quarta-feira, 23 de outubro de 2019

UM TRIBUTO NECESSÁRIO, MAS RARO: HEITOR DOS PRAZERES.





“-Mas quem é e de onde vem este pintor extraordinário?” a pergunta - feita nos anos 50 pela recém entronada rainha Elizabeth II numa mostra de arte latino-americana em Londres - ajudou a consagrar Heitor dos Prazeres como pintor.




Nem eu poderia imaginar que o moleque paupérrimo nascido no Rio há 120 anos neste 2018 seria evocado por mim, tanto tempo depois , com certa pompa e circunstância.

Só que em Londres, nem a rainha nem os críticos de arte, poderiam imaginar que Heitor fosse muito mais que um pintor primitivo, capaz de captar - com originalidade no traço e gênio nas cores – todo o universo boêmio do Rio, com suas rodas de samba e suas mulatas.


O Heitor dos Prazeres, cuja data redonda de nascimento o Brasil parece desprezar, foi um pioneiro relevante. E não só como pintor primitivo de fina estirpe.

Foi pioneiro como testemunha ocular do nascimento do samba na casa de Tia Ciata, onde viu nascer o “Pelo Telefone”(1917, Donga – M. de Almeida). Foi pioneiro igualmente como autor de sambas iniciais, que se seguiram aos de Donga, João da Bahiana, Sinhô e Pixinguinha, seus colegas de folguedos musicais e do candomblé, realizados nos casarões decadentes onde moravam as Tias Baianas, na antiga Praça XI. Pioneiro, finalmente, como fundador da Portela, a Escola de Samba onde era conhecido como Mano Lino.

Querem ainda mais do Heitor? Pois saibam que foi objeto de admirações ilustres, desde presidentes da República, como Juscelino ,até intelectuais do porte de Carlos Drummond. O poeta, inclusive, lhe era intimo, a ponto de conseguir-lhe um emprego no Ministério da Educação.


Conheci Heitor na antiga Galeria Goeldi, fundada pelo crítico Clarival Valladares, que a ele me apresentou: 

“- Este é o melhor pintor do Brasil, porque nunca estudou nada e sabe tudo.”

Nem desconfiava meu mestre Clarival que eu já colecionava todos os discos do sambista - não os quadros, é claro, que a essa altura já valiam fortunas. Esses discos eram os sambas gravados pelo conjunto “Heitor e sua gente “, a mim indicados com fervor por Lúcio Rangel e Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, que costumava chamar Heitor de “Prazeres Duplos”, os da pintura e do samba.


Assim que criei no MIS (1966) os depoimentos para a posteridade, um dos primeiros a gravar foi Heitor, de quem já sabia (por telefonema de Carlos Drummond) estar com os dias contados, portador que era de câncer no pâncreas. O grande pintor-compositor gravou durante 3 horas a meu lado, contou toda a sua vida, falou de sucessos como “Pierrô Apaixonado” (com Noel Rosa, onde ele se retratou no quadro Pierrô Azul, aqui postado. Estaria o sambista apaixonado por uma de suas cabrochas na época), “Lá em Mangueira ” (com Herivelto Martins) e “Mulher de Malandro”, este um maravilhoso samba sem parceiro e que foi gravado por Chico Alves.

Ao me despedir na porta do Museu, o sambista, sempre impecavelmente vestido de terno escuro e usando severos óculos redondos, saiu-se com esta:

“-Vou te dizer um segredinho que não pude contar aí dentro. O malandro da mulher do samba era este seu criado.”

E piscou o olho estrábico, moldura perfeita para aquele rosto enérgico e cheio de furinhos de bexigas.
Foi a última vez que o vi.


Ricardo Cravo Albin.





UM POUCO SOBRE HEITOR DOS PRAZERES


Heitor dos Prazeres (1898-1966) foi um compositor, cantor e artista plástico brasileiro. Em parceria com Noel Rosa compôs a famosa música carnavalesca “Pierrô Apaixonado”.

Heitor dos Prazeres (1898-1966) nasceu no Rio de Janeiro, no dia 23 de setembro de 1898. Filho de Eduardo Alexandre dos Prazeres, marceneiro e clarinetista da banda da Guarda Nacional e da costureira Celestina Gonçalves Martins. Com sete anos ficou órfão de pai, com quem aprendera os primeiros passos da profissão de marceneiro e se alegrava ouvindo o som de polcas, valsas e choros em seu clarinete.

Já mostrando sua vocação musical recebe do tio Hilário Jovino, o primeiro cavaquinho, e com esforço da mãe, é matriculado em uma escola profissionalizante, onde cursava o primário e a profissão de marceneiro. Influenciado pelo tio, aprendeu a compor suas primeiras músicas e logo chamou a atenção do compositor e pianista Sinhô.

Ainda jovem, para ajudar nas despesas da casa, foi engraxate, jornaleiro e ajudante de marceneiro. Sempre junto com seu cavaquinho passou a frequentar as reuniões realizadas na casa de Tia Ciata, local também frequentado pelos compositores Sinhô, Donga, Pixinguinha, e João da Baiana, onde na mistura dos ritmos dos instrumentos de percussão com o cavaquinho surgiram vários sambas.

Na década de 20, já se destacava entre os famosos compositores do carnaval carioca, era chamado de “Mano Heitor do Estácio”. Tocando seu cavaquinho, arrastava os foliões pelas ruas do Rio. Participou da criação das primeiras escolas de samba, entre elas: a Estação Primeira da Mangueira e da Vai Como Pode, depois transformada em Portela, à qual ele deu as cores azul e branca. Em 1929, a Portela foi a primeira vencedora do concurso de escolas com sua composição “Não Adianta Chorar”. Em 1931, casou-se com Glória, com quem teve três filhas.

Em 1936 ficou viúvo e passou a desenvolver seu gosto pela pintura. Retratava a vida e a cultura das favelas cariocas, pintava mulatas, rodas de samba, crianças brincando de soltar balão e pipas, a vida boêmia nas ruas da Lapa, as primeiras casas nos morros, as festas de rua etc. Com sua pintura colorida e alegre, participou de algumas exposições e recebeu diversos prêmios e homenagens pelo Brasil, entre eles, o 3º lugar na Bienal de Arte Moderna de São Paulo, com o quadro “Moenda”, em 1951 e a homenagem com sala especial na 2ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1953. Em 1954 criou os cenários e figurinos para o Balé do IV Centenário da Cidade de São Paulo. Em 1959, realizou sua primeira exposição individual, na Galeria Gea, no Rio de Janeiro.

Heitor dos Prazeres, além de participar do elenco da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, se apresentava no Cassino da Urca, onde tocava, cantava e dançava. Como compositor, escreveu diversas composições, entre elas: “Sou Eu Quem dou as Ordens”, “Lá em Mangueira”, em parceria com Herivelto Martins, “Vai Saudade”, “Pierrô Apaixonado”, com Noel Rosa, “Vou te Abandonar”, “Gosto Que Me Enrosco”, “Linda Rosa”, entre outras.

Heitor dos Prazeres faleceu no Rio de Janeiro, no dia 4 de outubro de 1966.






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