seus dois irmãos, dos trabalhadores, das plantações, dos animais, da cozinha, da limpeza, dos mantimentos, das despesas que devem ou não ser feitas... sem jamais economizar esforços ou se lamentar. Sem tampouco conceder a si mesma a menor distração, mesmo que fosse simplesmente participar dos festivais rurais de Vouziers ou Voncq, a aldeia vizinha, na margem oposta do Aisne. E, ao que parece, foi nesses anos de labuta e servidão que adquiriu seu senso de dever e de trabalho benfeito, para o ascetismo e a vocação para os cuidados com a terra e com a família. 

Cristã devota, católica fervorosa, para ser mais exato, ela observa todos os mandamentos e preceitos de Roma. É de fato bastante rigorosa e nunca deixa de assistir à missa de domingo em companhia dos filhos na recém-erguida Igreja de Notre-Dame, onde sempre comunga. Não chega a ser uma beata, mas é quase isso. 

Sua tez é levemente morena, tem o rosto largo, olhos azul-claros, um nariz reto, a boca fina, o porte de uma mulher orgulhosa e enérgica a quem ninguém engana. Um temperamento forte, é o que se diz com frequência sobre ela. Em todo caso, uma mãe que inspira respeito e é respeitada.

Aos olhos de muitos outros, por outro lado, Vitalie Rimbaud merece toda a compaixão. Bradam contra seu marido que a abandona só com os filhos, sob pretexto de servir à pátria em quartéis distantes – de Lyon a Annonay, Valence,

Dieppe ou Grenoble. Aliás, quem ao certo é esse militar de carreira, que ostenta espessos bigodes loiros no estilo imperial, esse estrangeiro de porte mediano, nariz curto e lábios carnudos, nascido em Dole em 1814 e alistado no exército francês desde os dezoito anos? Rumores asseguram que é muito instruído, faz malabarismos com a gramática e conhece várias línguas, inclusive o árabe, que teria aprendido na Argélia, onde serviu como subtenente em um batalhão de infantaria por volta de 1841. 

Mas o que o teria levado, em fevereiro de 1853, quando estava aquartelado em Mézières, a mostrar interesse por Vitalie Cuif, a quem conheceu durante uma apresentação pública da orquestra do 47º regimento de infantaria de Givet, na agradável Place de la Musique em Charleville? Amor à primeira vista? 

Não, ninguém de fato acredita nisso. Ainda mais porque Vitalie não é nem atraente, nem sedutora, nem abastada. Tampouco é das mais simpáticas. Talvez seja porque aos 28 anos ela ainda fosse solteira e porque ele, perto dos quarenta, estivesse na mesma situação... 

Segundo as más-línguas, como marido, Frédéric Rimbaud só serve para produzir rebentos entre duas licenças militares e, em seguida, deixar todo o peso da educação para a mulher! Quem sabe se ele não tem filhos de outra mulher, em outra cidade, em outros cantos da França? Quem sabe se ele não é bígamo? Talvez seja essa a razão pela qual nunca mais foi visto nem em Charleville nem em Mézières depois de uma derradeira visita ao lar familiar no outono de 1860...

 


UM POUCO SOBRE JEAN-BAPTISTE BARONIAN 

Nascido em 1942, em Anvers, numa família de origem armênia, Jean-Baptiste Baronian é autor de cerca de sessenta livros: romances, coletâneas de contos e de novelas, ensaios, antologias, livros infantis. Em seus romances, especialmente La Nuit, aller-retour, Le Vent du nord, L’Apocalypse blanche, Les Papillons noirs ou Quator X, ele gosta de misturar o real e o fantástico, e de colocar em cena personagens confrontados com crimes misteriosos. Grande especialista da literatura fantástica e policial, ele ocupou a direção literária das Éditions du Fleuve Noir bem como de Georges Simenon e de sua obra, aos quais dedicou duas obras e inúmeros artigos, ele é membro da Academia Real de Língua e Literatura Francesas da Bélgica.

 

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